
Eu nunca fui de fazer listas de resoluções. Ao contrário, sempre achei que a vida se beneficia com as aleatoriedades. Aquela coisa de “mistério do planeta”, sabe? A “lei natural dos encontros” e tudo mais. Ainda assim, teve um ano em que publiquei uma lista num blog que eu tinha. Ah, os anos 2000…
Talvez ela ainda esteja por aí, armazenada numa nuvem qualquer da web; não sei. Os rastros digitais que a gente tenta apagar, mas que cedo ou tarde reaparecem; seja para causar nostalgia, seja para matar de vergonha. Se a lista te despertou a curiosidade, eu conto o que tinha nela: OBVIAMENTE EMAGRECER.
Puxando pela memória, acho que essa meta estava assim mesmo: em caixa alta, sublinhada e com o advérbio de modo acoplado. Eu era muito inspirada por Bridget Jones naquela época (não recomendo). Porque né…! O que mais uma mulher gorda poderia querer para si mesma do que diminuir a silhueta, custasse o que fosse?
Por muito tempo, entendi que emagrecer era o caminho para a felicidade. Que tudo na minha vida iria melhorar se eu perdesse peso. “Perdesse, não, ELIMINASSE, porque quem perde, acha! Hahahahah”, só para citar uma das tantas piadinhas que, aos poucos, vão incutindo a cultura da dieta e esse pensamento doentio dentro da gente.
Meu objetivo era desfilar por aí com meu “antes e depois”, um exemplo de “sucesso”, de “força de vontade”, de “determinação”. Uma “inspiração” para tantas de que era possível “chegar lá”. Lá onde mesmo? Quanta bobagem.
Blog de dieta
O pior é que não parou por aí. Depois da lista de resolução, meu finado blog se tornou um blog de dieta, em que eu publicava, diariamente, tudo aquilo que eu comia. Sim, eu fiz isso.
Tornar público o absurdo de viver à base de bolacha água e sal, brócolis e café sem açúcar validava meu emagrecimento diante das pessoas, que acompanhavam afoitas meu processo. Essa dinâmica pública de vigilância também é outro elemento da cultura da dieta, e permite a punição aos que não se curvam a ela.
Com o andar das semanas, eu passei a roubar no jogo. Se eu comia algo que estivesse fora do que, na minha cabeça, representasse o saudável, eu simplesmente não colocava no blog. Se eu não perdesse peso ou engordasse, pelo menos não estava escrito ali que eu havia cometido aquele pecado. Faz sentido? Nenhum.
Mais algumas semanas e eu abandonei o blog. Frustrada, fazia daquilo uma metáfora da minha vida: um fracasso retumbante – apesar de todo o resto de coisas incríveis que me aconteciam. “Se eu não era magra, de que adiantava?”, pensava.
Foram anos até me dar conta do que eu estava fazendo comigo mesma e do quanto isso alimentava – sem trocadilhos – a frustração de tantas outras pessoas. Eu nunca quis ser fitness, esse termo que a gente já sabe que não tem nada a ver com saúde. Mas quis ser validada existencialmente… a partir daquilo que eu entendia como valor na sociedade: o corpo magro.
Se ser magra nos anos 2000 era uma meta que eu registrava na web, 2022 sem gordofobia é um sonho que eu projeto aqui hoje. Ainda tá um pouco distante, considerando que tem bonita, que se diz do movimento, fazendo post de “antes e depois”.
Emagrecer nunca foi o problema, associar isso à única forma possível de plenitude e felicidade, é. Se “2022 sem gordofobia” ainda é um sonho, desejo que mais pessoas possam, ao menos, ter esse despertar.