Há dez anos, exatamente no dia 7 de agosto, era sancionada a lei 11340/06, mais conhecida como Lei Maria da Penha. Essa legislação não só criou mecanismos para prevenir e punir agressores de mulheres, mas mudou o cenário da violência doméstica no Brasil: desde seu nascimento, o número de homicídios de mulheres caiu em 10%, segundo dados do IPEA, e, hoje, 98% da população brasileira tem conhecimento sobre a lei, segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto Patrícia Galvão.
E tudo isso não seria possível se não fosse pela mulher que dá nome ao texto legal: Maria da Penha. Nascida em Fortaleza em 1945, ela foi vítima de muita violência nas mãos de seu ex-marido por mais de quatro anos. Ele tentou mata-la duas vezes, em 1983. Na primeira, com tiros, e na segunda, eletrocutando-a . Como resultado, Maria perdeu o movimento das pernas, mas também começou sua longa batalha por justiça.
Uma luta que demorou muito para ter consequências. O julgamento de Marco Antônio Heredia Vieros levou 19 anos para terminar e resultou em apenas dois anos de cadeia.
Com o livro “Sobrevivi… Posso contar”, no qual relata tudo o que ela e suas filhas viveram, ela conseguiu visibilidade de diversos órgãos internacionais para o problema, entre eles a Organização dos Estados Americanos (OEA), que condenou o Brasil por negligência no caso de violência doméstica. Só assim o Brasil reconheceu a necessidade de criar mecanismos para lidar com a violência doméstica e teve início um longo trabalho que reuniu governo, juristas, ONGs e representantes do movimento feminista e deu origem à lei 11340/06.
E agora, dez anos depois, Maria da Penha conta em entrevista para AzMina como enxerga os resultados da lei e a violência doméstica no Brasil.
AzMina: Como você vê os resultados da Lei Maria da Penha nesses dez anos no Brasil?
Maria: As próprias estatísticas mostram que, nos locais onde a lei foi devidamente implementada, o número de denúncias aumentou. Veja bem: isso não quer dizer que a violência aumentou. Quer dizer, isso sim, que as mulheres passaram a acreditar nas instituições e começaram a denunciar mais.
AzMina: E por que você fala “em lugares em que a lei foi corretamente implementada”?
Maria: Eu quero dizer que, para a lei sair do papel, ela precisa ter as políticas públicas e a rede de amparo à mulher. E isso nós temos, hoje em dia, em todas as capitais brasileiras, mas os médios e pequenos municípios ainda estão muito desassistidos em relação a essa implementação.
AzMina: Qual você acredita que é o principal empecilho para que essa implementação aconteça?
Maria: Eu entendo que é a cultura machista que abrange a sociedade em geral. Nessa sociedade estão incluídas as gestões públicas, né? E essas gestões não se preocupam com essa parcela da população que é maior do que a dos homens.
AzMina: Você acredita que a lei Maria da Penha mudou o imaginário da população brasileira em relação à violência doméstica?
Maria: Sim, até porque, por conta da mídia que tem dado destaque a esse tipo de crime, 98% da população tem conhecimento da Lei Maria da Penha, não só as mulheres.
AzMina: Quais você acredita que são os próximos passos que a sociedade brasileira tem que tomar no combate à violência doméstica?
Maria: Então, a gente sabe que a denúncia tem acontecido por conta da criação dessa rede nas capitais. Isso não quer dizer que a violência aumentou, quer dizer que as mulheres se sentiram mais seguras para denunciar e por isso o número de casos aumentou.
Mas, nos próximos dez anos, eu gostaria que a gente conseguisse que a lei funcionasse em todos os médios municípios, que a rede funcionasse em todas as instâncias do país.
E a implementação da lei deve ser feita nesses municípios médios para que as mulheres se sintam seguras para denunciar tanto quanto as mulheres das grandes cidades. Depois, essa rede precisa se estender também para os municípios menores.
AzMina: Você acha que, se tivesse passado hoje em dia tudo o que passou, com a Lei Maria da Penha existindo, a sua história seria diferente?
Maria: Olha, eu sinceramente eu não sei fazer esse balanço por uma coisa que não aconteceu. Eu só sei que a lei aconteceu pela minha luta pessoal, e por causa de tudo o que vivi.
Errata: Ao contrário do que foi publicado originalmente na reportagem, Maria da Penha foi vítima de violência doméstica por cerca de cinco anos e não 20. (06/08/2019)