Investigando até onde vai a relação entre Estado e religião, em uma manhã de maio, a reportagem chega à comunidade terapêutica Missão Vida, em Sobradinho I, a cerca de 25 quilômetros do centro de Brasília. Trata-se de uma das 10 unidades mantidas pela organização, ligada à Igreja Presbiteriana, cujos braços alcançam seis estados, além do DF. A entidade, que carrega o slogan Evangelismo, Assistência e Recuperação, acolhe homens em situação de vulnerabilidade e dependência química.
O lugar é simples, austero, bem-cuidado. Uma ampla estufa, ao fundo da propriedade, sinaliza que uma das especialidades é o cultivo do tomate-cereja. “Nós produzimos vegetais orgânicos e comercializamos em feiras de produtores”, explica o obreiro (aprendiz de pastor) Alex Costa, 28 anos, supervisor das atividades no local e ex-usuário de drogas. “Acho que 80% dos funcionários da Missão Vida já passaram pela internação, até o meu pastor”, conta ele. O pastor a quem Alex se refere é Clésio Oliveira, coordenador do núcleo de Brasília, ausente no dia da visita.
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A ausência tinha uma razão: o pastor e a maioria dos internos haviam viajado para o XIII Congresso de Pastores e Líderes do Centro-Oeste, na cidade de Cocalzinho, em Goiás. Apenas cinco internos permaneciam no local para o cumprimento das “terapias” – como são chamados os trabalhos de varrer, arrumar, lavar, capinar e cozinhar, cumpridos como condição para a permanência no local. Na rotina da comunidade, as intervenções de psicólogos são pontuais e voluntárias, bem como a busca por orientações junto ao Centro de Atenção Psicossocial (Caps).
A Missão Vida é uma das campeãs no recebimento de recursos do Fundo Nacional Antidrogas. Entre 2014 e 2017, o governo repassou R$ 2,4 milhões para a organização. Os valores ajudam a custear a infraestrutura das 10 unidades de recuperação mantidas pela entidade.
Em seu site, a Missão Vida apresenta números para ilustrar a atuação. Em 2017, “3.297 homens passaram pelo programa de recuperação”, 32 internos foram “formados no Instituto Bíblico Palavra e Vida” e 195 pastores “pregaram nos núcleos”.
A unidade de Brasília tem capacidade para abrigar 44 internos. Ninguém é obrigado a permanecer no local, mas, uma vez lá, é preciso cumprir a rotina de atividades, que inclui a participação em cultos (devocionais) ao menos duas vezes ao dia. Antes das refeições, os internos também precisam dizer a “palavra” (algum trecho da Bíblia em destaque no dia). “A gente chama de ‘pedágio’. Ninguém vai ficar sem comer se não repetir, mas é uma forma de estímulo para eles”, justifica Alex. O programa terapêutico dura, em média, de seis a oito meses – incluindo a fase de transição, em que o interno pode passar o dia fora para procurar trabalho.
O obreiro supervisiona as atividades da comunidade há um ano e cinco meses: faz parte de sua formação de pastor. No período, disse já ter visto a recuperação de cerca de 50 pessoas. Não nega, porém, que as recaídas são frequentes. “É o que mais acontece. Depois, eles voltam para cá e nós recomeçamos o tratamento”, conta.
Diante da pergunta sobre o predomínio de determinada religião nas práticas do local, Alex afirma que a Missão Vida é “ecumênica” e que os internos recebem palestras de representantes de outras igrejas – todas cristãs. “A gente também orienta que eles sigam na palavra de Deus quando saem daqui, para poder seguir em frente”, diz.