Nesses primeiros dias do novo governo, a atual gestão não só mostrou a que veio, como também cumpriu com as promessas de campanha sobre a retirada de direitos conquistados. Com isso, enfrentaremos posteriormente a dificuldade de reconquistá-los.
Dentro de um cenário de dificuldade extrema de diálogo entre partes políticas tão distintas e a vontade de imposição de uma espécie de monocultura de pensamento, nos perguntamos quais são as reais perspectivas de resistência para a nossa sociedade.
Em 2016, já em climas de discussão política inflamada, tive uma discussão no Facebook com um antigo colega do colegial, e a coisa não foi nada bonita para nenhum dos dois lados. Na época já estava me cansando da rede social e pensando há um tempo em sair dela, mas existe a idéia de que se você não tem um Facebook você não consegue trabalho. Acabei saindo, e mantive apenas a página profissional na rede. Por que te conto isso?
Sempre fui um ser político. Em 2001 já corria da Polícia de Alckmin em uma época que não se filmava com celulares. As redes sociais me deixaram uma militante preguiçosa. A capacidade agregadora das redes sociais pode facilmente surgir como uma almofada confortável em tempos de crise.
Sair da bolha
Em 2017, quando já fazia um tempo que eu estava fora da rede, minha percepção social era um pouco diferente dos meus amigos, pois eu já estava fora da minha bolha fazia um tempo.
Eu dizia que desenhado o cenário como havia sido desenhado, tínhamos grandes chances de sermos governados pelo atual presidente. Todos, sem excessão, disseram que era impossível e alguns disseram até que eu estava maluca. É impressionante a quantidade de interações sociais que evitamos enquanto usamos redes sociais.
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Outra coisa que muda drasticamente é a percepção de opinião pública no que toca ao quantitativo, como por exemplo, imaginar que boa parte das pessoas não tem pudor nenhum em votar em alguém misógino, racista e extremamente transfóbico.
Não quero apontar que todas deveríamos sair do Facebook para termos uma percepção real do que está acontecendo, mas que devemos sim atualizar nossas percepções e aprender a separar a percepção real da percepção da bolha.
Novos caminhos para discutir política
Precisamos discutir política novamente olho no olho. Tirando um pouco os mesmos olhos da tela preta você encontra algo que temos perdido: o senso de comunidade. Sair das redes não será a solução para esse problema de comunicação, afinal eles as transformaram na sua principal arma de desinformação, e temos que estar atentas e fortes para entender com o que estamos lidando, pois as redes se mostraram muito mais eficazes para propagar notícias falsas do que qualquer tipo de verdade.
Sabemos que a tela preta protege agressores de todo tipo de liberdade, mas precisamos saber que ela também protege a militância que não quer militar na rua. A questão é que já passou da hora de militarmos na rua. Não falo de caminhadas imensas sem nenhum embate de idéias e bombas voando em direção dos militantes, apesar de também ser necessário, não é só isso.
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Me refiro a contestar, argumentar, propagar idéias através de uma conversa pessoal, como se fazia no passado. Ainda não inventaram ferramenta melhor pra se fazer entender do que nossos corpos. Em uma conversa pessoal as notícias falsas não emergem com tanta facilidade, e o poder de argumentação é sempre maior que a truculência.
Somente observando quem foge covardemente de debates entendemos o ponto fraco de um governo unilateral. Pois se eles fogem do debate, que levemos o debate até eles.
Combatendo as fake news
Em um governo eleito por notícias falsas, não devemos esperar menos do que esse tipo de tática sendo utilizada para realizarem seus próximos passos. Teremos que ser resilientes e ter muita paciência para saber conversar com as pessoas desinformadas que tomam essas notícias como verdades. Se nos colocarmos em qualquer tipo de pedestal da
sabedoria a chance é que continuemos falando apenas para nossas bolhas, e precisamos acabar com essas barreiras.
Fora da internet as pessoas votam nele. O que você pode fazer para mudar isso? Foi declarada, na minha opinião, outra era de ação direta.
Teremos que ser mais comunitários, ouvir mais os outros e colocar a mão na massa de verdade.
Teremos que reaprender sobre o próximo e nos reentendermos enquanto organismo social, se quisermos alguma perspectiva de sair desse limbo, ou podemos continuar atendendo aos anseios capitalistas do Eu, do Meu, e continuar esquecendo do próximo. Tem se mostrado uma bela saída não é mesmo?
*Malka é DJ, musicista, compositora e produtora musical