“Quando eu tinha uns 16 anos, minha mãe – separada do meu pai desde os meus 12 – começou a namorar um sujeito que parecia promissor, divorciado, pai de três filhos. Haviam se conhecido na internet e minha mãe nem estava tão empolgada no começo, mas eu dei a maior força. Depois de algumas barcas furadas, ela merecia encontrar um cara legal, viver uma história de amor.
Meu encantamento, porém, se desfez em pouco tempo. Na segunda ou terceira vez em que nos encontramos, ele me interpelou e passou a criticar de forma grosseira o meu então namorado, com quem nunca tinha cruzado na vida, supostamente porque o vira dirigindo de maneira imprudente. Não que o meu namorado fosse grande coisa (não era), mas a prepotência daquele homem me enfureceu. Nem meus pais falavam daquele jeito, quem ele pensava que era?
Eu manifestei o meu descontentamento para minha mãe e ela se apressou em dizer que ele não fizera por mal, estava apenas preocupado comigo. Algumas semanas depois, ela anunciou que iríamos todos morar juntos. Eu fiquei desconcertada, tinha a sensação de que estávamos sendo atropeladas.
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Não conseguia entender como a minha mãe, aquela mulher forte, potente, que cuidava de duas filhas praticamente sozinha, estava aceitando de forma tão passiva acordos e ordens de um homem que acabara de conhecer. Supus que estava cega de paixão, juntei minha incompreensão à rebeldia típica da adolescência e vivemos momentos bem difíceis. Cheguei a ficar alguns meses sem conversar direito com ela, depois que passei a morar com meu pai em outra cidade.
Sabia, no fundo, que havia mais coisas por trás dessa história, coisas que eu não era capaz de entender plenamente.
O tempo passou, minha mãe conseguiu terminar aquele relacionamento depois de seis longos anos. Recentemente, tivemos uma conversa sobre o que aconteceu naquela época. Eu, hoje uma feminista assumida, com entendimento sobre o que significa um relacionamento abusivo, queria saber o que havia se passado exatamente, como ela conseguiu se desvencilhar dessa teia que tanto impactou a nossa família.
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Me contou inicialmente ter achado o máximo um namorado/marido tão preocupado, que sempre queria saber onde estava, com quem, que horas voltava. Acostumada a se virar sempre sozinha, encontrou conforto naquele cuidado. Mas não tardou para surgirem verdadeiras sessões de tortura psicológica, em que ela precisava jurar, por horas, que não havia transado ou dado em cima de homens aleatórios (que ela nunca tinha visto).
Certa vez, relatou, eles estavam de viagem e ao descerem para jantar no restaurante do hotel cruzaram com um grupo de homens, que falava alto e ria. Assim que se sentaram à mesa, meu ex-padrasto passou a especular: “Você deu para qual deles? Eu sei que você deu.” O “interrogatório” durou a noite toda, minha mãe exausta, argumentando que sequer os conhecia, até que não aguentou mais e “confessou”: “Dei! Para todos! Várias vezes.” E o marido dela arrematou: “Está vendo? Você não presta.”
Episódios assim se repetiram não uma nem duas, mas inúmeras vezes. Meu ex-padrasto tinha ciúmes do passado, do presente e do futuro e, claro, chamava a ex-mulher de louca. Por sorte, o tempo passou e ele perdeu o interesse em minha mãe. A traiu e deixou de sufocá-la com seu comportamento abusivo. Ela reuniu forças e se separou.
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Quando eu perguntei a ela o que tirava dessa história toda, me disse algo mais ou menos assim: Nós, mulheres, nunca estaremos imunes a esse tipo de situação, por mais poderosas e esclarecidas que sejamos. Sempre pode vir alguém cheio de afeto e soluções afetivas miraculosas. E aí acabamos tomando qualquer coisa que a pessoa fale ou faça como verdadeira. E eles nos destroem.
Fiquei pensando que é exatamente isso. Já ouvi histórias parecidas de amigas independentes, donas da própria vida, mas que viraram um trapo nas mãos de abusadores – e veja que falo “apenas” de abuso psicológico, verbal. O único caminho preventivo, acredito, seja estarmos perto de outras mulheres, nossas irmãs e amigas, que podem nos ajudar a enxergar o perigo. Que fiquemos, portanto, sempre unidas.”
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