No último domingo (14/5), além de Dia das Mães, foi dia de visita nas unidades prisionais do país. Sabe quem estava na fila? A mãe daquele jovem preso por portar pequena quantidade de drogas, que poderia estar cumprindo medida alternativa, mas o Estado resolveu encarcerar.
Tira a roupa. Agacha. Tosse. Faz força. Abre a genitália com a mão. Essa é a rotina de milhares de mulheres que enfrentam as filas e passam por revista íntima vexatória nas unidades prisionais. Elas são quem mais visita familiares detidos. Por serem parentes, mães, esposas e crianças são punidas injustamente, e enfrentam a falta de comprometimento dos três poderes em garantir sua dignidade. Há décadas, sociedade civil e movimentos lutam pelo fim da prática da revista, classificada como tortura pela Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização dos Estados Americanos (OEA). O Supremo Tribunal Federal (STF), finalmente, tem em mãos a oportunidade de interromper essa prática violenta do Estado.
A Corte voltou a julgar na última sexta (12/5) se provas resultantes de revistas vexatórias valem no processo criminal. Até o momento, há registro de cinco votos, três ministros consideraram a técnica inadmissível. O relator do processo, ministro Edson Fachin, ressaltou que a prova obtida por esse meio “é ilícita, não cabendo como escusa a ausência de equipamentos eletrônicos”.
Já não há dúvida que, além de abusiva, a revista vexatória não consegue garantir a segurança nos presídios. A Rede Justiça Criminal questionou seus efeitos com pedidos via LAI (Lei de Acesso à Informação) em todo o Brasil. Vários estados não forneceram dados ou entregaram respostas incompletas, mas foi possível identificar que a revista não gera resultados efetivos como o alegado, além de ser um ato degradante.
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De acordo com dados fornecidos pelo estado do Paraná, constatou-se que, em 2018, apenas 0,18% das revistas íntimas de visitantes resultaram em apreensões de drogas, e 0,01%, de celulares. Dos itens confiscados pelo governo do Distrito Federal no mesmo ano, apenas 0,2% vieram de visitantes, e nem todos eram objetos perigosos. Entre os materiais havia moedas, tinta de caneta para tatuagem, remédios, bilhetes, além de substâncias entorpecentes, cartão de memória e chip de celular.
Não podemos fechar os olhos para esta que é uma violência de gênero, raça e classe, já que as mulheres correspondem a 75% do total de visitantes no sistema prisional. A presença de crianças também faz parte da realidade das visitas nos presídios, levadas pelos parentes para encontrarem pais, mães e avós presos e, dessa forma, manter os vínculos afetivos.
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Familiares contam, no relatório ‘Revista vexatória: uma prática constante’, que seus filhos já foram alvos de procedimentos humilhantes. Chama a atenção que, em 23,1% dos casos relatados, o direito à presença do responsável não foi garantido. Assim, a revista de agentes prisionais a menores de idade aconteceu sem acompanhamento.
O Estado não pode seguir impedindo vínculos familiares e estendendo a pena para além da pessoa condenada. É preciso lembrar que os corpos violados são de mulheres, mães, crianças. Validar o uso de provas obtidas por revista vexatória é referendar pena de tortura e abuso sexual. E, em pleno mês das mães, os ministros do STF têm a caneta em punho para mudar essa realidade.
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*Giovanna Preti atua na Rede Justiça Criminal, coalizão composta por nove organizações da sociedade civil brasileira que luta para reverter a lógica do encarceramento em massa e por um sistema de justiça e segurança pública que não viole direitos humanos.