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Sem identidade: falha na lei exclui pessoas não-bináries de retificação nos documentos

Legislação vigente fala de alteração para pessoas trans, mas só permite correção binária

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Brune Bonassi é a primeira pessoa não binária a conquistar, na Justiça, o direito de retificar sua certidão de nascimento no Ceará. Uma decisão histórica com a qual ela sonhava há nove anos. A notícia foi dada em maio de 2024 pelo Tribunal de Justiça do Estado. Apesar de comemorada, ela também traz a denúncia de uma luta que pessoas como Brune têm de travar para fazer algo simples: adequar seus documentos à sua identidade. 

Pessoas não binárias são aquelas que não se identificam, parcialmente ou completamente, com o sistema binário de gênero: homem e mulher. Isso quer dizer que são indivíduos que podem fluir entre vários gêneros, se identificar com dois gêneros ou mais, ou sentir que não tem gênero mesmo, que é o caso de Brune.

A primeira tentativa de fazer a correção foi em 2018. Foi quando saiu o provimento Nº 73 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que fala sobre a alteração de nome e gênero de pessoas trans direto no cartório. Na época, Brune pediu a correção,  mas não conseguiu fazer porque a mudança só poderia ser binária. De mulher para homem, por exemplo. Atualmente, a retificação para pessoas não binárias direto no cartório é permitida apenas na Bahia e no Distrito Federal. 

Dois anos depois da primeira tentativa, a indignação virou luta organizada. Junto com outras pessoas, Brune fundou a Articulação Brasileira Não-Binárie (Abranb) e levou o próprio caso, e outros similares, à Defensoria Pública do Estado. Foram dois anos de espera e de ataques indiretos. “Ela [defensora] ouviu todo tipo de absurdo para defender o caso”, conta Brune. Mas a mudança veio e abriu precedentes para pedidos similares. 

A descoberta 

O processo de descoberta da própria identidade levou um tempo. Desde bem cedo, Brune sofria com a sensação de que tinha algo diferente. Não conseguia se reconhecer no espelho, não gostava da própria imagem, e se incomodava muito com fotos.  No Ensino Médio, achou que aquela sensação de desconforto poderia estar na orientação sexual. Talvez, pensava, só não fosse hétero. Namorou pessoas de identidades de gênero diferentes, mas o incômodo persistia. 

Quando estava no mestrado, Brune começou a estudar a população trans. A aproximação do tema e das vivências trouxeram identificações inéditas até então. “Achei que eu fosse um homem trans”:  uma pessoa que foi designada como mulher, por causa do sexo biológico, mas que se identifica e se vê como homem. “Testei alguns nomes, raspei o cabelo”. Depois, começou a hormonização. 

Mas ao longo das mudanças, entendeu que não era isso ainda. As coisas só, de fato, se encaixaram quando Brune conheceu uma pessoa não binária. Até então, não sabia que essa identidade existia. “O nome não binário é recente, a gente consegue encontrar na literatura acadêmica em meados de 2011”, explica. Foi como encontrar um nome para a própria experiência.

Facilitar direitos

A advogada especializada em Direitos LGBTQIAP, Bruna Andrade, explica que os cartórios precisam de uma autorização clara e específica para fazer a retificação. Como não há, as pessoas não binárias são arrastadas para os processos judiciais. 

Quando os casos chegam para análise, é com base no Provimento 73, do CNJ, voltado às pessoas trans, que os juízes autorizam a retificação por meio judicial. 

Se a lei fosse corrigida para deixar clara a retificação de pessoas não binárias, não seria necessário mover a máquina pública. 

“O mais indicado é o Conselho Nacional de Justiça deixar, de forma clara, a possibilidade dessa alteração no próprio Provimento 73”, defende.  Na prática, a lei permitiria não só a mudança binária – de homem para mulher, por exemplo -, mas também para identidade não binária. Vale dizer que pessoas NB também são trans, por não se identificarem com o gênero, a partir do sexo biológico.  

Bruna defende que falar sobre a retificação para essas pessoas é urgente, porque fala de resgate de identidade. “São pessoas que esperam anos para recomeçar a vida.” Duas vezes por ano, a “Bicha da Justiça”, empresa que Bruna é CEO  e oferece consultoria jurídica, promove a campanha “Orgulho do Meu RG”. Um projeto para alterar o nome de pessoas trans, em vulnerabilidade social. Parte dos atendimentos acontece em junho de 2024. 

Leia mais: Direitos LGBTQIAPN+ sob ataque no Congresso Nacional 

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