Pitando na varanda, a voz baixinha e calma fala sobre feminino e maternidade. Meio da manhã, vai chover. Chega um, chega outro, pede uma benção para a grávida, “vai ter aqui na aldeia mesmo?”, as crianças brincam no quintal, “será que vai dar chuva?”, vai demorar. Conversa vai, conversa vem, o tempo cinza, estronda um trovão. “Essa chuva ainda demora a chegar”. O genro vem tocando os porcos de volta para o chiqueiro. “Acho que vai é cair logo. Vamos antes que a gente não consiga passar na estrada de volta”. Pingos grossos esparsos, “ué, não ia demorar?”, corre. No caminho do carro, em cada varanda um grupo de pessoas reunidas… admirando a chuva. E mais nada.
Cada etnia indígena tem sua própria cultura, o que se reflete na forma de estabelecer relações pessoais. Isso sem contar as questões individuais de moradia, segurança e status dentro da comunidade em que cada mãe e criança estão inseridos. Mas há semelhanças que unem e diversidades que ensinam. Cada mãe tem o seu próprio ensinamento.
As crianças brincam da manhã até a noite na casa de Cleidinha Fulni-ô, em Águas Belas – PE. Com o enérgico Tejá, de seis anos de idade, e as gêmeas com menos de dois anos, ela afirma querer seis filhos no total. “Ter é fácil, meus partos foram tranquilos. Difícil é criar”, desabafa.
As meninas mamavam ao mesmo tempo no peito. Na aldeia, as crianças brincam todas juntas nos quintais das casas. Vão pra escola à tarde, voltam e brincam mais.
“Quando cansam de brincar, dormem. Não fazem firula”, explica calmamente.
Regar
“Como o parto é normal, o leite chega mais rápido para nós”, explica Gisele Fontes (Umussy), da aldeia Dessana próxima a Manaus. “Chega muito leite, então a criança mama o quanto ela quiser”, complementa. A partir dos cinco meses, a criança é iniciada na comida dos adultos e a mãe vai parando de oferecer o peito aos poucos.
As mulheres têm muitos filhos e os filhos são muito apegados às mães até começarem a andar.
É assim na aldeia da Terra Indígena Wavi – MT, do povo Tapayuna. “A criança fica colada no peito da mãe praticamente o dia inteiro”, descreve a antropóloga Daniela de Lima. Elas usam uma espécie de tipóia para carregar as crianças – que ficam com acesso ao peito quando quiserem – e assim continuar seus afazeres. “Elas vão fazer o artesanato, tirar roupa do varal, isso e aquilo, geralmente com a criança no peito”, conta. As Tapayuna também têm um hábito de amamentar até escassear o leite.
As crianças Kaingang mamam no peito de mais de uma mãe, segundo a tradição, e até quando quiserem. “Eu vejo que a gente não tenta colocar todo mundo na mesma caixa. Cada um é um. E cada um é diferente entre si”, explica Joziléia Daniza Jacodsen (Yakixo), antropóloga Kaingang. Ela explica que algumas crianças já param de mamar com menos de um aninho enquanto outras podem mamar até os seis anos.
O desenvolvimento e a necessidade da criança é respeitado. “Dos meus, cada um foi diferente. A gente incentiva eles a comerem sozinhos, dentro do seu tempo”, diz.
A pesquisadora Kaingang aponta que, desde que as mães passaram a trabalhar fora, em fábricas da região, o período de amamentação teve mudanças. “Elas passam, às vezes, onze horas fora de casa. Mas eu vejo que é uma transformação que tem que acontecer. A nossa vida não é mais como era antes e temos que nos adaptar às necessidades”, pondera.
“Vocês não sentem ciúme de outra mãe amamentar o seu bebê?”, pergunta a reportagem. “Você ser a mãe biológica tem um peso grande”, assume Joziléia e destaca que, nos primeiros dias de vida, a criança depende da mãe para se alimentar, para sobreviver, e o instinto nesse período é muito forte e necessário.
“Não é que não existe o ciúme, mas a relação de pertencimento é distinta”, pondera.
“Você sabe que é importante para o seu filho que a avó leve ele pra tomar banho, que outras mães deem comida, que ele se relacione com os diversos irmãos… porque isso é um apoio”, complementa.
