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“Nós avançamos com respeito, mas avançamos sem pedir permissão”

Conheça a Rabina Deby Grinberg, que trabalha com a missão de mudar as crenças sobre a mulher no judaísmo e conquistar a equidade religiosa

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Debby Grinberg: ara conseguir a igualdade, você tem que atuar em coerência com a igualdade".
Debby Grinberg: “Para conseguir a igualdade, você tem que atuar em coerência com a igualdade”.

A  expressão serena e a voz tranquila mostram um dos principais traços da argentina Débora Grinberg, a Rabina Deby: a suavidade. É com suavidade que ela se posiciona e é com suavidade que ela encara todos os desafios e preconceitos que surgem por sua posição na religião, ainda majoritariamente comandada por homens. Apesar de a presença das mulheres como rabinas ser cada vez maior dentro do judaísmo, elas ainda são poucas e encaram muitos desafios para atuar de maneira plena. Afinal, como destaca Debby, “esse é um processo relativamente novo, que só teve início no século passado” – lembrando que o judaísmo é uma religião milenar.

A primeira rabina mulher foi Regina Jonas, ordenada em 1935, em plena Alemanha nazista. Mas depois dela, novas rabinas foram ordenadas apenas nos anos 70 e 80. Aqui no Brasil, a primeira a chegar foi a paraguaia Sandra Kochmann, em 2003.  Debby é uma das poucas que atuam, hoje, no país, e nos conta um pouco da sua trajetória.

Como você decidiu ser rabina?

Eu nasci em uma família tradicional judaica na Argentina e estudei em uma escola judaica, dos 5 anos até os 17 anos. Em 1994, entrei na universidade, no curso de administração de empresas. No meso ano, aconteceu o atentado ao AMIA (Associação Mútua Israelita Argentina), em que morreram 85 pessoas. Esse atentado mexeu muito comigo. Eu percebi que queria estudar,  queria aprender minhas raízes, minha história.

Conheci o seminário rabínico na Argentina, o único da América Latina, que prepara rabinos e professores. Eu sabia que não queria ser professora, só queria estudar o judaísmo, então simplesmente comecei. Na metade do caminho foi que entendi o que queria, entendi o efeito que  vivência dos atentados tinha deixado em mim. Cheguei a ficar na comunidade ajudando famílias quase um mês até que se achou o último corpo, embaixo dos escombros… Toda essa experiência me fez entender que eu queria ajudar as pessoas através da fé. Eu queria poder, através do judaísmo, dar força para as pessoas viverem uma vida significativa.

Havia outras rabinas na Argentina, na sua escola, na época? Era algo comum?

Aqui na América Latina, muito poucas. Se não me engano, havia apenas duas rabinas formadas e mais uma em caminho de formação. Mas, logo depois, eu me graduei em uma turma muito especial que tinha mais duas mulheres além de mim! Foi uma loucura no jornalismo na Argentina, porque era a primeira vez que três rabinas se graduavam juntas na América Latina.

Não tínhamos muitas referências de mulheres escolhendo ser rabinas. Para minha própria família foi um choque no começo. Como assim, rabina?

 “Vai estudar inglês”, falava o meu pai. Não é que eu deixei a carreira, eu continuei estudando administração de empresas, mas para eles foi muito estranho. Nos Estados Unidos, havia perto de 200, 250 rabinas graduadas naquele momento. Acho até que muito mais. Em Israel não tinha nenhuma. Foi apenas quando eu já havia começado a estudar que se graduou a primeira rabina de Israel.

Existem diferenças na atuação e na formação de uma rabina mulher em relação aos rabinos homens?

Do ponto de vista acadêmico, não. Hoje pelo menos não. Teve uma época em que as escolas rabínicas falavam para as mulheres que elas não podiam ser testemunhas de casamento ou de separação judaica. Hoje já não tem isso. Do ponto de vista curricular, do estudo, a igualdade é de 100%.

Porém, temos os desafios que a sociedade coloca, ou os próprios companheiros colocam. Como as comunidades enxergam uma mulher rabina… Às vezes, olham para você e falam: “Tudo bem ser uma mulher rabina, mas você não pode fazer isso, não pode fazer aquilo”.

Você já teve sua posição como rabina questionada por ser mulher?

Sim, claro. Por exemplo, eu uso a Kipá (um tipo de chapéu que simboliza a fé judaica) que, para a maioria das pessoas, é um símbolo dos homens. A primeira vez que eu usei uma Kipá, ainda na Argentina, uma pessoa me encarou, na minha própria comunidade, e falou: “Você é uma palhaça, sai da comunidade! Mulheres não podem usar isso!”

Eu só falei:  “Claro que podem, não pesa na cabeça, não acontece nada. Olha, eu não quero incomodar você. Eu não coloquei a Kipá para incomodar ninguém, eu coloquei para mim e para Deus. E nesse duo, você não está convidado”.

