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16 de setembro de 2015

Desafiei a sociedade indiana para casar por amor

Neha conta como ultrapassou barreiras de casta e religião e como outras mulheres enfrentam desafios ainda maiores.

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[fusion_text]De Nova Délhi, na Índia

 

Criada por uma família de classe média em New Delhi, sempre tive amigos de todas as religiões, classes sociais e regiões da Índia. New Delhi é uma metrópole e, por isso, sempre recebeu gente que vem de todos os cantos do país em busca de uma vida melhor. Depois de estudar em uma escola cristã (essas instituições são parte do legado britânico e ainda consideradas entre as melhores do país), ser influenciada pelo siquismo, uma religião muito diferente do hinduísmo apesar de também ter surgido na Índia, e completado meu mestrado em uma universidade muçulmana, acredito ser uma hindu liberal que tentou conhecer e entender todas as religiões ao seu redor.

Meus pais são extremamente liberais se comparados a outros pais indianos e nunca se opuseram que eu tivesse amigos de outras religiões – acredite se quiser: muitas garotas na Índia têm problemas com isso e seus pais têm regras muito claras sobre quem pode e quem não pode ser seu amigo.

Quando eu, uma hindu da casta dos guerreiros (há quatro castas principais na Índia – sacerdotes, guerreiros, comerciantes e prestadores de serviço – nesta ordem de “superioridade”) comecei a namorar um muçulmano, há mais ou menos cinco anos, um monte de gente ficou reticente. Nem os meus pais nem os dele sabiam de nosso namoro, o que prova que já prevíamos que teríamos problemas.

Dois anos depois, quando minha irmã mais velha se casou, chegou a minha vez de me casar. O casamento continua sendo uma parte central da sociedade indiana. Uma pessoa, mas acima de tudo uma mulher, só é considerada “completa” depois que ela se casa. O casamento da minha irmã foi um casamento por amor e ninguém se opôs a isso. Bom, acho que devia explicar o conceito de casamento por amor e casamento arranjado na Índia. Casamento por amor, segundo os indianos, é quando um homem ou uma mulher encontra um parceiro por conta própria, se apaixona por ele/ela e então decide se casar depois de informar ou convencer seus pais de que se trata de uma boa escolha. Essa é, supostamente, a forma como ocorrem os casamentos ao redor do mundo todo. Mas, para os indianos, isso é apenas uma modalidade de casamento chamada casamento por amor.

O tipo preferível de casamento no país é ainda algo que chamamos de casamento arranjado. De acordo com as estatísticas, mais de 60% dos casamentos indianos hoje é arranjado. Na maioria dos casos, a garota ou o garoto que vão se casar não tem muito espaço para dar opinião no assunto e são os pais, os avós ou os parentes que sugerem o “par adequado” e, depois de apenas alguns encontros, a maioria deles só entre os anciãos das duas famílias, o casamento acontece.

FOTO: Arquivo pessoal
FOTO: Arquivo pessoal

Voltando ao caso da minha irmã, que se casou por amor, seu noivo não era do mesmo estado, mas era hindu. O meu cunhado é de um estado chamado Tamil Nadu, no sul da Índia, e nós somos originalmente de outro estado chamado Punjab, no norte do país, apesar de a família do meu pai já estar há duas gerações em Delhi. Meu cunhado também é de outra casta, a dos sacerdotes, porém, como se tratava de uma casta “superior”, ninguém em minha família se opôs a essa união.

Mas eu estaria mentindo se dissesse que casamentos entre castas diferentes de hindus não são um problema na Índia. Casamentos entre castas distintas têm alimentado mais e mais violência em meu país, já que muitas pessoas resistem em romper com as tradições.

Muitas pessoas ainda acreditam que é preferível matar mulheres que desejam se casar com homens de fora de sua casta a deixar que tragam desonra para o nome da família. Esses assassinatos foram erroneamente chamados de “assassinatos de honra”, uma vez que a justificativa do assassino é estar protegendo o nome de sua família perante a sociedade. Não há dados oficiais sobre esse tipo de crime, mas um estudo estima que centenas de pessoas sejam mortas todos os anos por tentarem se casar fora de suas castas. Em 2011, a Suprema Corte da Índia decidiu que os perpetradores de assassinatos de honra deveriam sofrer a pena de morte.

A mídia indiana tem dado especial atenção aos crimes de honra nos últimos anos, mas muitos deles ainda não são reportados. Em um dos casos mais brutais, o pai matou a própria filha de 21 anos porque ela fugiu de casa para se casar com um homem de uma casta diferente. Fugir de casa para se casar com alguém que você ama é considerado uma grande humilhação para a família e tanto o homem como a mulher “fugitivos” são desprezados socialmente depois disso.

E não é só a casta que apresenta um problema. Casamentos entre homens e mulheres de diferentes regiões, classes e grupos sociais são problemáticos na maior parte do país. Mas o casamento entre pessoas de religiões diferentes é ainda mais polêmico.

Quando disse a meus pais que queria me casar com um homem muçulmano, eles ficaram chocados. A mãe do meu marido parou de falar sobre casamento no momento em que ele mencionou que se casaria com uma mulher hindu. É importante frisar que, na Índia, os pais quase sempre pentelham seus filhos para se casarem o quanto antes. Nas cidades, a idade ideal de casamento para a mulher é 25 anos e, para o homem, 27-28. Meu marido tinha 29 anos quando começamos a falar em casamento, por isso é particularmente estranho que a mãe dele não quisesse falar no assunto.

Nós finalmente nos casamos no outono de 2013, mas não sem resistência das famílias dos dois lados. Fomos aconselhados a desistir da ideia por parentes que moravam no país e fora dele. Enquanto alguns deles apenas se restringiam a ligações, outros acharam importante ir até nós pessoalmente para nos fazer entender o quão tola e equivocada era nossa decisão.

O casamento na Índia nunca é uma decisão individual, ou do casal, mas das duas famílias, que precisam se envolver coletivamente e tomar a decisão de concordar com a união.

FOTO: Arquivo pessoal
FOTO: Arquivo pessoal

Não me entenda mal – não sou nem um pouco contra os casamentos arranjados que ocorrem em meu país. Já vi muitos exemplos de casamentos arranjados de sucesso, a começar pelos meus pais, que só tinham se visto duas vezes antes de se casarem – e ainda por cima acompanhados de um monte de parentes em cada visita.

A taxa de divórcio em nosso país é bem baixa, 1 em cada 100 casamentos, e alguns veem nisso um sinal de que há alguma fórmula secreta para fazer com que os casamentos arranjados funcionem. Se compararmos, por exemplo, nosso país aos Estados Unidos, onde a taxa de divórcio é de 50%, o argumento se torna ainda mais forte e serve para que muitos indianos justifiquem a validade, a integridade e longevidade dos casamentos arranjados e se desfaçam dos casamentos por amor.

E é nesse ponto que eu discordo. Casamentos arranjados foram um sucesso no passado, mas o país e sua juventude estão mudando. Nós, enquanto indianos, precisamos aceitar que nossos jovens são capazes de encontrar seus próprios parceiros e não precisam que suas famílias façam isso por eles. Aceitar pessoas de outras castas, regiões e religiões e dar às mulheres a mesma liberdade de escolha que aos homens são os primeiros passos para alcançarmos uma sociedade mais aberta e liberal.[/fusion_text]

* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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