Carpinar
Assim como qualquer mãe, as indígenas também passam momentos de apreensão em que os cuidados precisam ser tomados com mais rigor. Joziléia explica como acontecem os ritos de proteção logo que o bebê nasce. Ouça:
Já as mães Tapayuna passam momentos de aflição quando seus filhos estão prestes a passar por algum ritual perigoso, como a corrida com toras. O ritual envolve o corte da tora de Buriti no mato, que é extremamente pesada, assim como o deslocamento dessa tora para a aldeia. Outros rituais podem envolver animais venenosos, como vespas e formigas.
“Algumas chegam a chorar de medo que seus filhos se machuquem”, destaca Daniela de Lima.
Os Guarani, com seu jeito de falar baixinho e calmo, costumam usar a expressão “tem que aguentar” como resposta para as adversidades. Eles não costumam se abrir com facilidade, especialmente com quem não conhecem, mas quando engatam uma conversa, a quantidade de informação é preciosa.
Para as mães Guarani, um momento de cuidados especiais é quando as meninas entram na puberdade e têm sua primeira menstruação. Santa Moreira, parteira Guarani da aldeia do Amaral em Biguaçu, Santa Catarina, descreve as minúcias do processo: a menina vai passar de 15 a 20 dias de resguardo – sem sair de casa, sem pegar vento, sem encostar em água fria, comendo apenas comida típica sem sal, sem óleo e nada de açúcar.
Após esse período, ela receberá um banho de ervas e cinzas e seu cabelo será cuidadosamente amarrado. Depois disso, a menina continuará em um regime de atividades mais silenciosas e calmas até o próximo ciclo, quando ela passa a cuidar da sua menstruação, sempre observando a época do sangramento como um tempo de retiro.
“Todo aprendizado desse período é pra ensinar ela para o futuro”, justifica Santa.
Colheita
Todo esse cuidado costuma resultar em muita felicidade para as mães. Algo que deixa as Tapayuna muito felizes, por exemplo, é que seus filhos arranjem um bom matrimônio. “Quando o casamento é bem planejado, você consegue trazer o seu genro pra perto de si, a prestação do trabalho pro sogro está bem estabelecida e os pais têm uma boa relação com os pais dos cônjuges, é um momento muito importante e de felicidade para elas”, conta a antropóloga que conviveu com os indígenas da Terra Indígena de Wavi, no Mato Grosso.
O motivo da felicidade é a continuidade dessa rede de relações, a constatação de que seus frutos darão sementes. E começará tudo de novo.
As semelhanças são muitas: crianças se machucam, choram e ficam doentes. Elas mordem o bico do peito da mãe quando começam a vir os dentes e as mães não querem mais dar de mamar. Elas também riem e fazem gracinhas para a família toda babar.
Crescem e precisam de cuidados e, às vezes, os pais gostariam de dar mais aos seus filhos – coisas materiais, tempo, estudo ou uma natureza mais preservada. Casam e se mudam – às vezes para perto, às vezes para longe. Alguns homens são pais mais dedicados e amorosos que outros, alguns tem mais poder social e político, outros menos.
Algumas mães e pais têm que enfrentar tragédias e morte dos filhos e passam por processos duros de luto. Não importa quantos filhos tenham tido na vida. E alguns deles têm uma rede e um suporte forte para superar tudo isso. Outros não.
Mas vão vivendo. “Tem que aguentar”.
305 novas maneiras (ou mais) de ser mãe
O Brasil tem 305 etnias indígenas que falam 274 línguas, segundo o IBGE. A gente sabe disso porque os amigos publicam o censo populacional no Facebook e porque lemos os jornais. Mas não entendemos – não de verdade – o que isso significa.
Por uma semana, a reportagem conviveu com indígenas de sete etnias no meio do cerrado, durante a 10a. Aldeia Multiétnica, que ocorreu na Vila de São Jorge, na Chapada dos Veadeiros. Comendo, cantando, dançando, rezando, ralando mandioca, contando volta de colar de miçanga, recebendo pintura corporal. Só assim deu pra começar a entender que cada etnia realmente faz as coisas do seu próprio jeito – e com a maternidade não é diferente. E que diversidade tem bem mais significados do que supõe nossa vã filosofia.
