Foi somente no século XIX que a ginecologia surgiu enquanto especialidade médica tal qual conhecemos hoje. Mas os corpos das mulheres já vinham sendo especulados pela ciência muito antes disso. Na Antiguidade, Aristóteles, Galeno e diversos outros filósofos acreditavam que, dependendo do calor, dos nutrientes e da energia recebida durante a vida uterina, o embrião poderia originar um ser humano resistente, de primeira qualidade (do sexo masculino) ou um ser humano mais frágil, de segunda categoria (do sexo feminino). A embriologia e a reprodução eram o foco de atenção das investigações.
As mulheres também investigavam seus próprios corpos e foram as principais responsáveis pelo desenvolvimento da ginecologia natural, aplicada até hoje. Na Escola de Salerno, ainda no século XI, elas encaravam a prevenção como algo fundamental para a saúde, pesquisavam analgésicos e realizavam partos e cesarianas de risco.
Ao longo dos séculos, as mulheres perderam espaço na produção do conhecimento, tiveram seus nomes apagados da história e passaram a ver seus corpos como alvo de muitas especulações. A ciência desenvolvida por homens, em sua maior parte brancos e ricos, seguiu como lastro fundamental para firmar o estereótipo da inferioridade biológica das mulheres e justificar uma determinada ordem social, onde caberia a elas apenas reproduzir.
Leia mais: “Não é só o gênero que é socialmente construído, o sexo biológico também”
No segundo episódio do podcast Corpo Especulado, explicamos como a ciência aborda (e reforça), ainda hoje, não só a diferença entre sexo e gênero, mas também entre raça, classe e sexualidade. Ouça aqui!
O podcast vai ao ar às quartas-feiras e nos próximos episódios vamos apresentar outros enredos da conflituosa relação entre a ciência e o corpo feminino, passando por temas como loucura, beleza, dor e prazer. Se inscreva no canal para não perder nenhum deles.
E aqui você pode conferir a transcrição e audiodescrição do segundo episódio.
Fontes entrevistadas para esse episódio:
Fabíola Rohden, mestre e doutora em antropologia social e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. (UFRGS)
Samanta Teixeira, doutoranda em Design de Produto pela Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Larissa Velásquez, doutoranda pelo Programa de Pós Graduação em História das Ciências e da Saúde (PPGHCS) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Para saber mais:
Livro “Uma ciência da diferença: sexo e gênero na medicina da mulher” (2001), Fabiola Rohden
Livro “A mulher submissa: Teses da Faculdade de Medicina da Bahia no século XIX” (1996), de Dinorah Castro
Revista de Ginecologia e d’Obstetrícia (1907-1978)
Expediente:
A série Corpo Especulado é uma parceria entre a revista AzMina e o podcast 37 Graus, produzida com o apoio do Instituto Serrapilheira. Esse episódio foi apresentado por Helena Bertho e Sarah Azoubel. A produção desse episódio é de Marília Moreira. A equipe de pesquisa, produção e roteiro da série completa também conta com Joana Suarez e Bia Guimarães. A edição de som é de Bia Guimarães, a trilha sonora é de Marianna Romano, e as artes de capa são de Bárbara Miranda e Giulia Santos. A transcrição é de Renata Zioli Dias.