Falar de sexo foi sempre um assunto proibido na minha casa. As únicas vezes que foi citado, sem dizer a palavra, era: “você é muito jovem, não faça”. Mas eu já estava fazendo. E eu não tinha com quem conversar sobre o assunto. Meus pais, minha madrasta, primos e primas, irmãos, ninguém queria falar sobre isso.
O pouco que aprendi, na época, foi nas palestras de contraceptivos da escola e nos livros, nem a minha ginecologista abordava o tema porque a minha mãe fazia questão de entrar comigo nas consultas. Parecia algo extremamente errado, constrangedor. Principalmente, para uma garota como eu, que vivia no interior conservador do estado de São Paulo, em uma cidade de apenas 14 mil habitantes.
Mas existia uma curiosidade das pessoas em falar sobre filhos desde a minha menarca:
– Com quantos anos você quer se casar? E quantos filhos você quer ter?
Eu só tinha 10 anos, havia acabado de me formar no ensino fundamental II, e não tinha aquelas respostas, mas de uma coisa eu sempre tive certeza:
– Eu quero adotar!
Até hoje, eu me lembro dos olhares de reprovação, das frases de indignação e da frustração do meu pai, que chegou até usar religião para tentar mudar a minha opinião. Mas era exatamente por conta da espiritualidade que eu sentia que a minha missão era adotar. Era tão forte essa sensação, que meu útero doía quando eu pensava em ter filhos. Eu sabia o que eu queria muito antes de definir a minha orientação sexual, porém os motivos só ficaram mais claros na minha cabeça ao longo do tempo.
Em um momento que eu ainda não pensava em iniciar minha vida sexual, as pessoas já questionavam a possibilidade de eu ter filhos, simplesmente por já menstruar. Mas em nenhum momento, houve uma explicação didática, ou até mesmo científica, sobre o que é menstruar. Entendi que a partir daquele momento eu já tinha que me planejar para ser mãe, mesmo não tendo idade para tal. É uma violência verbal e uma omissão de conhecimento tão grande que fizeram comigo, que tudo o que eu gostaria hoje era acolher e conversar com a pequena Juliana.
Prevenção aos abusos
Infelizmente, a situação só piorava conforme eu crescia. Com a puberdade e a formação do meu corpo, sofri diversos assédios e uma tentativa de assédio sexual de um idoso, quando eu tinha apenas 12 anos. Graças ao meu instinto, consegui fugir e correr como nunca corri na minha vida.
Quando lembro da minha infância, lembro de ter privilégios por estudar em uma escola particular como bolsista, de ter acesso à internet discada, de ter uma casa com banheiro acolhedor e um chuveiro quentinho para meus banhos. Chorei muito, mas tinha um quarto só para mim e podia ficar sozinha. Penso nas milhares de pessoas que menstruam, que passaram por situações parecidas ou piores que as minhas, sem as mínimas condições de conforto, como ter paz?
É difícil escrever este artigo sem me emocionar, pois é retomar o passado que traz muitos sentimentos de dor. Sinto também, de uma forma crítica, a busca pela construção de um futuro melhor para as novas gerações, para as nossas crianças. É fundamental discutir a justiça reprodutiva desde a menarca – a primeira menstruação -, pois a pessoa que menstrua já está condicionada pela sociedade ao papel de “mãe”, e, dependendo, da situação, pode estar correndo sérios riscos de estupro e outros diversos abusos.
Leia mais: A primeira menstruação – dúvidas e informações necessárias para bem cuidar de si
Sim, precisamos falar de aborto seguro, de métodos contraceptivos, do processo de parto humanizado e das violências obstétricas, sem jamais esquecermos das crianças. Há formas lúdicas e com linguagem adequada para cada faixa etária.
Gostaria de indicar algumas referências de livros:
- Mamãe Sangra, de Claudia Pacheco;
- Meu Corpo meu corpinho, de Roseli Mendonça & Rafaela Carvalho;
- Carro Cris, de Beatriz Cruz;
- A convenção das princesas, de Carolina Ramirez;
- Um novo ciclo vem aí – Fique por dentro da sua menstruação, de Lígia Z. Bahu e Luisa Vieira.
Essa responsabilidade não pode recair só sobre as pessoas que menstruam, mas também as pessoas que não menstruam. A orientação deve ser em busca da eliminação de tabus e prevenção de possíveis consequências traumáticas, que ocorrem com as pessoas que menstruam. É urgente falarmos de justiça reprodutiva a partir de um campo mais amplo, muito além do aborto, mas já na pré-concepção, do conhecimento de onde tudo começa: na menarca.