“Dentro do macro tronco Jê estão incluídos os Krahô e os Kayapó. Mas a língua e os costumes são tão diferentes entre eles quanto brasileiros e alemães”, conta um dos organizadores do evento, o indigenista Fernando Schiavini. Dentre as etnias, questões como a estrutura da aldeia, parentesco, nomenclatura, restrição alimentar e cosmologia podem ser mais próximas ou completamente diferentes umas das outras.
“É importante lembrar que essa realidade indígena é extremamente complexa, diversa e multifacetada e a questão da maternidade entra nisso”, aponta a antropóloga Daniela de Lima, que já trabalhou com o povo Xavante e atualmente desenvolve pesquisa com os Tapayuna.
Para entender o modelo de maternidade de cada mulher, é preciso considerar se o povo ao qual ela pertence tem suas terras demarcadas ou não; se mora longe, perto ou até mesmo dentro da cidade; se vive em beira de estrada, defendendo-se de bala de capanga de latifundiário; se dentro da sua comunidade ela tem lugar de destaque; se é ama-de-leite; se é esposa ou filha de liderança; se ela mesma é liderança; se é mais velha ou mais nova; quantos filhos ela tem; se trabalha fora da aldeia ou fica em casa; se a sua etnia ainda fala a própria língua ou majoritariamente o português.
São tantas possibilidades de recorte quanto qualquer não-indígena.
Semelhanças x Diversidade
No início da minha pesquisa, a reportagem recebeu um puxão de orelha da Daiara Figueroa, do povo Tukano. “Focar na diferença gera o preconceito”, aconselhou ela. Foi então que começamos a notar as semelhanças entre essas mulheres, tanto entre si quanto com as não-indígenas.
Todas as mães ouvidas nesta reportagem, por exemplo, tomaram algum tipo de cuidado especial na gravidez. A alimentação, os chás ou mesmo uma rotina diferente são alguns dos cuidados mais citados para gestantes. Claro, cada uma dentro da sua cultura, da sua cosmologia, daquilo que acredita e conhece. Todas levam em consideração o que os mais velhos falam. Algumas ouvem e discordam, naturalmente. A maioria também respondeu que é feliz quando seus filhos estão felizes, saudáveis e bem encaminhados. Cada uma na sua visão do que é estar bem encaminhado.
Mãe não é tudo igual, ao contrário do que diz o ditado. E mãe indígena definitivamente não é tudo igual.
Mas existem, sim, algumas semelhanças. E diversas formas de ser mãe. Nenhuma é mais certa e nenhuma é errada. São diferentes. Diversas. Necessárias.
Em construção
Em anos recentes, mais mulheres são mães ou as mães têm tido mais filhos entre os grupos indígenas no Brasil, segundo a pesquisa sobre saúde indígena lançada pelo Ministério da Educação, com organização de Luiza Garnelo e Ana Lúcia Pontes. Porém, o número de filhos por mulher indígena é menor no meio urbano, segundo o Censo 2010.
As mudanças demográficas, geográficas e políticas também mudaram a cultura de muitos grupos indígenas e, por consequência, suas visões de maternidade. Na escola, aprendemos que índio tem cabelo estilo tigelinha, anda sem roupa e sempre tem penas em algum lugar do corpo – no cocar, na saia, no peito, no tornozelo ou num buraco no nariz.
“Você vê o índio de roupa, com celular, diz que não é mais índio. Mas por acaso você se veste igual aos portugueses que chegaram aqui em 1500?”, pergunta Seu Getúlio, liderança Krahô.
Da terra indígena Kaingang de Serrinha, no oeste catarinense, saem vários ônibus para empresas de frigoríficos na região. “Muitas mulheres trabalham fora. Isso tem influenciado o período de amamentação, que tem ficado cada vez mais curto”, conta Joziléia Daniza Jacobsen (Yakixo), pesquisadora Kaingang e coordenadora do curso de Licenciatura Indígena da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). “Eu vejo que tudo vai se transformando e a transformação tem que acontecer. A nossa vida não é mais como era antes e as necessidades têm que se adaptar”, explica.
