
Se, para você, grafitti é só uma maneira de deixar a cidade mais bonita, está na hora de rever seus conceitos. “A moça foi me contando os seus problemas enquanto eu grafitava. De repente a convidei para me ajudar e foi ali que ela começou a se empoderar. Fiquei sabendo que, um mês depois, ela terminou com o marido”, conta Iasmin Pereira, 18, estudante.
Diversas grafiteiras Brasil afora estão usando os muros das cidades para falar sobre, para e em prol das mulheres. Uma das mais conhecidas é a carioca Panmela Castro, 34, que foi vítima de violência doméstica quando a lei Maria da Penha ainda sequer existia. Durante muito tempo, ela teve vergonha de falar sobre o que lhe aconteceu. Mas, por insistência da mãe, não só passou a contar sua história como fez do grafitti uma ferramenta para que outras mulheres também pudessem se libertar. Em 2011, Panmela fundou a Rede Nami, uma ONG que usa arte urbana para promover os direitos das mulheres.
“Foi um trauma, mas depois que eu me abri, passou. Pude mostrar para outras moças que isso não é nenhum bicho de sete cabeças, pode acontecer com qualquer uma. Ninguém é pior porque passou por uma situação dessas”.
Só em 2014, mais de cinco mil mulheres participaram das oficinas de grafitti da Rede Nami, que foca na prevenção da violência doméstica. Panmela explica que cada oficina começa com uma conversa sobre a posição da mulher na sociedade e a lei Maria da Penha. Só depois do papo é que as participantes começam a pintar. Além das oficinas, outras milhares de pessoas são atingidas pelas campanhas de conscientização online da ONG. A iniciativa fez Panmela figurar na lista de mulheres mais influentes de 2012 da revista norte-americana Newsweek.

Uma ponte para o feminismo
A coordenadora de projetos culturais Carla Felizardo, 37, é uma das pessoas cuja vida se transformou depois de participar de uma oficina da Rede Nami. Além de hoje se considerar feminista, coisa que antes ela nem imaginava, Carla integra também outro projeto da ONG, chamado Afrografiteiras. “Espalhar minha cultura afro-brasileira através do graffiti e participar de um coletivo de mulheres negras determinadas a lutar por sua posição na sociedade, independente de sua cor ou fé, é algo que significa demais para mim”, conta.

Jennifer Louise Borges, a J Lo, de 27 anos, é outra para quem o grafitti serviu como uma ponte para o feminismo. Hoje ela estuda História para entender melhor a posição social da mulher ao longo dos séculos. “Vi que, desde a inquisição, tem sido construída uma cultura de misoginia. Isso só reforçou a minha posição como feminista”, conta. Em seu trabalho, J Lo convida as pessoas a olhar para a genitália feminina não apenas de forma erótica ou vulgar. “Eu pego esse dado biológico que foi reprimido, que é tido até hoje como sujo, que muitas vezes as mulheres não têm coragem de olhar e coloco à tona”. Segundo ela, uma provocação contra uma sociedade que renega o feminino.
“Quero tornar a vulva visível, da forma que as pessoas precisam ver e não simplesmente desviar o olhar. Quero trazer o desconforto e o conforto ao mesmo tempo”.
J Lo também acha importante que, além de desenhos como os dela, mensagens mais diretas também estejam pipocando pelos muros da cidade, portas de banheiros e outros locais públicos. “Pichações como ‘moça, você é linda’, ‘seu corpo é seu’ têm uma mensagem mais direta, mais impactante. Talvez ajudem as mulheres a entender o que é o feminismo e o que é a opressão que elas sofrem com muito mais facilidade e intensidade do que com um grafitti”, pondera.

A cultura do grafitti também tem constituído espaços mais seguros para mulheres, onde elas se sentem à vontade e criam laços de amizade umas com as outras. “Grafitar com outras meninas é a melhor coisa que existe! Nós nos divertimos, conversamos sobre tudo e uma apoia a outra. Isso gera muita segurança”, comenta a estudante Joyce Fucci,18. “Mas grafitar sozinha são outros quinhentos”, ressalva.
Iasmin, do começo dessa reportagem, que o diga. Certa vez, ela estava andando pela rua com uma amiga quando dois policiais as abordaram. Ambas tinham latas de tintas e spray nas mochilas. “Você sabe a política de que policial homem não pode revistar mulher, né? Era de madrugada e não tínhamos a quem recorrer. Eles começaram a nos revistar, mesmo com a gente tentando impedir. ‘Se vocês ficarem recusando a revista, a gente leva vocês num beco. Vocês que escolhem’”. Sem opção, as meninas tiveram que ceder. Felizmente, foram liberadas.