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16 de fevereiro de 2016

Travestis prostitutas sofrem os efeitos da crise

Luísa Marilac vai às ruas perguntar se economia anda mal por lá também e descobre que ainda tem homem que quer desconto porque finge que foi enganado!

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Samira Prado (à esquerda) e Adriana Safira etsão enfrentando dureza pra conquistar o ganha pão - Foto: Luísa Marilac
Samira Prado (à esquerda) e Adriana Safira estão enfrentando dureza pra conquistar o ganha pão – Foto: Luísa Marilac

A miga, eu não tenho nenhuma ilusão neste mundo de enganar alguém de que não sou travesti. Existem travestis que se descobrem novinhas, começam tratamento hormonal de berço e passam batidas, mas comigo não tem essa, não. Eu me inspiro na figura feminina, tento chegar o mais perto possível, mas sei que não sou igual. Minha voz, altura, tudo denuncia. Eu sou a típica travesti. E isso não me incomoda nem um pouco. Amo meu quadrilzão com cintura fina e minha altura acima da média feminina. Mas se o carinha chegava na hora do programa – depois que já rolou o bem bom, é claro – querendo desconto ou dinheiro de volta porque não sabia que eu era travesti eu sacava logo que era palhaço mesmo.

Na Europa, uma vez, teve cliente que chegou a mandar eu ir pro banco de trás, perceber o “engano”, me pagar e pedir pra descer. O certo é assim, né? Não é do seu gosto, me respeita e paga pelo meu tempo que você tomou. A maioria dos clientes, na real, é meio doida: durante a noite, nos amam, de dia, nos odeiam. Só nos maltratam e batem na gente pra se enganar e manter a fachada de “machão” quando, na real, são uns covardes que não conseguem encarar os próprios desejos sexuais. Falei e disse. Tem muitos que são safados. Lembro de um que, na hora do ato libidinoso da bubiça, chupou meus peitos e gostou. Depois que teve o orgasmo, disse que tava intoxicado pelos meus seios “falsos” e me pediu o dinheiro de volta. Dei uma coça nele que nunca mais esqueceu!

Leia mais: As dores das mães de travestis

Tem vezes que a gente senta mesmo o braço! Nisso nós, travestis, temos vantagem com relação às outras prostitutas, porque somos mais fortes. Só que a gente sempre acaba perdendo pra uma faca ou um revólver, né divônica? Só aquelas que já foram muito furadas nessa vida que têm estômago pra ir lá e furar de volta. Mas a vida me ensinou uma coisa: se você levantar a mão pra bater em mim, eu pulo em você antes dela me encostar.

Pra completar, se você é prostituta e sofre uma agressão grave não tem INSS, não! Fica mesmo na merda, então tem mais é que se defender! Uma amiga minha trabalha com bolsa de colostomia e tudo – “os clientes não deixam de me comer por isso”, ela ri.

Olha aí a Vanessa dando duro mesmo com bolsa de colostomia
Olha aí a Luísa, minha xará, dando duro mesmo com bolsa de colostomia

Ainda mais na crise, com argumento preconceituoso, tem gente querendo que as travestis trabalhem e não recebam? Não tá fácil: crise não é só pra quem busca carteira assinada, chegou na beira da estrada também! “Aqui foi do atacado pro varejo”, brincou outro dia uma travesti que eu entrevistei na rua”, se fazia dez agora eu faço cinco!”. A Vanessa, que tem 32 anos de vida e 20 de prostuição (atenção, gata, ela COMEÇOU A SER PROSTITUÍDA AOS 12 ANOS!), voltou há 9 meses pro Brasil e tá sentindo a crise pesada aqui.

As maricona tá sempre penosa agora! Deus é maior!

“Ainda bem que eu já tinha pagado meu aluguel adiantado, porque em meio de dezembro a clientela já sumiu. Janeiro apertou ainda mais por conta do material escolar das crianças, festas e o dinheiro da esposa que tem que pagar”, desabafou uma das meninas que entrevistei na beira estrada. “Ainda bem que ainda consigo fazer o de comer.”

E tem ainda os tipinhos que querem botar a culpa em travesti. Esses dias li uma notícia de que travestis estavam roubando muito. Como estou longe das ruas há algum tempo, fui perguntar pra minha amiga Vanessa Jackson – minha parente particular de Michael Jackson que trabalhou comigo no Brasil e na Europa, olha que phyna – e ela falou o seguinte: “Tem, sim, travesti que apronta, mas varia pra cada uma. Não podemos generalizar, ainda mais porque quem apronta faz isso por conta do vício, né?” – é muito difícil essa vida, benhê, têm gente que vicia em droga mesmo!

Essa é a Vanessa Jackson, olha que linda! - Foto: Luísa Marilac
Essa é a Vanessa Jackson, olha que linda! – Foto: Luísa Marilac

Eu, que já vivi isso, entendo o porquê, mas o povo não. Por isso que escrevo essa coluna aqui n’AzMina, pra explicar pra galera que essa é a única maneira que algumas travestis encontraram de ganhar o pão de cada dia e que não somos bixa ruim não. Ninguém vai pra rua só pra se drogar e se encher de roupa: é pra pagar a luz, o aluguel, comprar comida. Como diz a Adriana Safira, uma travesti negra que diz que sofre mais preconceito pela orientação sexual que pela cor: “pra todas que começam não é fácil, você precisa ter personalidade, capacidade e moral pra continuar na rua.”

Às vezes são décadas de prostituição e ainda vem homem broxa inseguro querendo agredir. “Já levei ovo, tomei paulada! E nem gosto de me prostituir!”, desabafou comigo uma das bafônicas. A Giovana, 23 anos de vida e dois de prostituição, chegou nem faz muito tempo do interior de São Paulo pra Guarulhos e fala que o povo da cidade nova direto passa de carro ofendendo e jogando garrafa e ovo. Não que se prostituir não seja digno, mas ninguém quer ficar em beira de estrada sendo humilhada!

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Uma outra mocinha que entrevistei, negra também, me falou que viveu todos os preconceitos de uma vez. “Me ofendem por eu ser negra, por ser travesti e, mesmo sem ser, me chamam de baiana” – como se ser baiana fosse uma ofensa, bixa! A Bahia é um lugar lindo cheio de pessoas sensacionais!

Eu não gosto de me prostituir, mas acho que cada uma decide por si e a prostituição é uma opção. Eu gostaria de trabalhar, a Adriana também, mas não tem estudo e nem encontra empresa que dê oportunidade. Michelle Treze, minha amiga de longa data que só não foi pra Europa porque não quis, por exemplo, sairia desse mundo imediatamente se dessem um emprego, qualquer um, pra ela. E minha xará, Luiza, de 28 anos, teve que se sustentar sozinha desde cedo porque a família não aceitava que ela fosse travesti.

Uma outra moça que conheço começou a transição aos 16 anos, teve até uma fasezinha gay. “Trabalhei numa boate gay, cheguei até a casar, mas vi que aquilo não era pra mim pois não me via naquele corpo. Resolvi me transformar na pessoa que sou hoje”, ela me contou. Mas aí, virou acabou, né musa?

E o movimento LGBT tem esse “T” aí que não representa ninguém. Todas as travestis que entrevisto na rua nunca puderam contar com eles pra nada! Algumas nem sabem o que significa…

* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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