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Conflitos de terra e ataques de bolsonaristas: a violência política de gênero no Centro-Oeste

Presidenciáveis são atacadas nas redes sociais. Candidatas ao legislativo também sofrem com machismo e racismo nas ruas

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Atenção: A reportagem abaixo mostra trechos explícitos de conteúdo misógino e racista. Optamos por não censurá-los, porque achamos importante exemplificar como o debate é violento na internet, como a violência política contra mulheres se espalha pelas redes e é sexista em suas formas, como podemos identificá-la e quais termos são frequentemente direcionados às candidatas ofendidas.

Pela primeira vez desde a redemocratização do país, a região Centro-Oeste teve dois nomes na disputa à presidência da República. Mais do que isso, foram mulheres: Simone Tebet (MDB-MS) e Soraya Thronicke (União Brasil-MS). E, se a projeção nacional as fez enfrentar uma série de ataques nas redes sociais desde o início da campanha, do outro lado, candidaturas a cargos regionais, principalmente de grupos minorizados, se depararam com agressões diretas nas ruas e até ameaças de morte. A violência política de gênero no Centro-Oeste, região do agronegócio, não tem viés ideológico único: atinge candidatas de esquerda, centro e direita, estende-se às eleitoras, influenciada pelo que dizem o presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus apoiadores.

Segundo dados do MonitorA 2022, projeto da Revista AzMina em parceria com InternetLab e Núcleo Jornalismo, Tebet e Thronicke respondem por 90% de todas as interações registradas em quatro semanas de monitoramento, grande parte com mensagens ofensivas. O projeto acompanhou 32 candidatas na região. Além da reprodução de discursos de Bolsonaro e seus apoiadores, a despersonalização é uma característica frequente nas mensagens, que tentam associar as duas candidatas.

Em muitos momentos, Simone e Soraya viram uma única personagem – ora de propósito, ora porque sendo confundidas. Os ataques na internet também atrelam as presidenciáveis sul-mato-grossenses à figura de uma dupla sertaneja. Essa estratégia ofensiva não se repete quando falamos dos candidatos do sexo masculino. Mesmo os aliados são tratados de forma individual.

Ataques direcionados às candidatas à presidência Simone Tebet e Soraya Thronicke

Ódio bolsonarista

Em 2018, 66,5% do eleitorado do Centro-Oeste votou em Jair Bolsonaro – a segunda região com melhor desempenho do então candidato. No primeiro turno de 2022, essa tendência se repetiu, sendo o atual presidente líder em votos na região. Em Mato Grosso, o Nortão, região que reúne vários municípios ligados ao agronegócio no estado, é um conhecido reduto bolsonarista.

Em Sinop, a 500 km de Cuiabá, 77,38% dos moradores elegeram o presidente nas últimas eleições. É a cidade onde vive a Professora Graciele (PT), vereadora e candidata não eleita a deputada estadual. Mulher negra, ela foi alvo de ataques frequentes nas redes sociais por seu posicionamento ideológico e defesa dos direitos de mulheres, e acusada de “vitimismo” quando a imprensa regional denunciou as agressões sofridas. 

Em 18 meses de mandato como vereadora, Graciele já registrou três boletins de ocorrência. A violência política de gênero não é exclusividade no período eleitoral: em 2021, ela foi alvo de ataques após expor se posicionar contra Bolsonaro por meio de outdoors na cidade, caso que teve repercussão nacional.

Para Gabrielle Alves, cientista política e pesquisadora na Plataforma CIPÓ, a violência é mais intensa contra grupos minoritários, como negras e indígenas. Segundo ela, há vários tipos de violência política de gênero e os componentes de sexualidade, classe, etnia, raça e território, aparecem quando essas mulheres sofrem ofensas. O ambiente mais comum para esses episódios é a internet, onde há sensação de impunidade, explica.

Eliane Xunakalo (PT-MT), candidata a deputada estadual não eleita no estado, é representante do povo Kurâ Bakairi, bacharel em Direito e integra o movimento nacional por mais representatividade indígena na política, liderado pela Associação de Povos Indígenas do Brasil (Apib). Ela também viu a violência extrapolar as redes sociais durante a sua candidatura. “As pessoas veem o adesivo do partido e já questionam diretamente para quê uma índia quer estar na eleição. Me chamam de  ‘índia do PT’. E tenho certeza que só fazem isso comigo por eu ser mulher”, conta. 

Segundo ela, no estado que nunca foi governado por uma mulher, machismo e bolsonarismo se unem. “A gente vê as estatísticas de violência contra mulheres por aqui. Quem comete ato de violência política comigo são brancos, que vem do sul e se acham donos dessa terra. A gente precisa lembrar para essas pessoas que eles não mandam aqui. Nós somos a maioria e precisamos votar por aqui. Os vulneráveis se sentem pequenos perto dos colonizadores, mas nós não  somos pequenos, somos muito”, diz. 