Mas algumas tradições ainda se mantêm como contam essas duas mulheres sobre o parto:
Em suma, assim como cada etnia tem um traço próprio na pintura corporal, também cada mãe é diferente. “A gente não tenta colocar todo mundo na mesma caixa. Cada um é um. E cada um é diferente entre si”, explica Joziléia. E cada mãe é uma – seja ela indígena ou não. E todas fazem o melhor que podem dentro das suas possibilidades.
As crianças indígenas filhas de toda comunidade
Meio da tarde. Eu jogo bola com as duas meninas Krahô no acampamento – vôlei. Outras crianças correm por ali, os adultos tecem cestaria, cozinham, preparam tinta para os corpos. Ouço um choro dolorido. A mãe vai até a bebê que acaba de machucar o pé enquanto engatinhava pelo acampamento. Depois de conferir se está tudo bem, pega no colo, afaga. Passa a criança pro pai e volta para seus afazeres. O pai brinca um pouco, afaga mais um pouco, distrai a bebezinha com as palhas que vão virar artesanato. Depois de acalmá-la, senta a criança no tapete onde a avó tece um cesto. A bebê analisa o artesanato e volta a engatinhar pra longe.
As relações complexas de parentesco entre muitos grupos indígenas permitem que as crianças recebam atenção pulverizada e desenvolvam autonomia desde pequenos. Em uma casa Kaingang, por exemplo, o núcleo familiar é formado por “uma mãe velha”, que seria uma espécie de matriarca, e uma rede de mulheres: filhas, noras, netas e agregadas.
“Essas mulheres se cuidam e se apoiam entre si”, conta a antropóloga Kaingang Joziléia Daniza Jacodsen (Yakixo). Esse apoio inclui ir pra roça, cozinhar, cuidar das crianças e da casa, amamentar os bebês umas das outras, produzir o artesanato… conversar.
“Temos uma relação de parentesco que é além do sangue, é uma relação de afinidade”, explica Joziléia.
Essa rede complexa de relações pode ser observada em diversas etnias dos povos originários. Os Tapayuna, por exemplo, usam a mesma palavra para denominar “pai” e “tio”. É como se ambos fossem pais da criança igualmente. “Uma criança Tapayuna nunca está desamparada, sempre tem alguém para tomar conta dela”, aponta a antropóloga Daniela de Lima, que esteve na Terra Indígena Wawi – MT.
É peixe
Essas relações complexas de parentesco garantem também uma tradição muito importante: as restrições alimentares e de comportamento do pai e da mãe de um recém-nascido. Quando o bebê está para nascer, em algumas etnias, o pai não deve se afastar muito dos arredores de casa. Isso significa que ele não poderá sair para caçar e pescar, não vai à roça ou colher frutos, explica Raquel Rorkwyj Krahô, da Terra Indígena Krahô – TO. Para garantir o alimento dos outros filhos, eles contam com a coletividade.
A mãe recebe o cuidado das outras mulheres não apenas na hora do parto, mas também no pós-parto. Ela precisará de ajuda com os outros filhos, na preparação de chás e ervas para deixá-la mais forte.
Santa Moreira, parteira Guarani da aldeia Amaral em Biguaçu – SC, conta que se a mãe não se cuidar no resguardo, ela fica doente e fraca. E isso passa para a criança: “Fica fraca, não cresce, sempre vai ser doente”, alerta.
Primeiro nó
Já as crianças Tapayuna são muito apegadas à mãe até por volta dos dois anos de idade. As mulheres carregam as crianças em uma espécie de tipóia – algo parecido com o sling. Assim, elas têm acesso ao seio quase o tempo todo e mamam sempre que têm vontade. A antropóloga Daniela de Lima conta que, apesar desse apego, as crianças são amparadas por toda uma rede de cuidados. Ouça:
Em contrapartida, as crianças também desenvolvem autonomia desde cedo. Assim que passa pelo desmame – que será em idades diferentes para cada bebê, mas geralmente ocorre entre um e dois anos – a criança já passa a comer sozinha, ir pro rio com as outras crianças e com grupos separados da mãe, a cuidar dos irmãozinhos e ajudar nas tarefas.
“A criança já começa a ficar responsável pelos seus atos e fica independente muito cedo”, diz Daniela.
