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Nove meses de Zika: e agora?

Foi uma gestação inteira desde que primeiro ouvimos falar de Zika vírus e microcefalia. AzMina aproveita a data para reanimar as discussões com uma série sobre o que mudou na vida dessas mães após o nascimento de seus bebês

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*Esta é uma das investigações patrocinadas pelo Programa de Bolsas de Reportagem da Revista AzMina que você ajudou a tornar realidade. 

“Podemos desmarcar a entrevista hoje? Tive que levar meu filho para o médico e só tinha profissional adequado na cidade vizinha, a uma hora de viagem de onde moramos”. Essa foi a frase mais ouvida pela reportagem da Revista AzMina nos dois meses que durou a apuração desta série de reportagens. “Hoje não dá para conversarmos. Estou na emergência com o bebê e está lotado” e “Podemos falar amanhã? Hoje tenho que passar o dia com ele na fisioterapia” eram também falas comuns.

Uma gestação se passou desde a primeira notificação de recém-nascido com microcefalia em decorrência do Zika vírus no Brasil e pouco ou nada foi feito pelo governo. O fato é que a microcefalia não tem cura, o acompanhamento de saúde e o estímulo ao desenvolvimento dessas crianças devem ser constantes – e os cuidados da família ou do responsável, em geral uma mulher, duram para a vida toda.

O apoio social significa muito para pessoas como Thayane Alves da Silva. Moradora de Manaus e grávida de oito meses, ela já é mãe de uma criança com microcefalia, nascida sete anos atrás, em uma época em que nada e ninguém falava na anomalia. “A minha gravidez foi considerada normal. Fui descobrir que minha filha tinha microcefalia somente no parto, quando o médico viu a cabecinha dela”, conta a moça, que engravidou na adolescência e considera que, além da falta de informação, sofreu com preconceito por ser mãe tão jovem.

“Por anos eu achei que só existia minha filha com microcefalia no mundo todo”.

Ou para Josiane Santana, de Salvador, mãe de gêmeos bivitelinos de oito meses, um deles com microcefalia; ou ainda Aline Barbosa Oliveira, que morava no Espírito Santo quando engravidou e teve seu bebê, mas que decidiu se mudar para São Paulo, há dois meses, para conseguir médicos e fisioterapeutas gratuitos para seu filho; ou Natália Campos de Assis, da região de Campinas, mãe de uma bebê de nove meses, que conta não ter tido nenhum sintoma de Zika vírus e não sabe o que causou a anomalia em sua filha. Natália entra nos mais de 3 mil casos suspeitos de microcefalia que ainda estão sendo investigados.

Thayane, a adolescente que achava ter dado à luz à primeira criança com microcefalia do mundo, assim como as recentes mães de bebês microcéfalos entrevistadas para esta série, compartilham suas histórias para nos fazer pensar: “e se fosse eu?”. E se eu tivesse que esperar eternamente por exames que confirmassem o que causou a microcefalia em meu bebê? Se eu vivesse a incerteza de não saber se conseguirei a ajuda necessária do governo e apoio psicológico e material quando eu tivesse que largar o trabalho, os estudos e até me mudar de estado para cuidar integralmente de meu bebê?

Sem opção

Foram registrados 5.909 casos de suspeita de microcefalia em todo o Brasil de novembro de 2015, data da primeira notificação de microcefalia decorrente de Zika vírus, a fevereiro de 2016. Destes, foram confirmados, até 25 de junho, 1.638 casos de bebês com microcefalia e outras alterações do sistema nervoso. Os dados são do Ministério da Saúde. Também foram registradas 328 mortes suspeitas de microcefalia e/ou alteração do sistema nervoso central após o parto ou durante a gestação. O Nordeste, principalmente Pernambuco, foi a região com maior número de casos.

No começo deste ano, época em que o Brasil e demais países da América do Sul passavam por um surto de Zika vírus, ativistas e acadêmicos brasileiros pediram ao Supremo Tribunal Federal um pacote de medidas de saúde pública que considerassem tanto a flexibilização do aborto como uma série de políticas públicas para atender esta geração de crianças – que estavam e estão nascendo – com necessidades muito especiais.

Leia mais: Alta do mosquito passou, mas ainda é perigoso engravidar, afirma especialista

Em fevereiro deste ano, a Organização das Nações Unidas (ONU) pediu que os países que viviam o surto de Zika vírus permitissem o acesso de mulheres à contracepção e ao aborto. O apelo foi dirigido especificamente aos países sul-americanos por estarem passando pelo surto e por não terem, na maioria dos países, leis flexíveis em relação ao aborto.

No Brasil, até o momento, o Ministério da Saúde não apresentou nenhuma novidade para as famílias com filhos com microcefalia. Não discutiu nem a possibilidade de interrupção da gravidez e nem de tratamento para quem decidisse – ou fosse obrigado a decidir – que eles nascessem. E as mães, que têm passado por abalos psicológicos, emocionais e financeiros, ficaram também sem assistência. A única medida do governo brasileiro foi um “aconselhamento”, pedindo que as brasileiras evitassem engravidar neste período.

“Claramente, a propagação do Zika é um grande desafio para os países da América Latina”, afirmou o Alto Comissário para os Direitos Humanos da ONU, Zeid Ra’ad al-Hussein, em um comunicado. “No entanto, o conselho dado por alguns governos às mulheres para que evitem engravidar ignora que muitas delas não têm qualquer controle sobre o momento ou as circunstâncias nas quais podem ficar grávidas, especialmente onde a violência sexual é bastante habitual.”

VÍDEO PRONUNCIAMENTO de Dilma Rousseff, em fevereiro de 2016, explicando o que era o surto do Zika vírus no Brasil e qual o seu surgimento no mundo. No vídeo, a presidenta pede ajuda da população para combater o Aedes, mosquito transmissor do vírus 

Depois do parto

AzMina procurou mães de diferentes partes do Brasil que tiveram seus filhos com microcefalia para contar como suas rotinas se modificaram, como tem sido os desafios de ter um filho com a anomalia e como o Estado tem cuidado desses bebês e dessas mães. A série de reportagens “Nove meses de Zika: e agora?” será publicada no decorrer desta semana.

Ela conta, em detalhes, as histórias de Thayane, Josiane, Aline, e Natália. A última reportagem mostra como uma rede de apoio e solidariedade feminina tem se formado em torno dessas famílias, com campanhas de doações e com atendimentos psicológicos gratuitos a essas mães, que tiveram suas rotas de vida alteradas pelo surto de Zika vírus. São mulheres de diversas profissões, mães ou não, que estão se organizando, na internet e fora dela, para fazer o trabalho que o governo deveria estar fazendo.

Mais uma vez, nos salva a irmandade feminina.

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