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7 de julho de 2016

Como eu entendi que havia sido estuprada mais de 10 anos depois

A cultura do estupro está tão impregnada na gente que sofremos violências sem nos dar conta e ainda achamos que a culpa é nossa.

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O Divã de hoje é anônimo. 

Foto: Sodanie Chea
Foto: Sodanie Chea

Conheci o meu ex-amigo, que chamarei de X, em uma cidade do interior. Saímos muitas vezes com outras pessoas, ele sempre me assediando. Naquela época, no entanto, eu considerava que eram elogios, embora muitas vezes tenha ficado sem graça com isso. Quando voltei para  São Paulo, começamos a sair, sempre com outras pessoas e como amigos, até que um dia meus pais foram viajar e ele veio almoçar comigo.

Acabamos exagerando na bebida e eu só lembro de flashes. Flashes dele em cima de mim.

Culpei-me por isso, afinal de contas, eu o convidei pra ir à minha casa e eu exagerei na bebida, então a culpa era minha, certo?

Depois disso, ele se casou (eu nem sabia que namorava), eu acabei casando também depois de alguns anos e não nos falamos mais. Anos se passaram e quando me divorciei, retomamos o contato e voltamos a sair, inclusive, de vez em quando eu dava uns beijinhos em um amigo dele.

Uma coisa que nunca mudou foi que X sempre me assediava. Comecei a ficar incomodada com os “elogios” dele pra mim, e fiquei mais p* da vida ainda quando um dia estava com esse amigo dele e, na hora de nos despedirmos, ele disse que estava louco pra me beijar e me agarrar. Como assim? Eu estava ficando com o amigo dele e escuto uma coisa dessas? Sem contar que sempre que saíamos ele comentava que nunca iria esquecer aquele domingo maravilhoso na minha casa e eu sempre respondia, sem graça, que não me lembrava.

Eis que, numa madrugada, ele começou a me mandar mensagens dizendo que não conseguia dormir, que mexo muito com ele e que ele estava com muito tesão. Falei que ele era casado, que devia respeitar a mulher dele, mas mesmo assim fiquei envergonhada, me sentindo mal. Ele continuou com essas mensagens durante três dias e eu comecei a mostrar que não estava gostando, até que ele se tocou e me pediu desculpa.

“Ok, está desculpado, mas não faça mais isso”, eu respondi.

E ele ficou muito, muito bravo mesmo!

Calma aí, eu sou obrigada a aturar falta de respeito? Comentários que me incomodam? Não sou!!! Eu não sou obrigada a nada!

Antes disso, achava que sim, era obrigada a aturar certas atitudes e comentários afinal de contas eu de alguma forma devo ter provocado isso.

Então comecei a me inteirar sobre esse assunto e foi aí que percebi que, naquele domingo em que bebi demais, na verdade, fui estuprada. Entendi isso quando li que se a mulher não quer, se está inconsciente, é estupro.

A cultura do estupro está tão impregnada na gente que sofremos violências sem nos dar conta e ainda achamos que a culpa é nossa, mas pelo menos o feminismo nos ajuda a nos conscientizar e mudar isso. Porque me preocupa muito o mundo que teremos, me preocupo com o futuro da minha filha.

Essas descobertas mudaram completamente a minha vida e a forma de encarar as coisas.

Alguns “amigos” saíram da minha vida a partir do momento em que dei um basta, parei de me sentir responsável pela falta de caráter dos outros. Aceitava certas atitudes para manter a amizade, mas se isso valesse de algo, ele me respeitaria pra manter a amizade também.

No começo do nosso afastamento, confesso que senti falta de sair e conversar com X, mas agora me sinto livre e leve. Aprendi a me respeitar, essa foi a melhor aprendizagem.

* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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