Legalizado em algumas situações desde o Código Penal brasileiro de 1940, o aborto continua sendo, até hoje, alvo de moralidades religiosas, desconhecimento, desinformação e polêmicas. Com o intuito de trazer uma discussão didática e democratizada sobre a importância da descriminalização do aborto no país, a nova série documental Meu Corpo é Meu, publicada no canal d’AzMina no Youtube, traz o relato de quatro mulheres que já realizaram um aborto em diferentes circunstâncias da vida.
Ao longo de quatro episódios, que ainda contam com dados da plataforma abortonobrasil.info e entrevistas com advogadas, ginecologistas, psicólogas e antropólogas, é possível entender mais sobre os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres no Brasil. No primeiro episódio, a história de Tatiana, auxiliar de limpeza violentada sexualmente em 2023, mostra a realidade de quem tenta acessar o aborto legal, mas é barrada nos serviços de saúde.
“Chegou uma assistente social e falou pra mim que têm casos que as mães conseguem seguir adiante com a gravidez sem problema nenhum”, lembra Tatiana. Segundo Leticia Ueda, advogada do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, diante de uma negativa de acesso, a mulher pode e deve procurar a Defensoria Pública do Estado.
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Acesso à saúde e justiça reprodutiva
Métodos contraceptivos, como o Implanon, o diu de cobre, as injeções e as camisinhas, são disponibilizados gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mas, mesmo assim, as mulheres não os acessam de maneira equânime. A ginecologista e obstetra, Mariana Pércia, explica melhor isso no segundo episódio da série Meu Corpo é Meu.
Rebeca Mendes, advogada e fundadora do Projeto Vivas, ao tentar fazer uma troca de métodos, engravidou após esperar meses para colocar o diu no serviço público de saúde. Auxiliada pela antropóloga e pesquisadora, Débora Diniz, a advogada entrou com um pedido de aborto legal no Supremo Tribunal Federal (STF), mas foi negado pela então ministra Rosa Weber.
O caso de Rebeca repercutiu nacional e internacionalmente, quando uma organização da Colômbia a convidou para realizar o aborto legal no país vizinho. “Eu fiz uma aspiração intrauterina, levou vinte, trinta minutos, eu saí de lá com o método contraceptivo que eu tinha escolhido e é isso.” Ali naquele momento, Rebeca conta que conseguiu perceber a diferença entre o tratamento que teve e o trauma de tantas amigas que sofreram com um aborto clandestino. “É a clandestinidade que traz essa insegurança”, narra Rebeca no episódio 2.
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Quem realmente têm direito ao aborto?
Apesar de ser um procedimento frequente entre toda a população feminina, o aborto ocorre em maior proporção entre mulheres pretas, pardas e indígenas, com menor escolaridade, residentes nas regiões Norte e Nordeste e com renda de até um salário mínimo. Esses dados estão na Pesquisa Nacional do Aborto (PNA) de 2021 e no site AbortoNoBrasil.info – plataforma lançada em 2023 pel’AzMina, que reúne todas as principais informações sobre direitos reprodutivos no país.
No episódio 3, sobre aborto clandestino, a antropóloga, professora e feminista evangélica, Simony dos Anjos, considera o aborto uma questão de classe ao perceber que, nas escolas públicas, sempre tinha uma menina grávida no ensino médio, ao contrário das particulares. “Por que nas escolas de maior poder aquisitivo essas meninas não engravidam?”, questiona Simony. E a antropóloga tem duas hipóteses: “uma porque elas têm acesso a uma educação sexual de qualidade e outra porque elas têm dinheiro para ir em uma clínica e fazer a interrupção da gestação.“
Em 2022, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou a descriminalização do aborto, porque o procedimento é considerado um processo simples e seguro – quando feito com métodos recomendados e assistido por profissionais de saúde. O quarto e último episódio da série exibe a resposta de todas as entrevistadas para a pergunta: o aborto deveria ser descriminalizado no Brasil?
*Meu Corpo é Meu foi produzida em 2023 como trabalho de conclusão de curso (TCC) da graduação em jornalismo de Ana Luiza Peixoto na Faculdade (FAAP), em São Paulo. Todos os episódios estão disponíveis no canal da Revista AzMina no YouTube.