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O Bolsa Família está empoderando as mulheres?

A Lei do Bolsa Família define que as mulheres devem ser as titulares preferenciais do benefício, isto é, elas devem ter o cartão em seu nome e ser as responsáveis pelo saque do benefício

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Este artigo foi escrito por Letícia Bartholo, socióloga, mestre em Demografia, gestora federal, pesquisadora do Ipea e pesquisadora associada ao IPC-IG. Foi Secretária Nacional Adjunta do Bolsa Família entre 2012 e 2016.

O Programa Bolsa Família atende cerca de 13,8 milhões de famílias brasileiras nas quais vivem 46 milhões de pessoas – os 25% mais pobres da população brasileira. Essas famílias recebem, em média, um benefício mensal de R$ 182.

As famílias do Programa devem cumprir condicionalidades nas áreas de saúde e educação: gestantes devem realizar o pré-natal, nutrir-se bem, fazer o acompanhamento de saúde da mãe e do bebê e crianças de até 6 anos, cumprir o calendário de vacinação; pessoas de até 15 anos devem frequentar 85% das aulas e aquelas entre 16 e 17 anos, 75% do calendário escolar.

A Lei do Bolsa Família define que as mulheres devem ser as titulares preferenciais do benefício, isto é, elas é que devem ter o cartão em seu nome e ser as responsáveis pelo saque do dinheiro.

Essa característica do Programa, junto com as condicionalidades, gera intensos debates sobre qual seriam os efeitos do Bolsa Família sobre as relações de gênero. Analisei a questão em uma pesquisa recente para o para o IPC-IG e aqui estão minhas conclusões:

De um lado, críticas feministas mais fortes ao Bolsa Família afirmam que ele reforça a divisão tradicional do trabalho entre os sexos, pois percebe a mulher somente na dimensão de suas tarefas maternais. É como se o Estado não enxergasse a mulher como um indivíduo com interesses próprios, mas só como um instrumento de fazer com que o dinheiro seja usado em prol das crianças e que elas se mantenham bem cuidadas.

De outro, defensoras feministas do Bolsa Família afirmam que a transferência do recurso à mulher abalaria, mesmo que levemente, os papéis sexuais tradicionais. Isso porque forneceria à mulher, sempre vista como cuidadora, um recurso financeiro que a permitiria transitar no papel de provedora. Assim, essa escolha do Estado contribuiria para a autonomia feminina.

Nesse terreno controverso, as pesquisas qualitativas feitas junto às mulheres do Bolsa Família mostram que a realidade é mais complexa e não pode ser interpretada como um jogo de zero ou um.

Sim, é consensual nesses estudos que o Bolsa Família reforça o vínculo entre ser mulher e exercer as tarefas de cuidado com as crianças. De que, de algum modo, o poder público escolhe a mulher para representar a família como um instrumento de fazer com que o Programa tenha melhores resultados.

Porém, na mesma medida, há consenso nas pesquisas de que a participação no Bolsa Família tem feito com que essas mulheres se sintam reconhecidas como cidadãs detentoras de um recurso que muitas vezes é a única renda regular disponível em seus lares.

E isso fortalece seus sentimentos de respeito próprio e dignidade, diminui sua sujeição a relações conjugais indesejadas (ou violentas) e reduz sua dependência de trabalhos muito precários e humilhantes. Faz com que cultivem sonhos e percebam que a trajetória de miséria de suas famílias pode ser rompida.

Sabemos que mudanças nas relações de gênero são conquistas de longo prazo e abrangem dimensões diversas. Não é certo, portanto, pedir que um programa social específico, baseado na transferência de renda, protagonize essas mudanças.

O Bolsa Família possui uma ampla plataforma de informações socioeconômicas sobre cada uma das pessoas por ele atendidas. O uso dessa plataforma por outros programas sociais foi bastante ampliado ao longo dos últimos anos, para tentar viabilizar desde creches para as crianças beneficiárias, até descontos na tarifa de energia elétrica para as famílias.

Mas este uso ainda pode ser muito melhorado e as pesquisas que dão voz às beneficiárias do Bolsa Família fornecem indicações claras de que o Estado brasileiro precisa seguir no caminho de articular as políticas públicas de maneira convergente, para que atendam às necessidades das mulheres mais pobres.

Pois, se o Bolsa Família permite que essas mulheres cultivem expectativas e sonhos, sua realização, infelizmente, não poderá ser atingida por um programa social isoladamente.

 Um debate mais detalhado sobre os resultados dessas pesquisas está acessível aqui.

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