Jozilléia Kaingang explica que, assim, as meninas iniciam na maternidade ainda crianças. “Nós nos tornamos mães muito cedo, ainda sem ter filhos biológicos, porque você cuida dos outros: dos irmãos, dos sobrinhos, depois do seu próprio, dos netos, de todos”. Assim que se aproximam da primeira menstruação, as meninas já passam a se envolver e participar da rede composta por mulheres.
Na aldeia dos Dessana, próxima a Manaus, as crianças brincam livres nos quintais. “Eles vão longe, porque a gente vive em família, perto um do outro… então, não tem perigo”, conta Gisele Fontes (Umussy). A familiaridade com os tios e tias torna mais fácil os afazeres do cotidiano. “Às vezes você está com a criança e precisa fazer algo, passa um parente e já leva. E a criança também se dá, porque estão sempre juntos. Então não fica tão pesado”, explica.
Papéis de gênero
Os homens são os contadores de histórias para os Dessana. “Eles contam histórias e cuidam mais da parte dos mitos. Mas na hora de dormir tem que ser a mãe mesmo, porque tem mais jeito”, conta Gisele.
Na cultura Kaingang, tradicionalmente, a esfera pública é designada ao homem enquanto à mulher cabe o papel de nutrir, cuidar, educar e organizar a esfera doméstica. “Eles são pais muito amorosos, cuidam, brincam. Mas não têm a proximidade que as mães têm”, revela Joziléia.
Uma das questões da dissertação de mestrado da indígena foi justamente como as mulheres veem essa distinção e se elas consideravam ter suas demandas representadas pelas lideranças masculinas. “Achei fantástica a resposta de uma das avós: se é meu filho, se eu criei e eduquei, por que eu não me sentiria representada?”, conta a antropóloga. “São elas que criam as lideranças, são elas que conduzem”, conclui.
As avós têm grande responsabilidade dentro da sociedade Kaingang, pois cuidam dos filhos e dos netos. É comum as crianças morarem um tempo com a avó, tanto por vontade e necessidade da mãe quanto da própria avó. Ouça o relato da antropóloga Joziléia Jacodsen:
Me dê motivo
“A minha experiência de perder os pais cedo me deu o suporte pra te dizer com mais certeza: você ter essa relação maior com as pessoas da sua família, de amor e de afinidade te faz superar as coisas muito mais fácil”, ressalta Joziléia.
A lógica da existência para os Tapayuna, o sentido da vida, é fazer parentes e ampliar a rede social, explica a antropóloga Daniela de Lima.
“Se relacionar é o centro de tudo. Ter filhos faz parte – aliás, é o aspecto mais importante disso. Quando você tem filho, você gera mais parentes. Em pouco tempo, vai ter genro ou nora e netos. Você gera e amplia a rede de parentescos”, conta.
Como os indígenas vivenciam o parto e a amamentação
Despertou no meio da noite, o gosto do chá ainda na boca. Sentiu uma dor – talvez uma cólica, talvez uma contração – “de amanhã essa criança não passa”. Com esforço, levantou o barrigão. Foi até a cozinha, tomou mais uma caneca do chá, do jeito que a avó falou para fazer antes de dormir. Esperou. O chá da avó sempre funciona pra mulher que está para ganhar neném. Fez meia volta para ir pro quarto, “não dá tempo”. A avó acordou com um choro de criança rompendo a noite. Nasceu!
Os ensinamentos sobre parto e gravidez que as meninas indígenas recebem começam desde cedo: na contracepção. É comum ouvir falar de anticoncepcionais naturais entre as indígenas e de um jeito bem mais equânime – tanto para a mulher quanto para o homem. Em uma roda de prosa só para mulheres na 10 a. Aldeia Multiétnica, evento que ocorre todos os anos na Vila de São Jorge, na Chapada dos Veadeiros, mulheres de várias etnias descreveram como é vivido todo o processo reprodutivo em sua cultura, incluindo o parto.
“Às vezes a mãe dá o remédio para a filha não ficar grávida sem deixar ela saber”, me conta em segredo uma das mulheres. Pergunto se a menina não fica brava quando descobre. “Até fica na hora, mas sabe que a mãe fez pro bem dela”, aponta. Quando engravidam, as mulheres passam por uma série de cuidados físicos e espirituais. Mas, em geral, elas vão trabalhar normalmente nos seus afazeres até a hora do parto.
