“Minha chegada à faculdade foi um turbilhão. Estava muito feliz por cursar a carreira que eu queria, Medicina Veterinária, mas as coisas rapidamente ficaram difíceis. Quase não conseguia fazer amigas e não entendia porque portas se fechavam para mim. O ano era 2009 e me aproximar das pessoas se tornou complicado — aos poucos fui me fechando.
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Numa festa de Carnaval da faculdade, em 2011, fui ao banheiro e vi uma moça da outra turma do meu curso muito bêbada e caída no chão. Não conseguia se levantar. Três caras estavam em volta dela “tentando ajudá-la”, e percebi que ela tentava se esquivar das mãos deles.
Entrei no meio e falei para eles saírem. Eles responderam que estavam com ela, mas me mantive firme: “Sai que eu ajudo” (morrendo de medo porque também estava sozinha naquele momento).
Eles, então, saíram e eu peguei no braço da moça para levantá-la. No entanto, em vez de um “obrigada”, ouvi: “Você não, você é puta, me solta”. Engoli o orgulho, mandei que ela calasse a boca e a levei até a ambulância para tomar glicose. Ainda fiquei uns minutos ali até avistar as amigas dela e chamá-las para ficarem com ela. A noite acabou ali para mim, e acredito que poderia ter terminado pior para ela se eu não tivesse entrado naquela hora.
Por coincidência, logo depois dessa festa, descobri o motivo da minha “fama de puta”. Achava que era porque eu não tinha problemas em ficar com quem eu quisesse, por falar de sexo numa boa, por ter amigos homens… sei lá. Mas não.
O grande “problema” aconteceu no primeiro ano da faculdade, na primeira semana da aula, no primeiro churrasco da turma. Eu beijei um cara e alguém inventou que eu havia feito sexo oral nele na cozinha.
Só fui saber disso por um outro cara que estava me paquerando, trocando mensagens, e que tocou no assunto. Perguntei para várias pessoas, que confirmaram. Alguns ainda perguntaram: “Mas você fez, não fez? Todo mundo sabe que fez”. Aquilo me deixou realmente mal — chorei muito.
Dói pensar que uma mentira tão ridícula tenha dificultado minha aproximação das pessoas e influenciado minhas atitudes até o fim do curso. Dói ver o valor que as pessoas deram a isso, a ponto de evitarem contato comigo.
Passei a entender algumas atitudes que principalmente as meninas tinham comigo.
Na época, lentamente, consegui colocar minhas ideias em ordem e perceber que, mesmo que fosse verdade o que diziam de mim, seria assunto meu. Ninguém tinha nada a ver com isso. Não era algo que me diminuísse como pessoa.
Foi aí que passei a dizer com orgulho que sou feminista.
Para me proteger, me fechei ainda mais. Conversava com todos da turma, mas só o básico, nada de amiga ou amigo mesmo. Terminei a faculdade em 2013 e hoje não tenho contato com ninguém. Só vejo alguns pelo Facebook, mas não sei mais nada.
Quanto à moça que ajudei naquele carnaval, ela passou a não responder quando eu a cumprimentava — não tive coragem de perguntar qualquer coisa depois. Ah, e os caras realmente não estavam com ela. Vasculhei o Facebook e vi que não eram amigos.
Foi meu último carnaval com festa. Aos poucos, fui desanimando. Passei a preferir ficar casa ou visitar meus pais. Eu gosto de carnaval, mas, de verdade, parei de curtir por causa da chatice que são os homens achando que você tem que beijar todo mundo. Já joguei cerveja na cara de um porque eu não conseguia me soltar dele, e tive que sair correndo!
Evito festas, mas não deveria ser assim. Tenho todo o direito de frequentar algum espaço e ser respeitada, de curtir de shortinho ou calça comprida, e não ser obrigada a beijar alguém porque “está no carnaval, então não é direita”.
É por isso que, infelizmente, enquanto eles não mudam, nós mulheres temos que nos ajudar e cuidar umas das outras em todas as situações. Inclusive nos protegendo quando ouvirmos alguém se referindo a uma outra menina como fizeram comigo na faculdade.”
Quem senta no divã de hoje é a Camila Fonseca.
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