logo AzMina
Laís de Araújo
8 de fevereiro de 2023

“Fui a primeira mulher trans finalista do concurso Deusa do Ébano do Ilê Aiyê”

“Quando chamaram o meu nome, eu não levantei da cadeira. Fiquei: meu Deus, sou eu?”, conta Laís de Araújo sobre concurso que exalta a beleza da mulher negra desde 1976

Nós fazemos parte do Trust Project

*Era um sonho participar do concurso da Deusa do Ébano, que elege a rainha do carnaval do Ilê Aiyê, bloco afro de Salvador. Mas eu nunca tive essa coragem. Nunca botei a cara para estar na “Noite da Beleza Negra” como candidata. 

Uma vez, no carnaval, meu mestre de dança me perguntou: “Você já se viu ali em cima?” Olhei para o palco e respondi: Já! Mas aquele “já” bem reprimido, né? Porque a gente sabe que a sociedade nos quer invisíveis, não deixa a gente ir em busca dos nossos sonhos. 

Eu já tinha participado de diversos concursos antes da minha transição de gênero, mas geralmente me inscrevia como artista transformista. Era algo que me fazia bem e mal ao mesmo tempo, porque quando eu me desmontava, ficava com a sensação de que estava faltando algo? Eu queria ter aquela imagem 24 horas. 

Até que comecei a fazer parte de um projeto social que capacita jovens da periferia a aprender e a desenvolver novas profissões. Lá tinha dança afro, e isso me aproximou ainda mais do Ilê Ayiê, que eu conhecia desde a infância. 

Estar no bloco e com os meus Mestres me deu a direção que eu precisava e espaço para me ver de outra forma. Foi importante para eu entender que meu corpo era de uma mulher trans. E, com isso, pude me aceitar e me sentir bem.

Leia mais: Transfeminismo: porque é urgente compreender essa luta?

Não falei para ninguém que eu iria me inscrever, justamente porque não queria ouvir as pessoas dizendo: “ah, mas eles não vão passar você’ ou “ah, mas você sabe como a sociedade é preconceituosa, né?”. As pessoas querem que a gente ocupe os lugares, mas não esperam que a gente esteja lá.  Preferi seguir  meu coração e  minha intuição. 

Depois da inscrição, eles me chamaram para uma pré-seleção. Eles avaliam dança, beleza e conhecimentos sobre o bloco. Tinham mais de cem candidatas, e dessas só 14 iriam para a final. Quando chamaram meu nome, eu não levantei da cadeira. Fiquei: “meu Deus, sou eu?” Fiquei paralisada. Seis anos depois daquele carnaval, o meu prêmio foi esse: passar e pisar no palco. Ser a primeira finalista trans do concurso. 

Na hora, pensei em toda minha família, nos meus ancestrais, nos meus amigos. Foi uma luta mais que coletiva. Eu estava ali por um todo, para animar todas as meninas trans a não desistirem no caminho, a não recuarem em seus direitos. E a saberem que a gente tem capacidade, competência, classe e elegância para estar em qualquer lugar que a gente queira.

Leia mais: Transfobia e violência sequestraram debate sobre candidatas trans e travestis nas redes

Você tem uma história para contar? Pode vir para o Divã d’AzMina. Envie para contato@azmina.com.br

* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

Faça parte dessa luta agora

Tudo que AzMina faz é gratuito e acessível para mulheres e meninas que precisam do jornalismo que luta pelos nossos direitos. Se você leu ou assistiu essa reportagem hoje, é porque nossa equipe trabalhou por semanas para produzir um conteúdo que você não vai encontrar em nenhum outro veículo, como a gente faz. Para continuar, AzMina precisa da sua doação.   

APOIE HOJE