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“Você quer que eu aborte o abortivo” e outros poemas feministas

Hoje o Clube das Escritoras é uma dose de rebeldia e outra de poesia, tudo da multiartista Júlia Bê

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14.06.2015

Você quer que eu aborte o abortivo

Se é assim, me dê motivo

Pro abortivo eu abortar

Abortar faz parte do cognitivo

Permitido ou proibido

Só muda quem vai operar

Porque hoje

Doutor bom vira bandido

Quando ajuda o coletivo

Ajudando a coletar

Não sou contra

Nem por isso incentivo

Só apoio o decidido

Pelo corpo que tá lá

Já nascido

Porque não me faz sentido

Se a galinha veio antes

Do que o ovo mexido

A cloaca é só dela

Ela diz se vai botar

21.10.2013

O mundo arde, meu filho, o mundo espeta

O mundo dói, meu lindo, o mundo aperta

O mundo se enfia em ti, o mundo faz careta

O mundo queima e gela, o mundo te desinquieta

Eis que o mundo dá, neném, uma volta completa

E a gente vê que o mundo é o diabo dum poeta

28.05.2014

De vaca, piranha, vadia, vagabunda

É do que eles me chamam se eu mostro a minha bunda

Mas a bunda é minha, eu mostro se eu quiser

Não é um zé, nem um alfredo, nem um gustavo, nem um pedro

Que vão me dizer o que eu tenho que fazer

Não é culpa, nem vergonha, nem receio, nem é medo

Que vão me prender

Não nasci pra te entreter

Eu não vou ficar em casa pensando em violência

Tento então com jeitinho discutir com paciência

Sobre esse mundo covarde, tão bruto, tão machista

Tão sacana, tão banana, tão babaca, tão turista

Pois amanhã de manhã se eu tenho que trabalhar

Vou ter que agüentar

Num calor de matar não poder usar

Roupa curta? Nem pensar

Que vão querer no camin

Passar a mão em mim

Sem perguntar com jeitin

Se eu tô a fim

Me sinto exposta feito carne no mercado

Se a gente gosta? Não foi perguntado

Passou, assoviou, xingou, comeu

E cê acredita? Era amigo meu!

É desse mundo, irmã, que eu tô falando

Se você é mina, cê sabe o que tá pegando

Pegação é legal se a gente quer

Mas se eu disse “não”, é porque é “não” mesmo, mané

E “não” é “não”, vou ter que desenhar? Não, né?

A gente não quer só comida, diversão, balé

A gente quer ser comida só quando a gente quiser

06.12.2012

quem não tem por ela

desejo e cobiça?

cansaço e preguiça?

medo que enguiça?

quem não grita “issa!”

descendo a pista?

pedal ou ciclista

quem não ama a ciça?

biciaquarela

cicleta magrela

tá sempre disposta

a fugir da puliça

2012

Vou por o pé na estrada

Largar teu pé de cana

Já que meu pé de atleta

Me alerta e desengana

Os meus pés de galinha

Pisam teu pé na cova

Isso não vai dar pé

Vou dar no pé, te toca

Juntei meu pé de meia

De pato e de coelho

Cansei de ir num pé

Para voltar no meio

Nunca fui pé no chão

Mas com o pé esquerdo

Posso acordar mais não

Vê se me dá sossego

Era de manhã cedo

Cheguei ao pé da cama

Falei ao pé do ouvido:

Tuaindamiama?

Só me dá teu pé frio

Dança com pé de chumbo

Mete o pé pelas mãos

Me nega de pé junto

Nem chega aos meus pés

Eu sempre quis no fundo

Tirar o pé da lama

Botar o pé no mundo

Tu leva ao pé da letra

Esse meu chilique

Tu tem o pé atrás

Nem bate o pé que eu fique

Me disse: vai num pé

E não volta no outro

Melhor um pé na bunda

Do que um ninho morto

Não sou mais pé de breque

Botei o pé na tábua

Levei pé de moleque

Para comer na estrada

Montei no pé de pano

Comi fruta do pé

No forró pé de serra

Me deu bolha no pé

Meti o pé na jaca

Tomei vários pés-dágua

Entrei em casa alheia

Usando pé de cabra

Voei num pé de vento

Até que vi que tenho

Todos os pés na África

Ou um pé pelo menos

Tô em pé de igualdade

Com essa nossa terra

Que toma pé de tudo

E vive em pé de guerra

06.10.2014

Somos um só?

Ou somos só um?

Somos todos sós?

Somos todos pó?

Ou somos todos pum?

Viemos todos, ó

De uma mesma explosão

Que explodium coração

Cansado de ser só

Tum tum

Conheça a autora

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Júlia Baroni trabalha com arte, educação, saúde e cultura. Formada em arquitetura pela Universidade de Brasília, já atuou como arquiteta, interventora urbana, produtora cultural, coordenadora de projetos educacionais, escritora, letrista, dramaturga, atriz, dançarina e professora de artes. Atualmente é professora de circo, massoterapeuta e mãe.

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