Cuidados
É responsabilidade das mulheres mais velhas preparar as mais novas para a maternidade entre as Kaingang. “Elas explicam coisas como a amamentação, o cuidado na gravidez, a dieta que terá que ser feita, a dor do parto”, conta Joziléia Daniza Jacodsen (Yakixo), antropóloga Kaingang da Terra Indígena de Serrinha – SC. “Eu acho interessante que isso é uma psicologia tradicional de conversa sobre o parto. Então as mulheres vão pro parto sem medo, bem preparadas”.
Os remédios naturais e chás fazem parte de todo o processo – da gravidez ao pós-parto – para as Kamayurá. A partir do quinto mês, elas passam a tomar um chá para aumentar o líquido aminiótico. É a mãe da grávida que prepara uma infusão de raiz de algodão que será ingerida logo antes do parto.
Na roda de prosa, Katuapó Kamayurá, filha e esposa de lideranças do Parque Indígena do Xingu, contou que ela mesma fez seus oito partos.
Mas a maioria das mulheres da sua etnia conta com parteiras.
Funciona assim: quando começa a cólica que avisa a chegada do bebê, a mulher “toma um remédio pra aumentar a dor e começa a preparar a rede e o cinto pro parto”. A parteira é chamada. Dependendo da situação, são convocados os rezadores também. Eles são capazes de arrumar a posição do bebê apenas com o poder da oração. No final, todos que ajudaram ganham colares de concha de caramujo como agradecimento pelo trabalho.
A reza é intrínseca à cultura dos povos indígenas e no parto não é diferente. As parteiras e os rezadores, pajés, curandeiros e líderes espirituais são ponto comum quando o assunto é parto.
Gisele Fontes (Umussy) é a terceira filha do Seu Raimundo, pajé do povo Dessana, que vive em uma área de preservação em Manaus. Ela tem duas filhas e as duas nasceram de parto normal, em casa, com o pai e a mãe de parteiros.
Na aldeia dos Dessana, a mulher fica de cócoras na hora de ter o bebê. Ela é segurada pelo marido ou por outro homem de confiança – que pode ser um irmão ou um cunhado.
“Não é todo homem que tem coragem ou força para segurar a mulher na hora do parto”, explica Gisele.
Segundo ela, “precisa ser força de homem” nessa hora porque a mulher está concentrando sua força em ter o bebê e precisa de alguém que a ajude a manter a posição sem cair.
– E ele vai ter que ficar ali, firme, aconteça o que acontecer – frisa ela.
– Então, eles têm o filho juntos mesmo? – pergunta a reportagem.
– Sim, juntos!
As Guarani contam algo parecido em relação ao parto. De cócoras, alguém as segura – geralmente um homem. Na aldeia do Amaral, próximo de Florianópolis – SC, Santa Moreira é a parteira mais conhecida. Sua irmã Sônia é erveira e raizeira. As duas são filhas dos anciões Seu Alcindo Moreira e Dona Rosa, de 107 e 104 anos respectivamente. Dona Rosa também era parteira e seu Alcindo é o líder espiritual da aldeia. Ele reza os partos difíceis.
Marcelina Moreira (Takua ywydju mirim), filha de Sonia, conta que teve um parto difícil e sentiu muita dor. Precisou de reza. “Tem que aguentar”, disse ela – frase típica dos Guarani e receita pronta para as dificuldades. No fim, deu tudo certo.
Homem não participa na hora do parto dos Tapayuna. Na aldeia da Terra Indígena Wawi, no Mato Grosso, há duas parteiras experientes, conta Daniela de Lima, que acompanhou três partos durante as pesquisas de mestrado e doutorado pela Universidade de Brasília (UnB).
As indígenas recebem acompanhamento pré-natal através do SUS. Se houver alguma gravidez de risco, a mulher será encaminhada para que o parto seja feito “na cidade”. Mas, em geral, elas têm os filhos na aldeia, com as parteiras, também na posição de cócoras. “As outras mulheres que acompanham serão responsáveis por segurar a parturiente”, explica.
O cordão umbilical é cortado com “cinzas e flecha” na aldeia Kamayurá, no Alto Xingu. Depois disso, a mulher vai tomar outro chá para o restante da placenta e sangue saírem. Continuará tomando apenas chá até “o umbigo da criança cair”. E nem pensar em comer carne de caça nos primeiros dias, sob o risco da criança ficar doente e chorosa.
