Você acha que só deve transar se tiver vontade? Se sua vontade de transar sumisse, ficaria desconfiada de que algo em você está errado? Seu órgão sexual é a vagina? Se você respondeu sim a todas essas perguntas, precisa ler esta matéria! As descobertas da ciência estão derrubando por terra muitas das nossas ideias sobre o desejo e a sexualidade feminina. E isso é uma boa notícia! Sabe por quê? Porque tudo que sabemos sobre desejo foi baseado num padrão de excitação masculino, ou seja, toda a ciência do sexo, até recentemente, era machista.
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Com essa ideia na cabeça, não é de se admirar que, até a virada do milênio, acreditava-se que até 50% das mulheres sofriam algum tipo de distúrbio da libido, um verdadeiro surto epidêmico de frigidez. Agora, o jeito de pensar é outro. Segundo Laurie Mintz, professora de Psicologia da Sexualidade Humana na Universidade da Flórida, “falta de apetite sexual por si só não é mais critério de diagnóstico nenhum. Baixa libido não existe. Não é mais um problema médico”. Então, se você anda meio sem “tesão”, pode ficar tranquila, é muito provável que não haja nada errado com você!
Desejo ou excitação: o que vem primeiro?
Até cerca de duas décadas atrás, a vontade de transar era vista como uma coisa que vinha de dentro do “ser”, como nosso lado animal, uma pulsão incontrolável para satisfazer uma necessidade biológica. Ser capaz de sentir isso era um traço de personalidade, algo que você tinha ou não. Por isso, fazia sentido dizer que uma mulher era frígida e outra, total ninfo.
O senso comum é esse até hoje – e ele foi reforçado por estudos científicos das décadas de 60 e 70, publicados por nomes como os americanos William Masters e Virginia Johnson e a austríaca Helen Kaplan. “Masters e Johnson observaram casais transando em laboratório. Eram pessoas que estavam perfeitamente dispostas a fazer sexo e, por isso, a vontade de transar não foi nem considerada um fator relevante ao escreverem seu modelo de resposta sexual”, explica Ellen Laan, sexóloga e pesquisadora da Universidade de Amsterdã. “Quando Kaplan notou, em seu consultório, que o maior problema entre os casais era a diferença entre o desejo de um e outro e que elas geralmente tinham menos vontade que eles, a ideia inicial foi adaptada e o desejo foi colocado antes da excitação, num modelo linear.”
Era mais ou menos assim:
Como esses modelos focavam apenas em aspectos físicos da excitação, como ereção e lubrificação, nasceram as supostas patologias do desejo, que sempre afligiram muito mais as mulheres do que os homens. E o desejo, colocado em primeiro lugar na equação sexual, era entendido como uma espécie de combustão espontânea. “Sempre fiquei desconfortável com a ideia de que o desejo seria espontâneo, surgindo do nada, e de que os homens sentiam mais tesão que as mulheres”, confessa Laan. Esse desconforto ecoou na pesquisa da canadense Rosemary Basson, diretora do Programa de Medicina Sexual da Universidade de British Columbia, que publicou o primeiro artigo sobre o tema em 2000 e afirma que “o desejo é um evento responsivo, não espontâneo”.
“A resposta sexual, como o nome sugere, responde a alguma coisa, a estímulos ou sinais sexuais, estejam eles no ambiente ou simplesmente na cabeça de alguém. Memórias e fantasias, por exemplo, ativam a excitação e o desejo.” Basson propôs alguns modelos de resposta sexual, todos circulares, nos quais desejo e excitação são dois lados da mesma moeda e nosso físico e nosso psicológico se retroalimentam. Foi só aí que a vontade de transar deixou de ser tratada como uma característica pessoal e permanente e passou a ser vista como um estado momentâneo, que depende de estímulos, do quão sensível você é a eles, do seu nível de estresse, da satisfação que você obtém no seu relacionamento, etc. Ou seja, tudo bem não estar babando pela calcinha quando um cara chega, do nada, querendo dar uma aqui e agora.
Casada há seis anos e mãe da Agatha, de quatro, a paulistana Gabriela Amaral experimenta isso na prática. Ela conta que já ficou sem ter vontade por causa do estresse gerado por problemas na família e no trabalho. Quando ela não está com tanto fogo na pepeca, diz: “O desejo tem que ser trabalhado o dia todo, não só na hora que o marido quer. Conta ele me ajudar em casa, colocar a baixinha pra dormir, fazer brincadeiras e me deixar de bom humor. Se estou me sentindo bem, uma coisa leva à outra e as partes começam a pulsar”.
Transar sem vontade aparente
Essa mudança de perspectiva sobre o desejo feminino teve um efeito poderoso: o de nos mostrar que somos normais. Foi aí que o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, o DSM, enxugou as páginas sobre patologias da libido. Psicólogas como Laurie Mintz, que atendem diariamente mulheres preocupadas com a suposta falta de tesão, passaram a recomendar que suas pacientes procurem sexo mesmo sem vontade. “Elas ficam esperando o desejo vir, geralmente na expectativa de sentir aquele calor ou pulsação nos genitais, mas muitas vezes ele não vem. É que o modelo sexual da mulher não é linear como a gente aprendeu. Devemos reverter a equação: em vez de ficarmos excitadas para transar, transar para ficarmos excitadas”, diz ela. Laan vai mais longe: “ Será que a gente precisa de desejo para transar?”.