Ataques direcionados à vereadora Professora Gaaciele, candidata a deputada pelo PT em Mato Grosso

As ligações entre o agronegócio e o bolsonarismo também aumentam a tensão na região para as minorias. O setor é líder em conflitos nas terras indígenas. Grande parte dos assassinatos recentes de indígenas no Centro-Oeste envolveu disputas por territórios cercados pelo agro. Um caso emblemático é o das 17 mortes de Guarani Kaiowá em Amambai (MS) registradas nos últimos 20 anos, conforme dados do Conselho Indigenista Missionário (CIMI).

As candidatas indígenas também acabam como alvos. Eliane Xunakalo (PT-MT) foi diretora da Federação dos Povos Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt),  que encabeça a luta pelos territórios indígenas no estado. Lá, a segunda maior população indígena do país vive em grandes áreas demarcadas, como a Terra Indígena do Xingu, a Terra Indígena Cinta Larga e o mosaico de territórios do povo Xavante. 

Ela afirma que a grande maioria da violência cometida contra ela veio de pessoas de regiões do agronegócio. No extremo norte do estado, onde a fronteira avança contra a floresta, a situação piora. “Em Confresa (1200 km da capital) tive que tirar os adesivos do partido do carro. Muitas pessoas falaram que eu corria risco de morte ali se falasse do Lula.“  A cidade foi palco de um dos casos mais brutais das eleições de 2022. Durante o feriado de 7 de setembro, Rafael Silva de Oliveira (24) assassinou Benedito Cardoso dos Santos (42) depois de uma discussão política. O inquérito policial apontou que  Rafael, apoiador de Jair Bolsonaro, assassinou Benedito, que apoiava Lula, com facadas e uma machadada.

Leia mais: Mulheres negras e indígenas resistem à violência política no estado mais branco do Brasil

Mesmo quando estão em partidos de direita, as mulheres que participam da vida política na confirmam a tensão. Rosana Martinelli (PL-MT) foi a primeira prefeita da história de Sinop, maior produtora de grãos do país, a 700 km da capital mato-grossense. Ela é suplente de Wellington Fagundes, recém eleito para o Senado Federal pelo partido de Jair Bolsonaro (PL), e conta que durante a sua gestão na prefeitura, precisou se posicionar várias vezes contra a violência política de gênero. As práticas de manterrupting e o mansplaining  – quando é questionado e tirado o direito de fala de uma mulher – eram cotidianas. 

“Ainda precisamos provar que somos capazes e sermos respeitadas. E pra mulher tudo passa por uma dupla dificuldade. Além do embate político, que é desgastante, nós temos muitas funções como mulher e mãe e, em muitos casos, esposa. O teu trabalho quando você volta tem outro pacote te esperando. Para nós a renúncia e a cobrança na vida política são muito maiores”, afirma Martinelli, ressaltando a falta de apoio.

Candidatura laranja

A falta de apoio citada por Rosana pode ser uma das causas de 20 estados brasileiros, incluindo Mato Grosso, nunca terem sido governados por mulheres. Em toda a região Centro-Oeste, apenas o Distrito Federal foi governado por uma mulher: Maria de Lourdes Abadia, vice de Joaquim Roriz, governou o Distrito Federal de março de 2006 a janeiro de 2007.

A falta de acesso aos instrumentos que possibilitam a efetiva eleição de uma candidata mulher, como os recursos financeiros, também são uma forma  de violência. É o que se concretiza com o uso de mulheres em candidaturas laranjas. A prática é configurada por chapas que usam mulheres apenas para cobrir a cota de 30% exigida pela lei, mas sem verba e apoio político real. Uma das principais características das candidaturas femininas “laranjas” é a votação zero nas urnas – ou seja, não receberam nem o próprio voto. Segundo o Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso, no pleito de 2016, onde existem decisões julgadas, houve 266 candidatos com registro deferido e votação zero. Desse total, apenas 17 são do sexo masculino, contra 249 do sexo feminino. 

A prática levou à primeira cassação de uma chapa inteira pelo uso de mulheres como laranjas em Diamantino, a 181 quilômetros da capital, outra cidade do agronegócio. A justiça cassou os diplomas da chapa “Todos por Diamantino II”,  encabeçada pelo vereador Edson da Silva (PSD), com mais de 16 suplentes. A decisão unânime, proferida em 15 de setembro de 2022, foi classificada pelo TRE-MT como  “histórica e com grande potencial pedagógico”. 

“A mulher não pode ser usada, ainda mais para preencher a cota (partidária). Aqui em Mato Grosso já tem mulheres aptas para administrarem o estado. O que falta é oportunidade”, diz Rosana.

O MonitorA é um observatório de violência política online contra candidatas(os) a cargos eletivos. O projeto é uma parceria entre a AzMina, o InternetLab e o Núcleo Jornalismo. 

O MonitorA conta ainda com a parceria de veículos regionais que produzem reportagens sobre violência política com o recorte de seus territórios. Esta matéria, sobre o cenário da região Centro Oeste, foi produzida pela Equipe A Lente. Participam do MonitorA ainda Agência Tatu (AL), data_labe (RJ), Portal Catarinas (SC) e Abaré Jornalismo (AM).

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