Na semana seguinte ele voltou a me procurar e eu disse que, se o incomodava tanto, eu tiraria. Quando terminou o serviço da sinagoga, ele veio falar que eu podia deixar. Não falou mais comigo, mas algo mudou na cabeça dele. Acho que algo mudou na cabeça das pessoas que tinham escutado toda essa conversa. Essa foi a primeira experiência que eu tive.

A segunda foi no Chile. Eu vestia o Talit, que é um manto ritual que se coloca de sábado de manhã, em um acampamento de jovens. Achei que era um lugar apropriado, na natureza, aqui não vai incomodar ninguém. Os jovens ficaram felizes, orgulhosos, vieram falar comigo. Mas, quando eu voltei, o presidente da comunidade me falou que não aceitavam aquilo. E foram os próprios jovens que ficaram de pé para me apoiar no uso do manto e na leitura da Torá (livro sagrado do judaísmo).

Então, sim, tive experiências desafiantes por ser mulher tanto na Argentina, quanto no Chile, ou em Israel, mas como eu gosto de falar: nós avançamos com respeito, mas avançamos sem pedir permissão. Eu avançava sem pedir permissão, eu avançava quando eu acreditava que era meu e que podia ser.

Você não é mais ou menos mulher porque escolhe ser rabina ou usa símbolos que são, supostamente, masculinos. Mas eu sabia que não era pessoal, não era contra mim, era contra a situação. E a maioria das pessoas, depois de três ou quatro encontros comigo, perdiam essa sensação de que eu invadia territórios que eram destinados só para homens.

Como está o processo da igualdade de gênero hoje no judaísmo?

Nós, mulheres, não queremos ser espectadoras do que acontece. Nós queremos fazer parte. Se tem um ritual de leitura da Torá, eu quero participar de forma ativa. Por exemplo, vão fazer uma cerimônia de entrega de nome para minha filha, eu a carreguei por nove meses e não posso subir e ficar junto a ela?  Meu filho vai mostrar a chegada à sua maturidade, aos 13 anos, em um ritual. Eu não posso ficar junto a ele?

Vejo que as mulheres cada vez mais querem participar. É um processo relativamente novo, porque foi resgatado no século passado. Mas nós temos também fontes muito antigas de que as mulheres costumavam participar dos rituais tanto quanto os homens. Até na Bíblia.

O judaísmo recuperou o que o mundo recuperou – um pouco tarde, é verdade, mas está chegando lá. Mulher pode estudar, votar e mais, e o judaísmo só agora está começando a falar: “claro que, sim, mulher pode fazer”.

E meu desafio maior não é fazer com que os homens entendam que as mulheres têm direitos iguais.  É fazer as mulheres entenderem que nós temos direito a ser iguais. E, para ser iguais, nós, mulheres, temos que atuar. Hoje isso é o que eu mais tento colocar na cabeça das mulheres: não podemos gritar “Queremos ser iguais” e não fazer nada com isso. Para conseguir a igualdade, você tem que atuar em coerência com a igualdade.

Como é sua atuação aqui no Brasil?

Hoje atuo na CIP (Congregação Israelita Paulista), que é uma comunidade que está em processo de dar total igualdade à mulher e ao homem na parte ritual. Temos mulheres diretoras, já teve presidente da comunidade. É um desafio maravilhoso. Como falava para uma colega, também rabina: “É muito fácil ficar em uma comunidade onde aceitam você como rabina. O desafio é chegar a uma comunidade onde isso não é comum e mostrar às pessoas porque isso é bom também, porque isso é razoável e normal e porque faz sentido para as mulheres chegar à igualdade também na religião.”

Só o fato de a rabina ser mulher já faz a comunidade questionar alguns conceitos que tem dois mil anos de história.

O judaísmo, como o mundo, é dinâmico. Temos que nos questionar qual é o dinamismo e a mudança que queremos. Se eu conseguir mudar algumas pessoas,  maravilhoso. E se algumas mulheres, vendo a mim, se animarem a avançar em suas práticas judaicas de forma efetiva, melhor.

E como foi sua experiência em Israel?

Eu trabalhei com um grupo de jovens em uma comunidade em que era normal ter uma mulher rabina. Mas quando trabalhava com autoridades, dentro do parlamento israelense, constatava que o preconceito ali é maior ainda e a luta é maior.

Foi uma experiência muito desafiadora, porque as pessoas lá têm muito conteúdo. Então eles falam:  “Na Torá está escrito assim, na Bíblia está escrito de tal jeito”. E você tem que argumentar bem.

Um dos encontros mais significativos que eu tive foi no Exército de Israel. Me convidaram para dar uma palestra para soldados e ali você tem de tudo: olhares mais ortodoxos, mais seculares, mais liberais. Eles tinham a obrigação de falar comigo com respeito, porque estava ali o general deles, mas percebi que para muitos era difícil ver uma mulher rabina em sua base militar. Era romper muitos paradigmas.

 

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