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Desde que o governo federal anunciou a intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro, há um mês, as incursões do 41º Batalhão da Polícia Militar, considerado o mais letal do estado, tornaram-se mais constantes e violentas, segundo ativistas e moradores de Acari, na região norte do Rio. As mesmas vozes contam que quem ousa denunciar a truculência dos policiais passa a sofrer ameaças.
Uma das pessoas que denunciaram a violência da PM em Acari foi a vereadora Marielle Franco (Psol-RJ), assassinada a tiros nesta quarta-feira (14/3), no Estácio, região central. “Precisamos gritar para que todos saibam o está acontecendo em Acari nesse momento. O 41° Batalhão da Polícia Militar do Rio de Janeiro está aterrorizando e violentando moradores de Acari”, escreveu a vereadora em postagem no último domingo.
No dia seguinte, um domingo, a Ponte esteve na comunidade, localizada a 25 quilômetros do centro da capital. A viagem de metrô com uma baldeação dura mais de uma hora. Ao chegar, uma passarela de pedestres está bloqueada. Bem embaixo, um carro das Forças Armadas e quatro oficiais fazem guarda. No último domingo (11/3), a famosa feira de Acari acontecia. Um dia típico de verão, e o calor de 36 graus, abafado, era o prenúncio da chuva que cairia à tarde. Tudo em uma aparente normalidade. No sábado, porém, os moradores viveram momentos de terror que, segundo eles, antes eram exceção e agora têm virado regra.
A comunidade foi despertada por volta das 6h com muitos tiros e a chegada de três caveirões, veículos blindados usados pela PM em incursões nas favelas. “Era muito tiro, muito tiro mesmo. Eles estavam quebrando portões, entrando em casas sem mandado, fotografaram moradores e identidades, em alguns lugares quebraram móveis. Eles andavam pelas ruas da comunidade, e isso eu posso falar com propriedade porque aconteceu na minha rua, gritando que só iriam embora quando matassem três, quatro, por aí”, relata Buba Aguiar, moradora e integrante do coletivo Fala Akari.
Para Buba, depois do anúncio da intervenção, a sensação é que as operações da PM aumentaram em número e violência. “Os policiais estão se sentindo muito mais à vontade. Sempre se sentiram, mas agora estão muito mais para fazer o que estão fazendo. É sábado, domingo, não tem dia nem hora”, desabafa.
O ato de fotografar rosto e identidades de moradores com o celular foi vista no fim de fevereiro, em operação dos militares na Vila Kennedy, Vila Aliança e Coreia. Quem coordenou a operação foi o Comando Militar do Leste, justamente de onde veio o interventor General Walter Braga de Souza Netto, que, com a intervenção, passou a comandar a pasta da segurança pública do estado carioca.
“A gente não aguenta mais a atuação desse batalhão [41º BPM, de Irajá, que atua na região]. A situação de Acari está insuportável, mas a gente fica com um questionamento que é o seguinte: a gente vai pedir o fim desse batalhão? Se os policiais vão ser redistribuídos e vão acabar com a vida das pessoas em outros locais?”, pondera.
De acordo com o aplicativo Fogo Cruzado, que mapeia tiroteios no RJ de forma colaborativa, em 7 dias, foram registrados 5 tiroteios em Acari. Eram desse batalhão os 4 policiais militares acusados de participar da chacina em Costa Barros, quando mais de 100 tiros foram disparados e 5 jovens foram mortos. E eram do mesmo 41º os participantes de uma operação da PM que resultou na morte da estudante Maria Eduarda Alves da Conceição, de 13 anos, dentro da escola, em março do ano passado.
Amedrontados, moradores desabafam apenas com a condição de anonimato. Muitos relatam que têm vivido sobressaltados e, a qualquer barulho de caminhão, já imaginam que é o caveirão chegando. “A gente não sabe o que vai acontecer daqui meia hora. Sinto que aumentaram, sim [as incursões da PM após o anúncio da intervenção federal]. Quase todos os dias acontece e são horários que tem criança indo pra escola, pra creche, trabalhador saindo para trabalhar. A gente não tem mais expectativa de vida”, desabafa um morador.
À Ponte, Buba Aguiar relatou que, na semana anterior, havia sido ameaçada por dois policiais militares enquanto bebia num bar em Vista Alegre, também na zona norte. Segundo ela, o PM que estava no banco do carona a chamou pelo nome, perguntou o que ela fazia ali e disse: “Toma cuidado, hem, porque Vista Alegre é bem perigoso, às vezes saem uns tiroteios aqui”.
“Isso é uma ameaça?”, perguntou Buba, segundo o seu relato.
“Não, imagina, só estou te avisando porque a pista tá salgada, como vocês dizem”, teria respondido o policial.
Jovens mortos
Muito próximo de uma das entradas da comunidade, um grupo de fiéis saía da missa. No muro amarelo, em letras vermelhas, o nome da igreja: Nossa Senhora de Nazaré e Santos Martires Ugandenses. Conta a história do catolicismo, que no final do século XIX, 45 homens negros foram mortos pelo rei Mwanga II por serem cristãos. As mortes aconteceram com requintes de crueldade, tendo alguns deles sido queimados vivos.
Quase que como uma macabra analogia, não muito longe da igreja que presta homenagem aos santos africanos, na segunda-feira da semana anterior (5/3), dois moradores da comunidade foram mortos, segundo testemunhas, por policiais do 41º Batalhão.
“Reginaldo e Eduardo, jovens, negros, lindos e cheio de vidas. Um deles muito amigo meu e com quem eu tinha passado parte da tarde do domingo. Eles estavam saindo para trabalhar. Os corpos foram deixados perto do rio Acari”, relata, sem conter as lágrimas, Buba. “Não é guerra às drogas. É guerra aos negros pobres. Negros e pobres. Porque o negro não é pobre pelo fato de simplesmente ser pobre. Ele é pobre pelo fato de ser negro”, pontua.
De acordo com os dados mais recentes do ISP (Instituto da Segurança Pública), de 2016, os 463 mortos em decorrência de intervenção policial têm majoritariamente esse perfil: 96,54% são homens, 62,2% têm entre 17 e 24 anos e 75% são negros ou pardos.
Outro lado
A Ponte procurou, por e-mail, a Polícia Militar do Rio de Janeiro para comentar a atuação do 41º Batalhão da PM, mas até o momento não se pronunciou.
Colaborou Alan Lima