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Doutora em Antropologia, Cleidiana Ramos ainda é questionada por pesquisar o Carnaval

Ela conciliou o jornalismo e a carreira acadêmica por anos, sempre tentando interpretar a simbiose da Bahia com a festa, que ela garante “dá muito trabalho”

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Cleidiana Ramos, mulher negra, professora visitante na Universidade do Estado da Bahia (Uneb) e doutora em antropologia, é uma estudiosa do tema Festa e Memória. Embora a carreira tenha caminhado para o magistério, sua vida foi no jornalismo, cujo diploma recebeu em 1998, na Universidade Federal da Bahia (Ufba). Curiosamente, ela não sabe de onde veio o desejo pela profissão. “Aconteceu.”

Não havia ações afirmativas nos anos 90, e a concorrência para ingressar na universidade foi alta. Só não é mais difícil do que a batalha para permanecer lá. “Era uma escolha: ou você se forma, ou você trabalha para se manter. Com muito sacrifício dos meus pais, resolvi que ia me formar o mais rápido possível para começar a trabalhar”. O desafio envolveu deixar Iaçu, no interior da Bahia, para viver em Salvador. Ela até brinca que é baiana em todas as camadas. “Nasci no Recôncavo, cresci no Sertão e vim pra capital”.

Seu trabalho de conclusão de curso, sobre o Movimento Agrário que sacudiu a Bahia nos anos 70 e 80, recebeu recomendação para publicação, e virou o livro-reportagem Os caminhos da Água Grande, publicado pela editora da Assembleia Legislativa da Bahia. Nessa mesma época, ela estreou no jornal A Tarde, onde continuaria por 17 anos. 

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“Sempre tive proximidade com assuntos de culturas do ponto de vista da antropologia, e cada vez mais fui entrando nesse universo”, explica. O mergulho resultou num caderno especial publicado por 12 anos no, então, maior jornal do estado, sobre negritude e racismo. Para falar sobre a questão racial, tão central ao povo baiano, a pesquisadora revisitou imaginários e conceitos, inclusive “o racialismo científico de Nina Rodrigues”. 

Após nove anos na jornada pelo jornalismo de profundidade, percebeu que precisava voltar a estudar. Decidiu por um mestrado em estudos étnicos africanos da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FFCH/UFBA). “Foi minha primeira experiência com ciência de fôlego: fazer um trabalho de uma dissertação de mestrado. Mas continuei trabalhando”.

Cleidiana também fez doutorado na mesma universidade, e diz que se não enlouqueceu durante os anos na pós-graduação – com o volume de trabalho profissional e acadêmico, e a vida andando sem trégua – não vai mais. Ela pesquisou as festas no doutorado, tema da edição da Olha o que ela fez!, e ressalta o olhar preconceituoso sobre as pesquisas acerca das festas e do Carnaval, ainda que sejam manifestações populares extremamente importantes, principalmente na Bahia. 

“Festa é algo muito sério”, defende. “Me fascina a coexistência de um calendário civil e um Calendário Mágico” compara, se referindo a práticas que são pouco pragmáticas e não estão presentes o tempo todo na vida comunitária, mas impulsionam o cotidiano. “Quando você olha para os calendários, o ano novo só vai começar no dia 19 de fevereiro, segunda-feira depois do Carnaval”, diz a pesquisadora. 

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Confirmando a fala popular de que o ano só começa depois do Carnaval, Cleidiana explica que, nas regiões onde a festa tem lugar de destaque, age-se como se a vida estivesse normal, mas algumas coisas só vão funcionar depois. Ela dá o exemplo de editais que só são publicados depois da festa, quando as universidades também voltam a funcionar. “Festa dá muito trabalho, e pode ter certeza que a Bahia sobrevive da festa porque essa indústria é algo muito complexo e muito grande”, incluindo serviços de bar e restaurante, hospedagem, comida de rua, guias turísticos, transporte público e privado, cultura, entretenimento, passeios marítimos e muito mais. 

Apesar de viver em Salvador, cidade onde a festa e o Carnaval são estruturais, a cientista explica que a pesquisa nesse campo ainda é um desafio. “As pessoas têm uma ideia de que ciência é química e física, ciências exatas. ‘É sério, o que você vai estudar no Carnaval?’, é o que perguntam. Mas a festa é uma chave para compreender Salvador, compreender a Bahia”.

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