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Nana Queiroz
13 de julho de 2022

O que o caso do anestesista estuprador tem a ver com como você cria seu filho

"Nem todo homem, mas quase sempre um homem"

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coluna nana anestesista estuprador

Vamos começar do começo. Você me diz:

— Nem todo homem é estuprador. Poucos homens fariam o que ele fez.

E eu respondo:

— Claro, NEM TODO HOMEM criado em nossa cultura machista se tornará um estuprador. Mas você já reparou que é QUASE SEMPRE UM HOMEM? Que são estatisticamente irrelevantes os casos de mulheres que estupram?

Por que será que isso acontece? A primeira boa notícia é que os avanços da neurociência estão derrubando por terra a ideia de que o cérebro do homem seja diferente do da mulher por natureza. Não é verdade que eles sejam pré-programados para a violência e pro sexo a todo custo.

Quando um menino nasce, a parte racional do seu cérebro é tão capaz de desenvolver o controle da raiva e do impulso sexual quanto uma menina. É o que a gente faz com este cérebro que vai fazer a diferença. Como o cérebro é muito plástico – ou seja, moldável – a gente esculpe nossos meninos para a violência ao privar eles do auto controle.

Eita, como assim?

Quando a gente diz pra um menino “homem não chora” e inibe suas emoções, a gente não ensina a eles como lidar com emoções negativas, como a raiva, por exemplo. Logo, o cérebro deles não aprende como se controlar.

E não é só isso:

Muitos meninos apanham de seus pais e mães: assim ensinamos que a violência não só é válida como é um “gesto de amor”;
Ensinamos que sexo deve ser perseguido a todo custo: dizemos que meninos que não aceitam iniciativas sexuais são “maricas”;
Iniciamos eles sexualmente com abuso sexual: muitos ainda na infância são levados a prostíbulos e forçados a transar com mulheres adultas;
Dizemos que as meninas são diferentes deles e tudo que elas fazem é de menor valor: “não seja mulherzinha” é a frase de desaprovação favorita;
Cristalizamos a ideia de que mulheres são inferiores e objetos a seu serviço: já que as mulheres da família vivem para servi-lo e fazer as tarefas da casa que geram seu bem-estar.

Leia mais: Sexo como máscara do vazio afetivo

E isso a ver com o estupro?

Tudo!

1) Você não ensinou ao menino auto controle.

2) Disse pra ele que as mulheres existem para servir a ele e seus prazeres

3) Disse pra ele que perseguir o sexo a todo custo é coisa de homem

4) Através da iniciação sexual, disse pra ele que estupro é ok.

Essa é uma receita desastrosa. No extremo, produz caras como esse anestesista que estuprava gestantes desacordadas. Mas também produz adolescentes que abusam de crianças da sua convivência; jovens que estupram moças bêbadas e desacordadas em festas, caras que não entendem que esposas também podem dizer não ao sexo.

E gente, não precisa ensinar nada pros meninos: é só não ensinar o machismo. Afinal, ninguém nasce machista!

* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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