Uma associação secreta de mulheres tem chamado atenção da imprensa e causado polêmicas: a “Mandala da Prosperidade”, também conhecida como “Tear dos Sonhos”. Economistas criticam a “união” e dizem que se trata de um novo nome para um velho golpe, a pirâmide financeira, embalada num pacote supostamente feminista.
A proposta é a seguinte: a Mandala se autodenomina uma rede de convívio de mulheres. O processo de iniciação começa quando a convidada, chamada “mulher fogo”, entrega (ou, nas palavras delas, presenteia) uma quantia em dinheiro (mantida em segredo até o último momento) à mulher que está no centro da mandala, chamada de “mulher água”.
A promessa do grupo é que cada integrante receberá de volta oito vezes esse valor ao fim do “circuito”, que acaba quando a novata convida mais duas mulheres para participar e essas duas convidarem mais duas cada, e assim por diante, até “fechar” a Mandala. Quando a “mulher água”, por sua vez, adquire o valor inicial multiplicado por oito, ela deve sair do circuito e todas as outras mulheres sobem de nível para as categorias fogo, vento, terra e, finalmente, água. Como se fosse uma promoção através dos elementos da natureza.
Cada “ciclo”, que tem formato de mandala circular, envolve quinze mulheres. As participantes podem participar de dois ciclos completos. As novas participantes não passam por nenhum tipo de seleção ou aprovação, mas dependem do convite de alguém que já está dentro.
As integrantes afirmam que o conceito foi criado por duas antropólogas canadenses, durante os anos 1980, num período chamado de “convergência harmônica”. Ele mistura, segundo elas, tradições de comunidades africanas, conteúdos da física quântica e os conceitos de sagrado feminino, sabedoria ancestral e até previsões maias.
Tem mesmo fundamento essa promessa financeira? Essa associação pode denominar-se feminista?
Para descobrir as respostas a essas questões, a reportagem d’AzMina se aproximou de atuais membros do grupo, uma “irmã-maior” do Tear (alguém que já passou pelos dois ciclos materiais possíveis, e agora apenas dá auxílio e continuidade ao legado). Também entrevistou ex-participantes e economistas – além de se canditatar a uma vaga no polêmico processo.
Um olhar de dentro
Depois de muita insistência, conseguimos conversar com uma integrante da Mandala. Tentamos contatar algumas mulheres, participantes e ex-participantes, mas todas perguntavam quem havia feito a ponte entre os contatos. Após dizermos que a fonte primária havia pedido para que sua identidade não fosse revelada, elas cortavam imediatamente o contato.
Uma delas, contudo, aceitou falar conosco por conta de algo que ela chamou de “afinidade de energias”. Maria* pediu anonimato já que o Tear, por ser entendido como uma pirâmide, é ilegal no Brasil. Ela explicou que a dificuldade para obter entrevistas se dá porque elas são orientadas a não falar sobre a “associação”. Comparou a Mandala à maçonaria, associação secreta exclusiva aos homens, existente há séculos. Apesar da orientação, Maria afirma que as participantes acreditam que a Mandala deve ser levada para todos os cantos e deve ser acessível a todas as mulheres.
O Tear, para elas, é uma quebra do sistema financeiro capitalista, que se apoia no patriarcado desde a sua origem. A união funcionaria como uma forma de economia colaborativa entre mulheres, parcela oprimida nessa estrutura. A espiritualidade e questões energéticas são a matriz do movimento, explica Maria, muito além do dinheiro.
Para ela, as críticas ocorrem porque um movimento feito por mulheres, e para elas, causa incômodo. “As mulheres se colocam contra o Tear pois vivem a ‘realidade do medo’ que lhes foi imposta”, afirma.
A comunidade ainda está em fase de crescimento e consolidação, mas Maria garante que é “maior do que se imagina”. As participantes conversam todos os dias, e seguem a “linha do amor”, ignorando o que se fala fora do círculo. “O perfil das participantes é de mulheres que acreditam na Mandala e são subversivas ao sistema”, decreta Maria, convicta. “Dez anos de terapia, não dá um mês de Tear”.
