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Quebradeiras de Coco Babaçu defendem os babaçuais e a produção de uma economia familiar 

Mulheres ativistas atuam nos movimentos sindicais do campo desde os anos 70

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Arte: Giulia Santos. Imagens Gabriele Roza

Mulheres quilombolas do Maranhão, Tocantins, Piauí e Pará, Norte e Nordeste do Brasil, protegem a floresta de palmeiras utilizando todos os recursos disponíveis do coco para subsistência. Elas extraem a casca para fazer carvão, o óleo de amêndoa para produzir sabão e outros produtos, e utilizam as folhas para criar cestos e cobrir suas casas.

São mais de 400 mil mulheres organizadas no Movimento Interestadual Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), que há 33 anos se organizam para extrair o coco para consumo familiar. Denunciam o desmatamento, as queimadas e o envenenamento dos babaçuais. Como consequência, muitas delas vêm sofrendo ameaças e mortes. 

AzMina entrevistou a antropóloga Cynthia Carvalho Martins, que trabalha em relatórios que denunciam situações de violação dos direitos de mulheres, crianças, indígenas e quebradeiras de coco babaçu. Desde os anos 90, ela  pesquisa sobre as quebradeiras e seus processos de mobilização em defesa dos territórios ameaçados por grandes projetos de plantios homogêneos de soja, eucalipto, assim como projetos de mineração e obras de infraestrutura. 

Cynthia Martins se debruçou no levantamento e escritas sobre a identidade cultural e a trajetória de luta de quebradeiras de coco contra fazendeiros. Em 2023, lançou o livro “Os processos tecnológicos das quebradeiras de coco babaçu” em que explica o beneficiamento integral do coco, de modo a afirmar identidades e modos de vida.

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1. Você entrevistou muitas lideranças quebradeiras de coco, como descreveria a história familiar e origem desse ofício? 

Foto: Gabriele Roza.

A identidade das quebradeiras de coco babaçu se construiu a partir de um processo de mobilização política que se congrega no Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB). As violências que elas passaram iam desde processos de imobilização por dívidas até expulsão das áreas, com ameaças e tiros de revólver para cima, de modo a amedrontar as mulheres. 

Elas eram obrigadas a deixar as amêndoas quebradas no pequeno entreposto local em pagamento a alimentos que retiravam das vendas em um sistema de exploração extrema. Essas amêndoas eram transportadas para as fábricas de beneficiamento, produção de sabão e óleo de empresas privadas. 

Diante dessa exploração, as mulheres formaram o movimento social das quebradeiras de coco. É relevante dizer que as mulheres estavam articuladas antes mesmo da criação do MIQCB, nos seus estados, com suas organizações, cada uma com problemas específicos, mas todas privadas do acesso à terra. 

Essas mulheres recriam saberes das suas ancestrais nos seus processos produtivos. Plantam ervas antigas para fazer seus aromas de sabonetes, atualizam saberes e técnicas próprias do uso do babaçu. E essa história está presente nas lutas atuais. 

Atualmente, elas têm orgulho em se autodefinir quebradeiras de coco, em afirmar suas identidades e seus saberes. Mas não são uma categoria homogênea, podem ser quilombolas, indígenas, ribeirinhas – identidades múltiplas. Umas estão em áreas desapropriadas (assentamentos); outras não possuem terra e moram nas periferias das cidades ou pagam taxas para implantar seus roçados; e tem as que estão em reservas.

2. No seu último livro “Afirmação identitária e projetos tecnológicos”, você relata o trabalho organizado e de produção das quebradeiras de coco em ‘mini fábricas’. Como elas integram os saberes tradicionais e manuais com as tecnologias e inovações? 

Os grãos de coco extraídos das quebradeiras são utilizados na produção de óleos, leite de coco e sabonetes. Foto: Gabriele Roza.

Ao longo de mais de 25 anos trabalhando com elas, observei que apesar dos incrementos tecnológicos, o objetivo continuava o mesmo: reforçar a resistência; lutar contra a violência; preservar as florestas de babaçu. É um tipo de tecnologia que combina inserção no mercado com reforço da identidade e das lutas. Tem como característica uma autonomia na construção das máquinas, que são inventadas pelas mulheres. 

Para entender o significado das máquinas e dos processos tecnológicos nessas situações é preciso refletir sobre os saberes e as identidades. Isso porque todas essas máquinas inventadas pelas quebradeiras não eliminam o trabalho manual de retirada da amêndoa do coquilho, realizado com os machados. Esse saber usar o machado, saber quebrar o coco, é que garante a afirmação da identidade de quebradeiras de coco. 

Quis refletir como esse instrumento, o machado, visto como antigo e pertencente a um passado, representa um futuro, a possibilidade de um respeito à diversidade dos fazeres e saberes. As mulheres que trabalham nas minifábricas possuem autonomia para produzir os sabonetes, papéis, frutas desidratadas nos dias de menor intensidade dos trabalhos nos roçados, assim como administram seu tempo conciliando-o com discussões sobre preservação, efeitos de mega projetos e estratégias de manter os babaçuais. 

Tem máquinas de fazer sabonete, as cortadeiras, as máquinas de beneficiar o mesocarpo, conhecidas como espinha de peixe e outras. As máquinas produzidas pelas quebradeiras de coco diferem das máquinas presentes nas empresas e das financiadas por projetos do governo, essas servem somente para a extração do óleo, esmagam as amêndoas e não permitem o beneficiamento integral. Esse é um problema porque o financiamento público concentra-se nas máquinas de quebrar o coco, atendendo aos interesses empresariais e não aos interesses das mulheres. 

