logo AzMina
17 de novembro de 2016

“Minha virgindade não tem nada a ver com meu hímen”

Na minha cabeça de dezesseis anos, a virgindade só seria perdida quando um pênis atravessasse o canal vaginal, estourando o hímen e criando aquela poça de sangue no lençol

Nós fazemos parte do Trust Project

[fusion_text]Quem senta no divã hoje é a Andréa Romão, do canal Kama Sussa

Foto: Laura D'Alessandro
Foto: Laura D’Alessandro

“Quando eu tinha mais ou menos 16 anos, uma das minhas melhores amigas se assumiu lésbica, o que não mudaria em nada nossa amizade (e não mudou mesmo). Mas lembro que fiquei um pouco triste por um motivo que hoje tenho de vergonha de recordar, mas vamos lá: por pensar que ela nunca “perderia a virgindade”. Afinal de contas, na minha cabeça de dezesseis anos, a virgindade só seria perdida quando um pênis atravessasse seu canal vaginal, estourando seu hímen e criando aquela poça de sangue no seu lençol – o símbolo máximo da mácula sexual, do pecado, do fim da sua pureza e o troféu do rapaz-conquistador.

Esse meu pensamento de adolescente contém tantos erros que eu nem sei por onde começar. Começo então dizendo que minha ignorância não era (só) minha culpa. Era culpa dos livros que eu lia, dos filmes e novelas que eu via, do (zero) diálogo sobre sexualidade dentro da minha casa.

A história do lençol manchado de sangue me perseguiu durante muitos anos. Quem cresceu nos anos 90 sabe bem quantas mocinhas sofreram nos filmes e novelas por terem se entregado antes da hora a uma paixão ou ao simples desejo e na noite de núpcias teriam de explicar a falta de sangue no lençol matrimonial. Podia servir muito bem para dar dramaticidade ao filme, mas acabou também criando na cabeça de toda uma geração uma ideia de “primeira vez” que simplesmente não existe.

Por culpa desse combo de “primeira vez+sangue” quantas meninas foram humilhadas depois de viverem a perda da virgindade – aguardada com tanta expectativa com aquele carinha escolhido a dedo – apenas por não terem sangrado?

“Você nem era virgem” disseram os meninos, com desdém ou decepção.

Inclusive, pode me incluir nessa estatística.

Outro momento que nunca vou esquecer é da minha decepção ao me arrastar para dentro do consultório da ginecologista e falar com voz chorosa que devia ter algo errado comigo, porque eu não sangrei na minha tão esperada “primeira vez”. A médica não poderia ter sido mais gentil. Pegou um pedaço de papel e –literalmente – desenhou para que eu entendesse porque aquilo não tinha acontecido e como aquilo não significava que tinha uma pecinha faltando em mim.

Mas quantas meninas que não tem plano de saúde (privilégio de apenas 30% dos brasileiros), ou fácil acesso a uma ginecologista, ou coragem de conversar sobre isso com uma, ficam sem essa resposta?

Quantas moças vão passar a vida inteira sem saber que só 43% das mulheres de fato sangram na primeira vez? E que esse sangramento nada tem a ver com o rompimento do seu hímen. Que aliás, é rompido desde que você nasceu e esse é o estado normal dele. Hímen totalmente fechado precisa de ajuda médica para ser rompido. E o sangramento – das que tiveram – pode ter sido causado por falta de lubrificação, tensão do músculo vaginal e muitos outros motivos. Por isso que você pode sangrar na segunda, terceira, quinta, décima ou vigésima vez que fizer sexo. Porque nunca teve a ver com o hímen. E isso tudo faz até a gente repensar o termo “perder a virgindade” já que no final das contas, dentro do seu corpo, nada foi perdido ou tirado de você.

E, acima de tudo, faz a gente entender que virgindade é uma construção social e não uma condição médica.

Agora, onde estava toda essa informação quando eu tinha 16 anos e achava que minha amiga por nunca ter um pênis penetrando sua vagina seria virgem para sempre?

Não dá pra colocar a culpa toda no cinema e na novela. Eles ajudam sim a perpetuar ideias bem tortas sobre sexualidade e relacionamentos, mas quando nós não permitimos que dentro das nossas casas se fale de sexo e não cobramos que as escolas dos nossos filhos tratem também de educação sexual, estamos ajudando a manter ideais estereotipados sobre sexo, como os que eu tive um dia.

Hoje minha pós-graduação em sexualidade me ajuda a entender e repensar muitos conceitos que tive ou tenho sobre o universo sexual. E por isso um dos objetivos da minha vida atualmente é passar essa informação adiante no meu canal Kama Sussa. Tento destruir clichês e abrir um caminho em meio a vergonha e a repressão sexual para mostrar que sexo é natural. E que, seja com um pênis, um vibrador ou dedos do(a) parceiro(a), definir quando foi que você deixou de ser virgem, depende de você mesma e não do seu hímen.

E se você quiser saber mais o hímen e suas particularidades, dá uma olhada no vídeo que eu fiz só sobre esse tema no meu canal.


Também tem um desabafo para fazer ou uma história para contar? Então senta que o divã é seu! Envie seu relato para helena.dias@azmina.com.br 

[/fusion_text]

* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

Faça parte dessa luta agora

Tudo que AzMina faz é gratuito e acessível para mulheres e meninas que precisam do jornalismo que luta pelos nossos direitos. Se você leu ou assistiu essa reportagem hoje, é porque nossa equipe trabalhou por semanas para produzir um conteúdo que você não vai encontrar em nenhum outro veículo, como a gente faz. Para continuar, AzMina precisa da sua doação.   

APOIE HOJE