Por que um movimento voltado para a espiritualidade e união precisa envolver dinheiro? “Na nossa sociedade, dinheiro é sinônimo de poder”, responde a entrevistada, acrescentando que o dinheiro seria apenas 30% de todo o projeto, o resto seria composto pela vivência e troca.
Uma visão de quem entende de negócios
Carolina Sandler, economista e redatora do Finanças Femininas, analisou com cuidado o esquema. Para ela, como todo esquema de pirâmide, para dar certo, a Mandala precisaria de uma população feminina infinita, pois o esquema deve ser renovado continuamente. Por mais que haja uma alternância de hierarquia, o esquema cresce em progressão geométrica, logo, não se sustenta.
“O dinheiro não está sendo aplicado, está sendo repassado. Então, a matemática não funciona. Todo esquema que envolve doação de quantias na espera de multiplicá-las, mas sem que o dinheiro seja aplicado, é um esquema de pirâmide e é ilegal”, alerta ela. “Não existe dinheiro fácil.”
Carolina pondera que, se o esquema envolvesse produtos ou a aplicação do dinheiro, ele faria, sim, algum sentido. O problema é que o discurso, que mescla feminismo, espiritualidade e histórias de subversão do sistema econômico capitalista, atinge mulheres em situação de vulnerabilidade financeira e, principalmente, emocional. “É um abuso”, opina ela.
Quem entrou, se arrependeu e saiu
Sheila foi convidada para a Mandala por uma amiga, que falou da Mandala não como uma maneira de ganhar dinheiro, mas como uma proposta de um grupo de mulheres que se ajudam – o que chamou sua atenção. No vídeo que exibiram para ela como “convite” (veja abaixo), havia um discurso de economia revolucionária.
Após uma leve pressão das participantes que a receberam, Sheila resolveu dar o dinheiro solicitado, R$ 5 mil – o chamado “regalo” (ou presente). “Assim que paguei a quantia, percebi que o foco era outro, a postura delas mudou completamente”, revela. O discurso de união de mulheres mudou de tom e o aspecto central se transpôs ao dinheiro. O sentido que ela havia encontrado para participar daquilo se perdeu.
Tomada de uma sensação ruim, ela começou a refletir sobre a decisão e procurar informações sobre o Tear nas redes. Só encontrou notícias e análises contra o esquema, que a convenceram de que havia cometido um grande erro. A esta altura, ela já havia tentado convidar duas amigas, mas depois se desculpou pelo ocorrido. Nunca conseguiu o dinheiro de volta.
Como as pirâmides financeiras são proibidas no Brasil, quem entrega o dinheiro solicitado a elas não tem como recorrer à Justiça por ressarcimento. Segundo a lei vigente, os participantes-vítimas também são considerados criminosos.
Os esquemas de pirâmide financeira são considerados crimes contra a economia popular – poucas pessoas ganham às custas de outras muitas que pagam. A lei número 1.521, de 26 de dezembro de 1951, afirma que é proibido “obter ou tentar obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos (‘bola de neve’, ‘cadeias’, ‘pichardismo’ e quaisquer outros equivalentes)”. A pena para quem descumprir varia de seis meses a dois anos de reclusão.
O processo de apuração e investigação se mostrou cheio de obstáculos. As informações eram limitadíssimas. Para chegarmos a uma fonte interna da Mandala, levamos cinco portas na cara e alguns emails não respondidos – ou respondidos com um consistente “não!”.
Depois de insistir uma última vez, uma abertura. Um mês de maturação e conversas internas naquele micromundo levou apenas a conversas com ar de mistério. Mesmo as ex-participantes preferiram ser discretas ao invés de denunciar um possível golpe. Quando pedimos para participar das reuniões e perguntamos quanto custaria para entrar no esquema no Tear, nossa fonte acendeu a luz vermelha: só faríamos parte da “mandala” se elas lessem o conteúdo da reportagem.
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