Vem ver o vídeo sobre a polêmica do cu
Nenhuma parte do corpo humano causa tanto fascínio, medo e lenda urbana quanto o cu. Falar de brioco é proibido na mesma intensidade que não sai da boca do brasileiro. Basta reparar: a maior parte dos palavrões que a gente conhece tem ele no meio. Um fetiche curioso que, quase sempre, extrapola para uma vigilância sobre a forma com que cada um usa o seu. Mas quando é que o ânus, e a forma de usá-lo, deixa de ser algo íntimo e natural para virar alvo de fiscalização, julgamento e perseguição?
O mais perto que a gente chegou de olhar pro cu com bons olhos foi na antiguidade. Em algumas sociedades agrícolas da Mesopotâmia, ele era considerado sagrado. Sacerdotes dessas civilizações entendiam o sexo anal como um canal de conexão com os Deuses. Isso refletia na forma com que eles viam as relações homoafetivas e os orgasmos, considerados espirituais. Por ocuparem um lugar de valor, eles se dedicavam em criar posições sexuais homoafetivas.
Cu vira arte
Mas não era só para eles que o cu tinha valor. Com o povo Moche, civilização peruana de 100 anos antes de Cristo, a rosca ganhou um status artístico. Uma variedade de cerâmicas feitas por eles retrata pessoas fazendo sexo anal em posições variadas. Como não tinham o recurso da escrita, as esculturas serviam como forma de comunicação, registro do cotidiano e perpetuação de costumes.
Historiadores dão conta de que as imagens eróticas esculpidas falam sobre o prazer e a naturalização que os povos mochicos tinham com esse tipo de relação, mas também sobre a forma que eles encontravam para controlar a natalidade. “Há relatos e registros históricos que comprovam que eles praticavam mais sexo anal do que o sexo vaginal”, explica Breno Rosostolato, educador e terapeuta sexual.
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Beijo grego, mas também romano
Hábito também vivido pelos gregos. Para eles, o furico tinha um caráter pedagógico. Era comum e até desejável que um homem mais velho transferisse seus conhecimentos sobre esse território para rapazes mais jovens.
Na grade curricular do cidadão exemplar da Grécia tinha Filosofia, política, práticas militares e sexo anal. Sócrates, um dos maiores pensadores da época, dizia que a prática ajudava a trazer inspiração. Numa era pré-lubrificantes, foram eles que inventaram o beijo grego com a ideia de facilitar a penetração.
“Só havia uma regra de ouro que nenhum homem que se prezasse podia violar: devia ser sempre o agente ativo, e nunca um mero sujeito passivo (isso era coisa de mulheres, escravos ou efebos)”, explica a pesquisadora e terapeuta sexual francesa, Valérie Tasso, em trecho de artigo publicado pelo El País.
Não dá para deixar de fora dessa linha do tempo os romanos, com quem a fama do cu era igualmente boa. Na noite de núpcias, era comum que os homens praticassem sexo anal com suas esposas para respeitar a timidez das mulheres.
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Quando o cu é criminalizado
É com a reforma do catolicismo, em 1545, que as coisas começam a mudar. Nesse momento a igreja começa a pregar que o casamento é uma das coisas mais importantes na vida. Ele precisa ser feito na presença de sacerdotes e testemunhas, e não pode ser rompido. Para organizar a vida íntima desses casais surgem os “Manuais de Confessores”.
Nesses manuais o sexo passa a ser ensinado como a forma que Deus encontrou para os seres humanos procriarem. “Então é importante que essa coisa seja rápida, nada de trocas eróticas, nada de carícias. E as posições são pré-determinadas”, explica Mary Del Priore nesse vídeo. O sexo, antes praticado livremente, começa ganhar uma embalagem de censura e pecado.
Repressão sexual que piora e se generaliza com as visitas da Inquisição no Brasil, em 1591. “Os inquisidores vinham atrás dos pecados da carne e aqui encontram relações homoeróticas, sexo anal, sexo oral”, conta Mary Del Priore. O nome dado ao crime de fazer sexo anal com outro homem era “sodomia perfeita”. Os praticantes eram punidos na fogueira.
Outro argumento religioso que depõe historicamente contra o cu é a bíblia. Quem usa o livro sagrado para condenar o sexo anal interpreta a história de Sodoma como uma cidade punida por Deus porque seus moradores transavam uns com os outros. Estudiosos, porém, vão dizer que o pecado da região foi a falta de hospitalidade e não a expressão da sexualidade.
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Médicos contra o cu
Se a igreja domina a sexualidade das pessoas até o início do século 19, com o surgimento das escolas de medicina, o cu vira alvo dos médicos. É nesse período que a homossexualidade passa a ser vista como uma doença e coisas como beijar, sentir prazer ou tocar o próprio cu, ou de outra pessoa, é visto como um sintoma. Foi só no dia 17 de maio de 1990 que esse erro foi corrigido e a homoafetividade foi retirada da Classificação da Organização Mundial de Saúde (OMS), mas a repressão causada pela igreja, pelos médicos e com a autorização do Estado já tinha feito um estrago.
Homens héteros chegam ao século 21 com medo de tocarem ou se deixarem tocar para não arranharem a própria ideia de masculinidade. E quando não conseguem controlar o próprio desejo, se colocam em risco. Mulheres ainda são convencidas de que o único bom argumento para sentir prazer ali, é se for para agradar os seus parceiros.
E enquanto isso, o único lugar que parece que o cu tá de fato liberado é no palavrão, que culturalmente é algo ruim, mas, ao mesmo tempo, tá sempre na boca do povo. “O cu existe para ser livre e não para viver dentro de clausuras. Ele é plural, identitário, erógeno, prazeroso e busca sua satisfação. Libertem o cu”, finaliza Breno Rosostolato, educador e terapeuta sexual.