Nascida e criada em São Paulo, aos 6 anos Renata Wasserman já disputava com o pai partidas de dama que viraram um ritual antes de dormir. Ao lado dos irmãos, montava e desmontava aparelhos trazidos por ele, todos sem funcionar. Um dia, a aventura deu certo. Talvez fosse um prenúncio do futuro, quando Renata se tornou Doutora em Ciência da Computação. Seu tema de pesquisa é o dessa edição da #OOQEF: inteligência artificial.
Embora a família não comemorasse o Natal, foi no final de um ano que o pai chegou em casa com um computador de presente. Foi num TK82C, aos 12 anos, que Renata aprendeu a programar em Basic (linguagem de programação lógica). Ao longo da vida de estudante, pensou até em estudar física, mas escolheu o mundo dos computadores que conheceu ainda criança.
Ser cientista não era sua meta, muito pelo contrário. Saiu da graduação direto para o mercado de trabalho. Em um ano passou por três empregos. “Eu achava o começo muito legal, aprendia um monte de coisa, mas depois achava tudo monótono. Aí percebi que eu queria estar sempre aprendendo”.
Durante um estágio na Europa veio a ideia de fazer Mestrado. O diploma de graduação brasileiro não era aceito. Ela pensou em voltar ao país, cursar o Mestrado, para então voltar a trabalhar no exterior. Isso nunca aconteceu. A ciência e a pesquisa a tinham fisgado. “Voltei para a Europa, mas para fazer o Doutorado na Holanda”.
O ambiente era diferente. Renata era sempre a única mulher na área da computação em conferências e eventos. E ainda surgiu um detalhe: a maternidade. Colegas homens a convidavam para passar meses fora, em projetos muito interessantes, mas ela explicava que não poderia largar a família. Eles argumentavam que também tinham filhos, mas viajavam. “Eu dizia ‘tá, mas o que sua esposa faz?”. A resposta se repetia com frequência: “ela não trabalha e vem junto com as crianças”. A pesquisadora fazia questão de defender seu ponto: “então, no meu caso, a esposa sou eu, e eu trabalho”.
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Há anos trabalhando com inteligência artificial, ela comenta sobre a urgência do debate sobre racismo algorítmico, tema de um artigo dessa curadoria. “Por exemplo, se na base de dados só tiver pessoas brancas, o sistema vai ter dificuldade de identificar pessoas negras. Mas, se o sistema de dados mostra a população carcerária, onde maioria são negros, ele vai aprender que quem deve ir para cadeia são as pessoas negras”.
Segundo Renata, esses algoritmos não têm uma compreensão ou consciência, e trabalham com estatística, verificando padrões. “É um dos maiores problemas desses sistemas, pois eles projetam para o futuro o que acontecia no passado”. Em outras palavras, os algoritmos extraem padrões de uma base de dados coletada no passado para ações do presente. Além da própria assincronia do processo, as bases de dados enviesadas podem replicar problemas no futuro.
Das grandes conquistas em sua carreira na ciência, formar seus alunos é sempre um grande orgulho. Também tem um papel importante na memória o período de obtenção da Livre-Docência, quando acumulava o cuidado com uma filha pequena e um bebê na barriga, já no fim da gravidez. “Meus colegas homens queriam me convencer a esperar, e a banca era formada só de homens e todos meio desesperados ali com meu barrigão. Mas eu estava super plena”.
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A tradição de montar e desmontar coisas já não é tão viva, mas a curiosidade ficou, e renasce através das novas gerações de mulheres na pesquisa e na tecnologia. “A gente não sabia dar nomes aos incômodos. Fui aprendendo muito com outras colegas que entraram 10 anos depois de mim, com as alunas, e é claro, com minha filha. Hoje em dia, cada vez mais tem mulheres se juntando, e apoiando, e acho isso importante”.