“A gente nunca esteve fora da luta, tivemos sempre na resistência. A Marcha foi uma decisão coletiva para dar relevância”, diz Sônia Guajajara, coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), sobre a primeira Marcha das Mulheres Indígenas, em programação que começa hoje e vai até o dia 14 de agosto, em Brasília.
O tema é “Território: nosso corpo, nosso espírito”. O objetivo é fazer uma grande reunião para o diálogo de duas mil lideranças femininas de diferentes etnias que são esperadas.
A semana será dividida em dois momentos: entre os dias 9 e 12 será realizado o “Fórum Nacional das Mulheres Indígenas”. No dia 13 acontece a Marcha das Mulheres Indígenas e, no dia seguinte, elas se juntam à Marcha das Margaridas, com mulheres do campo e da floresta.
“Nossa expectativa é conectar as lutas, os movimentos, e fortalecer todas as pautas e movimentos sociais”, afirma Sônia, que foi candidata à vice-presidente nas Eleições de 2018.
Confira a entrevista que ela concedeu à Revista AzMina.
Revista AzMina: A luta das mulheres indígenas já acontece há um bom tempo, mas só neste ano vai acontecer a primeira marcha. Por que?
Sônia Guajajara: A gente nunca esteve fora da luta. Sempre estivemos na resistência. A Marcha foi uma decisão coletiva para dar relevância para nós, mulheres indígenas.
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AzMina: Considerando o cenário do atual governo, vocês estão com medo de algum tipo de repressão? Estão sendo tomadas medidas de segurança?
Sônia: Medo não faz parte do nosso vocabulário. Se a gente tivesse com medo a gente já teria deixado de existir há muito tempo. Porque em nenhum momento da história teve moleza para nós. Agora, é claro, que com o governo conservador, autoritário e fascista, o ataque vem com muito mais força. A gente instalou o Movimento Terra Livre, mesmo sobre a pressão de um decreto que autorizava a Força Nacional a agir com a nossa presença ali.
Eles quiseram intimidar de todas as formas. E agora a gente nem tá preocupado com o protocolo de segurança. Vamos chegar, vamos nos instalar de novo no acampamento e vamos seguir com a nossa programação. A gente não está pensando agora em se preocupar com projeto do governo. Estamos pensando em fazer o nosso projeto, fortalecer nossas bases, fortalecer nossos movimentos, empoderar as mulheres e seguir com aquilo que a gente acredita.
AzMina: Por que a Marcha vai ocorrer em Brasília? É uma resposta ao atual governo?
Sônia: Nós, mulheres indígenas, queremos mostrar que queremos resistência a esse governo. E vamos garantir que nós, indígenas, seguimos sendo as inimigas número um deste governo. Então não tem outro lugar pra fazer essa Marcha a não ser Brasília, o centro político.
AzMina: Por unanimidade, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu manter as demarcações indígenas com a Funai (Fundação Nacional do Índio). Você sente que está lutando para que as coisas não retrocederam ao invés de avançarem?
Sônia: Ali o STF reafirmou uma condição nossa. Para nós, foi uma vitória. A gente fez todas as articulações para isso: Congresso Nacional, STF, movimento, pressão, acampamento. Mas ainda sim isso não resolve a situação toda. Há uma decisão política de não haver demarcação, de corte de orçamento. Então isso daí é outra batalha, mas pelo menos a gente conseguiu barrar a medida provisória e não perder o mínimo que a gente tem, que é essa condição de demarcação dentro da Funai.
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AzMina: Você acredita na política institucional e tradicional como um caminho de mudança para as mulheres indígenas?
Sônia: Acredito que sim. Tanto que é um debate que tenho aqui na minha mesa, que é fortalecer a participação das mulher indígenas nas políticas institucionais e sair daqui com essa motivação para que as mulher possam sim, ano que vem, lançar suas candidaturas.
Não tem como estar fora desse processo da política institucional, porque é ali que se tomam todas as decisões. Sobre os territórios de direito, sociais e coletivos, é ali que se tem esse poder de voz e voto. Não tem como ficar fora de forma nenhuma.
AzMina: Você foi candidata a vice-presidente em 2018. Você pretende continuar na política institucional ou irá se dedicar apenas aos movimentos indígenas?
Sônia: Olha, na verdade eu nunca tive fora dos movimentos indígenas. A presença, a disputa, é uma parte do movimento indígena. É parte da nossa resistência. Alí também foi um começo. Se eu vou ainda continuar eu não sei, porque nós somos muitos e estamos aí discutindo o tempo todo. Se não for eu, será uma de nós, de qualquer forma.
Não é importante a figura, mas sim a representatividade que está lá.
AzMina: Como você enxerga a presença das mulheres indígenas na política?
Sônia: A gente sempre esteve na resistência e agora, nos últimos anos, a gente tomou essa decisão de que além de ter a luta por meio das mobilizações e do enfrentamento, a gente também vai para a disputa. Queremos entrar nesses espaços. Para nós, a vitória da Joênia Wapichana como deputada federal foi muito significativa. Ela tá ali fazendo toda a diferença. A presença indígena faz toda a diferença. Ali ela tem toda a legitimidade enquanto mulher indígena.
A minha presença na chapa presidencial foi bem importante. Deu ênfase à questão indígena e ambiental e as trouxe para o centro do debate político. Todo o tempo quiseram dizer que esse não era o nosso lugar, que a gente não está preparado, que a gente tem que dar a margem. Mas nós estamos mostrando que estamos preparados, prontos para a disputa e vamos assumir com muita convicção de que precisamos estar ocupando todos esses espaços. De certa forma é um incômodo.
Programação do 1° Fórum Nacional das Mulheres Indígenas
09/08– Saída das mulheres de suas bases
10/08 – Chegada a Brasília
11/08 – Plenária Geral (manhã), Grupos de Trabalho (tarde) e Noite Cultural
12/08 – Ato pela Saúde Indígena na SESAI
13/08 – Marcha das Mulheres Indígenas (manhã), Ato Solene na Câmara dos Deputados (tarde), Abertura da Marcha das Margaridas (noite)
14/08 – Marcha das Margaridas