Dentre os diversos problemas para enfrentar o coronavírus no Brasil, a falta de equipamentos de proteção individual (EPIs), como máscaras para os profissionais de saúde, e de aparelhos respiratórios são dois que podem encontrar solução no trabalho colaborativo dos brasileiros. Em todo o Brasil, uma rede de voluntários tem se organizado para ajudar a produzir esses itens com impressoras 3D.
A designer e pesquisadora Rita Wu é uma dessas pessoas. Ela trabalha com pesquisas que unem tecnologia, biologia e relações humanas e foi diretora da Fab Lab Livre SP, rede de laboratórios abertos colaborativos da Prefeitura de São Paulo que estimula o aprendizado e acesso à tecnologia para a população.
Na crise do coronavírus, ela se juntou ao engenheiro Emerson Moretto, da USP (Universidade de São Paulo), na missão assumida pela Faculdade Politécnica da universidade, de desenvolver um protótipo para impressão 3D de um protótipo de ventilador mecânico necessário para atender casos graves da doença.
Além disso, Rita está articulando uma rede em São Paulo com uso da rede de laboratórios da Prefeitura e de voluntários que tenham impressoras 3D em casa para imprimir máscaras de proteção facial para os profissionais de saúde da cidade.
“A ideia veio da pergunta: o que a gente que trabalha com fabricação digital pode fazer? A gente pode fazer muita coisa, principalmente na parte dos EPIs, para o pessoal que está na linha de frente, enfermeiros, médicos e fisioterapeutas pulmonares”, conta.
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A atuação tem sido em duas frentes. A produção das peças para o respirador é mais complexa. “É um tipo de equipamento que não pode falhar. A aprovação tem que ser extremamente crítica e precisa”, explica Rita. No mundo todo, cientistas estão trabalhando no desenvolvimento de protótipos de ventiladores open source (que possam ser fabricados sem necessidade de pagar patente), mas nenhum está testado em humanos e aprovado ainda. “A gente mapeou esses projetos e se baseou em um deles para começar a desenvolver o nosso”.
O projeto em que Rita está atuando é desenvolvido por um laboratório da Poli-USP, mas ainda assim é colaborativo. Além de partir de trabalhos já feitos por outros cientistas, tudo o que fazem é disponibilizado de maneira aberta e online, para contribuição de outras pessoas.
Afinal, é uma corrida contra o tempo. “A expectativa é que teremos no Brasil um pico de casos a serem tratados pelo sistema de saúde em cerca de 3 semanas (por volta de 10 de abril). Nesse momento a demanda por ventiladores pulmonares mecânicos será crítica, sendo uma das lamentáveis causas de morte pelo novo coronavírus devido a ausência de infraestrutura suficiente para a quantidade de número de pacientes. Estamos lutando contra o tempo para desenvolver um ventilador open source que possa ser fabricado antes que isso aconteça”, diz a descrição da iniciativa no site em que o material está sendo disponibilizado.
Os equipamentos precisam seguir regras da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) e ser testado e aprovado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Rita conta que há outras iniciativas no Brasil também trabalhando para desenvolver um ventilador, como a do Laboratório Hacker de Campinas e a da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
O governo federal está envolvido com a iniciativa, facilitando as questões burocráticas e técnicas, como garantir que a ABNT liberasse gratuitamente as normas técnicas para desenvolvimento das peças, para que possam ser feitas de acordo com as exigências – é necessário pagar para consultar as normas. “Está sendo muito importante esse trabalho conjunto do governo, de olhar para a população, e quebrar os trâmites burocráticos que atrasam boa parte dos processos de desenvolvimento de tecnologias”, comemora.
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Mesmo assim, o processo para desenvolver os ventiladores não é simples e, por isso, não há um prazo para começar a produção.
Enquanto isso, crescem as iniciativas para produzir máscaras, escudos faciais e outros equipamentos de proteção para os profissionais de saúde, que estão em falta nos hospitais. Por serem mais simples, esses itens têm protótipos open sources já criados, e o trabalho das redes tem sido mais no sentido de fazer a produção acontecer. Os EPIs podem ser feitos por qualquer pessoa que tenha uma impressora 3D em casa, basta usar os protótipos e instruções de impressão disponibilizados nos sites das iniciativas (listadas no fim dessa reportagem).
Rita articulou com a Prefeitura de São Paulo a liberação do acesso aos laboratórios Fab Lab da cidade (que estão fechados para o público por conta da pandemia) para usar as impressoras 3D para produzir os EPIs e aumentar a produção. E ela ressalta que existem iniciativas no Brasil todo para imprimir os equipamentos. “Tem uma coisa muito legal que é essa descentralização e isso é muito importante, porque é isso que vai fazer com que as demandas sejam atendidas mais rapidamente nas localidades. E está sendo muito bonito ver todas essas iniciativas totalmente voluntárias”, comemora.
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E quanto mais gente envolvida, melhor. Se você tem uma impressora 3D em casa e quer colaborar, no fim dessa reportagem tem uma lista de iniciativas que estão organizando isso pelo Brasil. E mesmo quem não tem impressora também pode colaborar, ajudando na montagem das peças e até em outras formas de produção.
Para Rita, isso tudo indica uma mudança da forma de pensar da população. “Acho que vai ter muita mudança de mindset, de como as pessoas realmente podem ajudar. Eu espero que essa crise da pandemia deixe bons aprendizados do que a gente é capaz de fazer colaborando. E também mostre que a gente não precisa depender de um fornecedor só. Isso muda como a gente vai levar as formas de produção e consumo daqui pra frente”.
Para colaborar com as iniciativas:
Nacional:
São Paulo
Rio de Janeiro
Belo Horizonte
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