Vale frisar que, quando Mintz fala em sexo, ela se refere ao significado amplo do termo, que inclui brincadeiras e sedução, coisas que acontecem com mais frequência no começo dos relacionamentos, nos levando a achar que o sexo simplesmente acontece. O problema é que essas coisas são deixadas de lado quando a relação se estabiliza. “É importante adicionar que, na fase inicial, é provável que o parceiro em potencial dê mais atenção à mulher, confirmando que ela é sexualmente atraente, o que aumenta sua autoestima sexual e consequentemente a libido”, completa Basson.
Peraí! A ciência está pregando que voltemos à Idade Média e passemos a transar por obrigação, pra satisfazer o maridinho?! Nada disso! Laurie Mintz explica que a diferença entre uma coisa e outra é enorme. No sexo por obrigação, a mulher faz coisas que não quer, sem sentir prazer, apenas para agradar um parceiro. O que ela prega é começar a transar para descobrir a vontade, se abrindo ao prazer e chegando ao orgasmo. Se em qualquer momento do processo a mulher descobrir que não está afim e pronto, fim de papo.
A mineira Eliza Maria Dias Santos, casada há 26 anos e mãe duas vezes, sabe muito bem que as coisas não acontecem do nada. “Estou com 55 anos e meu marido fez 70. O sexo acontece por uma soma de coisas. É consequência do nosso dia a dia juntos. Preciso sempre de um toque, sentir o cheiro dele, a voz carinhosa. Se me sinto amada e protegida, o desejo vem de um jeito que parece até espontâneo, mas foi causado por todas essas pequenas coisas. São sinais que um dá para o outro. Às vezes, mesmo sem aquele calor, deixo a brincadeira me levar. É sempre bom!”, conta, satisfeita. Talvez os diagnósticos devessem recair não sobre o desejo, mas sobre a qualidade dos estímulos…
Homens são máquinas de sexo?
Ok. As descobertas da ciência da última década libertaram as mulheres de estigmas sexuais como a frigidez. Mas aquela ideia IR-RI-TAN-TE de que os homens gostam mais de sexo do que nós continuou. Então vontade de transar seria automática para eles? A resposta é não.
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O desejo masculino de fato parece espontâneo e existem algumas explicações para isso. Uma delas é a ereção matinal. “Isso acontece durante o sono REM (Rapid Eye Movement – Movimento Rápido de Olhos) e não sabemos exatamente o porquê. Mas temos hipóteses. Como os vasos sanguíneos são importantes para o endurecimento do pênis e, logo, para a procriação, acreditamos que a ereção é apenas um bom jeito de oxigenar esses vasos, evitar obstruções e manter o órgão em boa forma. As mulheres também acordam lubrificadas e pelo mesmo motivo, mas não percebem. Já reparou como, ao urinar e limpar-se pela manhã, o papel higiênico desliza mais?”, nota Ellen Laan, sexóloga e pesquisadora da Universidade de Amsterdã. Segundo ela, como parece que o pênis ficou duro sozinho, os homens pensam que a ereção é espontânea. “Mas você acha mesmo que, se fosse assim, existira o Viagra e uma indústria do sexo bilionária? Isso é um mito”, afirma. E, apesar de falso, foi um parâmetro usado para regular não só a libido masculina como a feminina…
O design do pênis, mais exposto que a vagina e o clitóris, é, no fundo, uma das poucas diferenças relevantes entre homem e mulher. “Desde a infância, meninos fazem xixi de pé e tocam o pênis, tomando consciência de sua sensibilidade. É óbvio para eles quando acontece algo ‘diferente’ ali. Para as meninas, é mais difícil fazer a mesma descoberta, porque boa parte da genitália feminina é interna”, diz Laan. Isso também significa que as partes íntimas da mulher “sofrem menos estímulos inesperados do ambiente do que as dos homens, como quando a calça roça no pênis e provoca uma ereção”, completa Rosemary Basson, diretora do Programa de Medicina Sexual da Universidade de British Columbia.
Além disso, é possível que as mulheres sejam menos sensíveis a variações nas partes íntimas. Basson fez experimentos em que mulheres eram convidadas a verem filmes pornô e, mesmo que suas vaginas estivessem mais vascularizadas logo após a exibição, tanto mulheres sexualmente funcionais como as ‘disfuncionais’ nem sempre se consideravam excitadas por conta disso. É que a reação física nem sempre vem acompanhada de uma excitação emocional e subjetiva, sem a qual a vontade de transar não se materializa. Em outras palavras, não dá para reduzir o desejo a calor e vasodilatação, principalmente porque, para muitas mulheres, a consciência do desejo não é algo tão claro.
Basson explica ainda que “o canal vaginal não tem as terminações nervosas necessárias para a captação de mudanças sutis, como lubrificação e aumento da circulação. Mulheres vivem usando absorvente interno e esquecem dele após colocá-lo. Pensando em termos de evolução, se a vagina fosse intensamente sensível, ter um bebê seria doloroso demais e, dada a escolha, ninguém teria mais que um!”. Mas, ei, não fique triste! “A vagina não é seu órgão sexual. O clitóris é!”, crava Laan, que critica as teorias de sexualidade tradicionais, muito mais focadas em reprodução que na satisfação derivada do sexo. Para ela, é até bom que os dois órgãos não coincidam, porque assim “nosso centro de prazer continua intacto após o trabalho de parto”.
Ou seja, a natureza é sábia, meu bem. A insensatez está em tentar forçar nossos corpos a serem o que convém aos homens.