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28 de fevereiro de 2018

O machismo me faz ter medo de trocar uma torneira

"É o medo de colocar um homem desconhecido dentro da sua casa, fechar a porta e pedir aos céus que ele seja um cara legal que vai consertar sua torneira e ir embora".

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Quem senta no Divã de hoje é a Bárbara Mengardo.

Foto: Pixabay

Medo de trocar uma torneira: eu já tive.

Mas não se trata de algum tipo de fobia ou algo assim. Na verdade eu – como a maioria da população, acho – tenho horror àquele barulhinho de torneira pingando. Aquele som contínuo que te tira o sono e ao mesmo tempo te faz sentir a pessoa mais ecologicamente incorreta do século XXI.

O medo aqui é outro, e vem do fato de ser mulher e não morar com um homem. É o medo de colocar um homem desconhecido dentro da sua casa, fechar a porta e pedir aos céus que ele seja um cara legal que vai consertar sua torneira e ir embora.

Paranoia? Antes fosse. E para não deixar a dúvida, conto a história aqui.

Tudo começa com o barulhinho da torneira pingando. Vou deixando, deixando, deixando… até que um dia o trem quebra de vez. Água para todo lado. Fecho o registro e começo a procurar na internet como fazer o conserto.

Tenho que dizer que essa história de buscar na internet como se faz as coisas é recorrente na minha vida, e não vem só da minha vontade de ser independente. Vem também do medo do assédio e do medo de ser enganada.

Quantas vezes não cheguei em um posto de gasolina, por exemplo, e fui informada de que tinha que trocar o óleo do meu carro. Nessas horas já venho preparada: sei a cor certa do óleo, sei a quilometragem para a troca. Tudo para não ser enganada por um frentista que acha que eu não sei nada de carro porque sou mulher.

Mas vamos voltar à torneira. Faço de tudo, mas não consigo tirar a peça. É, o jeito é chamar o faz-tudo.

Ele chega, e enquanto vê a torneira e outros consertos da casa começa a perguntar.

“Quantas mulheres moram por aqui?”

Digo que três e amaldiçoo a minha incapacidade de mentir – deveria ter dito que moro com o meu namorado, que deve estar voltando da academia em cinco minutos.

O faz-tudo faz as contas mentais: três mulheres, duas camas. Agora estou vulnerável duas vezes: além de ser mulher ele sabe que sou lésbica.

As perguntas não param.

“Mas uma moça bonita que nem você não tem namorado?”

“Porque não quer ou por que não achou?”

“Isso daqui é muito fácil de consertar, mas não vou te ensinar porque senão você não me chama de novo”

“Não tem nada mais para consertar? Que pena, estava gostando tanto de ficar aqui com você”.

Enfim o serviço acaba, e eu levo o moço até a porta que, não coincidentemente, ficou destrancada durante todo o atendimento. Fecho com aquela sensação ruim que é uma mistura de raiva, medo, decepção e culpa.

Não consigo deixar de ouvir aquela vozinha dentro da minha cabeça que diz que algo de ruim poderia ter acontecido e a culpa seria minha por ter trazido um cara qualquer para a minha casa.

Penso que da próxima vez vou chamar um amigo para me acompanhar, mas logo me censuro. Preciso ter um homem ao meu lado para que outro homem me respeite?

A raiva persiste ao longo do dia, e o medo muda de lugar. Afinal, logo logo algo mais vai quebrar.

 


Também tem um desabafo para fazer ou uma história para contar? Então senta que o divã é seu! Envie seu relato para liane.thedim@azmina.com.br 

 

* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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