E tem um outro ponto: até o presente não foi inventada uma máquina que consiga quebrar o coco como as quebradeiras de coco. Isso porque cada coco é de um jeito, ou seja, alguns possuem duas amêndoas, outros seis, enfim, não há uma padronização na quantidade de amêndoas. Somente as quebradeiras de coco conseguem retirar a amêndoa sem esmagar. As mulheres dizem que isso é uma proteção da natureza.

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3. Muitas quebradeiras foram as primeiras em ter participado no movimento sindical de trabalhadores rurais da história do Brasil, e lutavam contra violências de gênero. Como foi esse processo?

Conceição Barbosa da Silva coleta cocos em uma cesta feita com folhas de palmeira. Foto: Gabriele Roza.

Se considerarmos a relevância do movimento sindical nos processos de luta pela reforma agrária, com certeza que essas mulheres estiveram atuantes, como ativistas e ocupando cargos de liderança. Por exemplo, no Tocantins, a senhora Maria do Socorro Teixeira Lima, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Praia Norte, denunciava os feminicídios. Lembro perfeitamente que ela realizou um levantamento dessas situações, colocando em uma cartolina os índices de violência praticados naquele município. 

No Maranhão, temos a senhora Maria Querobina Silva Neta, vinculada ao Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Imperatriz, uma liderança antiga, com intenso trabalho em defesa dos direitos dos trabalhadores. Então, as quebradeiras estavam e estão nas lutas sindicais levantando lutas referentes ao gênero.

É preciso que se pense nas lutas das mulheres do campo articuladas a uma transformação social nas estruturas de poder. Não era somente a terra como recurso natural que elas reivindicavam, mas a territorialidade, ou seja, um modo de trabalho com a valorização dos aspectos coletivos, sistemas de uso comum e de solidariedade do trabalho agrícola. 

Ainda há uma consciência ambiental exercida em práticas incorporadas ao dia a dia. As mulheres passaram a trazer à tona temas pouco discutidos, tais como os próprios saberes, a relação com a espiritualidade, com os encantados, no Maranhão, os seres protetores das florestas.

Não se pode idealizar as relações a ponto de dizer que as relações internas e familiares são isentas de conflitos. Ao contrário, muitas mulheres falam das suas dificuldades em conciliar o trabalho político com o  doméstico, e são tolhidas por seus companheiros. 

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4. Em que se diferencia o Movimento Interestadual de Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB) de outros movimentos de trabalhadores rurais e do campo? 

Francisca Pereira Vieira, quebradeira de coco e uma das coordenadoras do Movimento Interstatual Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB) no Tocantins. Foto: Gabriele Roza.

O Movimento de Quebradeiras funciona sem cadastros, sem formalização jurídica, incorporando as mulheres que se identificam com as lutas em defesa dos babaçuais. O que diferencia o MIQCB é sua capacidade de aglutinação de mulheres e o fato de defender um saber específico – o saber quebrar coco – impossível de ser aprendido sem uma prática. É um tipo de produção conciliada com a preservação, com uma marca denominada “Babaçu Livre”. 

Elas denunciam as queimadas, envenenamentos das pindobas, os grandes projetos, as devastações, a transformação do coco babaçu em carvão e muitas outras situações. Também discutem mudanças de valores, nas próprias relações de gênero. 

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5. A violência contra as defensoras de meio ambiente é permanente no Brasil. As quebradeiras de coco têm sido ameaçadas e lideranças, assassinadas. AzMina fez uma matéria e pesquisa em 2022, e acompanhou o caso da Maria José Rodrigues Corrêa, de 78 anos, do Povoado de Boa Esperança, zona rural de Penalva (MA). Você trabalhou em livros de narrativas sobre essas violências que são recorrentes. Quais as falências do Estado para protegê-las?

Maria Ednalva Ribeiro da Silva, além de quebradeira, é uma das representantes do movimento no Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais de Brasília. Foto: Gabriele Roza.

Atualmente são muitas as quebradeiras de coco ameaçadas de morte, essa situação é recorrente. O ativismo nem sempre é reconhecido como legítimo. As estruturas políticas em muitos municípios amazônicos articulam-se aos interesses privados, resultando em processos violentos contra aqueles que estão secularmente na terra. Além disso, os processos de regularização fundiária são lentos, expondo as famílias a conflitos com os pretensos proprietários das terras, responsáveis por projetos de plantio homogêneo ou mineração. 

A devastação está literalmente matando as pessoas e justamente aquelas que trabalham com os produtos que estão sendo devastados. Em Penalva, Maranhão, famílias saíram de suas terras, apropriadas ilegalmente por fazendeiros e passaram a morar em periferias da cidade, precisando pagar para colocar roçados e retirar babaçu e juçaras das terras que eram suas. 

São muitas as violências praticadas, dentre elas as chamadas ‘carreiras’, quando o capataz da fazenda afugenta as quebradeiras de coco com tiros; tem a quebra da alça do jacá, quando os mesmos capatazes derramam todo o coco colhido no chão impedindo que as quebradeiras os levem para suas casas. 

As ameaças são constantes e as ações de proteção por parte do estado não se concretizam. Ao contrário, ao invés de proteger, as ações governamentais expõem cada vez mais aos conflitos. Mesmo o programa de proteção aos ameaçados tem sido ineficaz, pois se os territórios não são desapropriados, os conflitos se estendem no tempo e as ameaças continuam. 

Há quebradeiras de coco afastadas de suas famílias nos programas de proteção e ficam em uma situação difícil, preocupadas que a vingança se volte contra seus filhos e netos. As mudanças precisam ser estruturais, mexer com os interesses privados e garantir que aqueles que de fato preservam, permaneçam nas suas terras.

*Esta entrevista faz parte de um projeto jornalístico apoiado por Howard G. Buffet Fund for Women Journalists da International Women’s Media Foundation. Equipe do Projeto: Soledad Dominguez e Gabriele Roza 

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