“Parece que esse é o país oficial do descarte” foi uma das mensagens que recebi quando perguntei, no Instagram, sobre a prática de remendar roupas aqui no Brasil. Eu estava procurando informações sobre gente que exercita e produz conteúdo sobre visible mending, ou remendos visíveis, uma filosofia de reparar roupas que possuem pequenos danos, como manchas ou rasgos, de maneira que o reparo não fique imperceptível nem a roupa como se fosse nova: a ideia é o remendo alterar e manipular a estética da roupa, trazendo atenção para a história da peça e resgatando a roupa do possível descarte.
Aqui no Brasil ainda é forte a cultura da roupa nova: ela denota poder aquisitivo, acesso a bens materiais, mas mais importante, capricho, limpeza e cuidado. Isso não se reserva às roupas – temos o costume de jogar fora o que está quebrado, imperfeito, danificado, ainda que siga cumprindo sua função. Olhamos com desdém para quem mantém consigo itens que demonstrem sinais do tempo e somos levados pela onda da obsolescência programada.
Num passado não tão longínquo, o estado impecável de roupas e outras posses era cultural – os ricos exibiam tecidos caros e pertences novos, para estabelecer sua superioridade social, e os pobres tentavam reproduzir, com itens mais acessíveis e muitas vezes herdados de outros membros da família, a mesma atenção para com estética: a roupa podia até não ser nova, mas estava limpa, não apresentava danos, representava o cuidado com a aparência e com a apresentação mesmo na falta de grana. Ao mesmo tempo, durante muitos séculos roupas foram um bem material escasso e caro, precisavam ser mantidas e cuidadas, e não eram consideradas descartáveis: é daí que vem o hábito de remendar, inclusive o de criar remendos visíveis e artísticos.
Na era atual de busca por meios de vida mais sustentáveis e resgate de práticas antigas de manutenção e conservação de bens diversos, os remendos visíveis pouco a pouco retomam seu lugar ao sol. Diferente do upcycling, que visa utilizar produtos e matéria prima já existente e transformá-los em algo inteiramente novo, o visible mending apenas resgata um item danificado do possível descarte, reparando o dano de maneira visível e recriando parte daquela roupa. Os remendos, além de darem um toque original às roupas, também contam a história daquela peça e de quem a usa.
No exterior uma das maiores praticantes do visible mending é Erin Lewis-Fitzgerald, autora do livro “Modern Mending” – algo como “Remendos Modernos” em português. Outro livro sobre o assunto é o Mending Matters, da Katrina Rodabaugh, que pode ser traduzido como “Remendar Importa”.
Aqui no Brasil ainda há poucas pessoas dedicadas inteiramente a remendar – normalmente são iniciativas de gente que faz upcycling, costura, bordados e, no meio disso tudo, surgem alguns trabalhos com remendos visíveis. Thaís Ribeiro, do Roupa Refeita, levanta bandeira do ativismo têxtil: preservar e cuidar de nossas roupas como arma de transformação do mercado de moda. Na página dela há trabalhos de upcycling, costura e, também, remendos visíveis. Kiko Deejay tem um trabalho de restauração e customização de calçados que mescla sustentabilidade e cultura street. A Pero Moda Criativa trabalha com upcycling, venda de roupas de segunda mão e, também, remendos visíveis. Mas enquanto na gringa mulheres estão investindo no visible mending como profissão e escrevendo livros sobre o assunto, por terras brasileiras ele ainda aparece ocasionalmente, em projetos específicos ou encomendas, e não é muito popular.
A ideia de remendar uma roupa ainda nos parece abrir mão de etiquetas estéticas que em maior ou menor nível garantem nosso aceitação social – a roupa nova, sem defeitos, é o cartão de visita do cidadão adequado. Ainda assim, é no remendar que está uma grande oposição ao sistema capitalista de moda que causa tantos danos ecológicos e tem tantos problemas com ética de trabalho e respeito básico aos trabalhadores: é no remendar que nossas peças de roupa sobrevivem, é no cuidar que evitamos consumo desnecessário, e no utilizar nossas roupas por muito tempo que contornamos a obsolescência programada da indústria de moda e aos poucos mostramos às corporações como queremos consumir e o valor que damos ao que compramos.