O professor de psicologia e economia comportamental americano Dan Ariely diz que, quando os alpinistas contam as histórias de suas escaladas em livros, não enfatizam os caminhos floridos e as vistas magníficas. Mas sim seus tormentos. Queimaduras, dificuldade de andar, frio, fome. E que se essas pessoas quisessem apenas ser felizes, elas chegariam ao topo com a sensação de aquela escalada tinha sido um erro terrível e que nunca mais fariam aquilo. Mas elas fazem.
Mudar de carreira é assim. Desde que decidi largar o jornalismo para criar e tocar uma empresa de móveis autorais, eu tenho dormido pouco, sofrido de dores no pescoço, ido muito pouco ao cinema, faltado às aulas de dança e por aí vai. Inclusive terminei um noivado. Mas não tenho a sensação de que foi um erro terrível. E ainda nem cheguei ao topo.
Este é um relato de mais uma alpinista.
O primeiro obstáculo foi a falta de auto-conhecimento. Eu sabia que, se continuasse escrevendo sobre macroeconomia, por mais importante que fosse o jornal em que trabalhasse, teria sempre uma falsa impressão de propósito. Mas nunca tinha sequer considerado outra carreira.
Aquela falsa sensação de importância e um pouco de vaidade me seguravam na empresa horas a mais do que o previsto no contrato e me sequestravam a tranquilidade necessária para investigar o que eu queria de verdade. Eu estava sempre no piloto automático.
Foi só quando, por uma questão conjuntural (aka noivo), tive que me mudar de cidade e consegui botar minha vida em perspectiva. Escolhi, conscientemente, um emprego que significaria um passo atrás na carreira, mas me daria mais flexibilidade e tempo livre pra procurar coisas que me dão prazer.
E aí entra o segundo obstáculo: vaidade. Sair de um dos maiores meios de comunicação do país para trabalhar em uma agência que ninguém fora do mercado financeiro jamais ouviu falar não é exatamente fácil. A minha avó, que semanalmente mostrava meu nome impresso na revista para os vizinhos, não se conformava com a perda de status. Mas paciência. Meu caminho era outro. Eu só precisava descobrir qual. E ele apareceu na minha frente, quase sem querer.
No meu tempo livre – que era muito maior do que antes -, eu comecei a me descobrir.
Fiz vários cursos e dei vazão a hobbies. Acabei percebendo que meu caminho estava no design. Amo projetar, construir e decorar. Comprei uma serra elétrica para usar dentro de um apartamento (por que não?) e comecei a fazer meus próprios móveis. A resposta dos amigos foi bastante positiva e comecei a receber encomendas.
A sensação de realização foi imediata e decidi me profissionalizar. E aí vem o terceiro obstáculo: resiliência. Fiz cursinho, passei no vestibular para arquitetura na UnB e, até aprender algo que me desse a mínima base técnica e teórica, foram dois anos e meio. Dois anos e meio trabalhando durante o dia e estudando à noite, fazendo trabalho de faculdade nas horas livres e nunca me divertindo com meus amigos, com meu noivo e comigo mesma. O noivado acabou, claro. Não sei que horas eu pretendia planejar alguma festa de casamento.
Quando terminei meu relacionamento, achei que o universo estava me dando um recado cósmico e decidi partir para terceira fase de sofrimento: virar microempresa. Enquanto ainda trabalhava como jornalista, tranquei a faculdade e comecei a projetar móveis sob encomenda, participar de exposições, fazer cursos. Depois de um ano, fechei uma coleção e acabei de lançar meu ecommerce de móveis e produtos de decoração: www.moblia.com.br.
A sensação foi de andar 50 km, chegar a um pico e avistar uma placa onde se lê: “Parabéns! Você conquistou a opção de andar mais 100 km até o segundo pico”. Eu conseguia ver o topo da montanha, mas não tinha mapa pra chegar até lá.
Sentei, chorei, levantei, bati no peito e pensei que, como já conheço o caminho de volta, prefiro ir adiante.