logo AzMina

Mulher assume narração de futebol dos EUA e enfrenta enxurrada de comentários machistas

É a primeira vez em 30 anos que uma jornalista fica à frente da transmissão da liga de futebol americano.

Nós fazemos parte do Trust Project

Crédito: Divulgação ESPN

A transmissão do Monday Night Football – o horário nobre da NFL (liga de futebol americano) nesta segunda-feira nos Estados Unidos ficará marcada para sempre na história do esporte. Pela primeira vez em 30 anos, o esporte mais amado pelos americanos teve uma mulher à frente da narração.

Beth Mowins quebrou todos os tabus possíveis na transmissão de Denver Broncos x Los Angeles Chargers sendo a primeira voz feminina a narrar o Monday Night Football desde 1987. Ela liderou os microfones da ESPN na vitória dos Broncos por 24 a 21 e já percebeu de cara o impacto que sua estreia iria causar – no estádio, uma jovem garotinha levou uma faixa com seu nome pedindo à ESPN uma vaga de estagiária para aprender com Mowins.

Ali a jornalista pôde entender que sua nova função no canal iria muito além da narração – teria a ver com inspiração de tantas meninas que agora podem sonhar em um dia ocupar esse mesmo lugar.

Essa é a parte positiva – e a parte que importa. Mas é claro que ela não passaria imune às críticas. E é claro que essas críticas pouco tiveram a ver com seu conhecimento do jogo – até porque Beth Mowins faz transmissões do futebol americano desde 2005 e também participou de partidas da Copa do Mundo de futebol feminino de 2011, então conhecimento e experiência não lhe faltam.

Os comentários negativos se limitaram a um fator preponderante para o público masculino que assistia ao jogo: Beth Mowins é uma mulher.

“Não sou machista…mas eu não fico tão animado vendo um jogo de futebol americano e ouvindo uma mulher narrando”, afirmou um dos espectadores da NFL nesta segunda-feira pelo Twitter.

Ainda bem que ele não é machista, né?

E infelizmente esse não foi o único. Muitos outros comentários como esse viriam ao longo das horas de transmissão. Houve quem dissesse que Mowins estava tentando “soar como um homem” na narração, houve quem dissesse que “simplesmente não dá para ver futebol com uma narradora” e houve ainda quem afirmasse que preferia “ver dois homens se masturbando a ver uma mulher divagando sobre futebol americano.”

“@bethmowins nada pessoal, mas homens veem esportes para não terem de ouvir suas esposas ou namoradas”, postou um.

“É horrível ouvir uma mulher narrando futebol americano”, escreveu outro.

Sequência de tuítes críticos à Mowins

Os comentários são tristes, mas eles ilustram perfeitamente por que é tão importante que Beth Mowins esteja ocupando este lugar de “primeira narradorA da NFL em 30 anos”. A ausência feminina nesse posto por tanto tempo abriu espaço para que as pessoas se acostumassem com algo que não poderia ser considerado “normal”. Afinal de contas, por que só homens podem narrar futebol americano? Por que, aliás, só homens podem narrar esportes em geral?

Li recentemente em um livro que uma coisa só pode ser considerada de um gênero específico quando ela precisar ser feita com algum dos órgãos que os diferem – usa o órgão sexual masculino para fazer? Então, ok, é de “menino”. Não usa? Então é de tod@s.

Mowins, inclusive, já disse compreender o “alarde” que se faz sobre sua estreia, mas encara a situação com a seriedade de quem apenas está começando em um novo emprego.

“Eu entendo o significado e entendo completamente a importância disso. Principalmente pelo aspecto de ter cada vez mais e mais mulheres jovens interessadas em entrar nesse mercado. Elas me reconhecem com mais frequência. Vêm até mim e me perguntam coisas, querem ouvir minha história. Eu amo isso, acho incrível. Mas eu me considero uma narradora em primeiro lugar. Estou mais interessada na essência do trabalho do que em qualquer coisa relacionada ao gênero”, disse à Sports Illustrated.

Sobre o que responderia aos comentários machistas que eventualmente receberia (a entrevista foi feita antes da estreia dela), Mowins disse:

“Vou encorajá-los a tentar assistir até o final e, se até esse momento, eles não gostarem do que fizermos, então isso é um problema deles, não meu. Eu não vou mudar nada do que eu faço para fazer as pessoas gostarem de mim.”

Dá para entender as pessoas “estranharem” uma voz de mulher narrando jogos de futebol, já que isso não acontecia há 30 anos na NFL – no Brasil, não acontece provavelmente desde a década de 1960, quando a Rádio Mulheres fazia uma transmissão feminina do futebol por aqui. Ninguém está acostumado com isso, porque não acontece. Mas isso não significa que não deveria acontecer.

Até outro dia, as mulheres também não usavam calças. A primeira que andou com uma na rua deve ter recebido olhares estranhíssimos. Houve tempos em que mulheres não trabalhavam em fábricas. Que não votavam. Que não faziam outra coisa, só as tarefas de casa. Mas os tempos foram mudando e hoje nada disso é “estranho” mais. Acostumamos.

Pois bem, ao que parece, todos esses homens terão mesmo de se acostumar com o fato de que agora, sim, haverá uma mulher narrando jogos da NFL. Para que, então, as gerações de filhos e netos deles não mais estranhem isso quando estiverem acompanhando as partidas. E para que um dia seja finalmente “normal” ver narradorAs tanto quanto ver narradorEs nas transmissões esportivas.

Era preciso que alguém quebrasse esse tabu, e Beth Mowins fez isso. Agora, não tem mais volta.

Faça parte dessa luta agora

Tudo que AzMina faz é gratuito e acessível para mulheres e meninas que precisam do jornalismo que luta pelos nossos direitos. Se você leu ou assistiu essa reportagem hoje, é porque nossa equipe trabalhou por semanas para produzir um conteúdo que você não vai encontrar em nenhum outro veículo, como a gente faz. Para continuar, AzMina precisa da sua doação.   

APOIE HOJE