Entre os Krahô, o pós-parto é uma fase de alerta e deve ser obedecida uma dieta especial. Raquel Rorkwyj Krahô conta que os pais e parentes “precisam fazer tudo certinho até cair o umbigo do neném”. Quando cai o cordão umbilical, a aldeia faz o paparuto – um bolo salgado de mandioca e carne, embalado em folhas de bananeira e assado em brasas na terra. A mulher então deve comer desse bolo junto com a comunidade. Depois disso, o homem pode voltar a caçar e a mulher pode voltar a comer carne vermelha.
O indicado pela medicina tradicional Guarani é que o casal que acaba de ter filho passe um ano sem ter relações sexuais. Uma das Guarani mais nova diz em tom de brincadeira: “Eu aguentei seis meses, até que estou bem”.
Joziléia aponta que, em anos recentes, as mulheres Kaingang vem tendo seus bebês no hospital. “São poucas as que têm em casa como era na época em que eu nasci”, pondera. Mas o parto tradicional Kaingang também é de cócoras.
Na visão de Daniela, as indígenas Tapayuna não dão tanta ênfase ao estar grávida e ao ato de parir. “Não que não seja importante – ter filhos é uma das partes mais importantes na vida de uma mulher – mas o ato em si não é um grande evento como a gente tem aqui”, explica.
O filho de Marcelina tem hoje quatro anos de idade e, apesar das dificuldades do parto, é uma criança saudável. Ele é alto em comparação às outras crianças Guarani.
– Sim, ele é diferente. Além disso, tem descendência Tupi também, por isso é maior – explica.
– Quer ter outro?
– Agora não. Tomei o remédio para não ter mais, pelo menos por enquanto. Agora só se Ñanderu (o Grande Espírito, Deus) quiser.
“Nas indígenas, eu buscava uma nova maternidade para me salvar”
Era sexta-feira à noite e fazia três semanas que eu tentava entrevistar mulheres sobre o tema “O que as mães indígenas têm a nos ensinar?”, quando a indígena Tukano Daiara Figueroa, professora em Brasília e ativista dos movimentos indígenas, me disse que minha matéria era preconceituosa.
Talvez tivesse sido mais verdadeiro dizer que eu estava farta de ver minhas amigas sofrendo a pressão de serem “boas mães” e queria trazer outras formas de maternidade para ajudar no debate. Que outras formas? As tribais, por exemplo.
– Mas isso é um fetichismo cultural – atesta Daiara. – Por que você acha que as mães indígenas são melhores? Acaso você acha que as brancas são piores? Ou as negras?
Senti o chão se desfazendo debaixo da cadeira e me vi caindo num buraco sem fundo. Uma pontada no coração e falta de ar.
Corta a cena. Voltamos quatro meses no tempo.
“A maternidade como a concebemos hoje foi introduzida pelos colonizadores europeus para as mulheres indígenas e negras, que tinham outras formas de organização na questão”. A frase foi publicada na matéria “Nunca quis ter filho”, aqui mesmo da Revista AzMina. De cara, me identifiquei com o título. Quando li essa frase, ela não só chamou minha atenção – ela ressoou na minha alma!
Meu medo de ter filho é o de não ser capaz. Não dar conta. Não confiar em ninguém que vá assumir o compromisso de me dar um suporte verdadeiro. Vou colocar mais um ser humaninho nesse mundo doido pra quê?
Parir é uma coisa que dá um certo pânico. Ao mesmo tempo, sempre quis amamentar. Para mim, parece a coisa mais incrível que uma mulher podia fazer. Contraditório? Talvez. Mas quando li que as indígenas e as negras teriam outras formas de se organizar, uma chama (re)acendeu no meu coração, nas minhas tetas e nas minhas ancas.
Abre parente(sis)
Meu bisavô era índio, da aldeia, curandeiro. Perdemos quase tudo que ele sabia – desde a língua até os remédios. Só restou o cabelo preto escorrido da minha mãe, que eu costumava usar de “peruca” sempre que ela me carregava no colo encaixada na lateral do quadril. Restou o costume de deixar os filhos com as tias e com a avó sempre que ela precisava fazer algo sozinha – “enquanto vocês estiverem aqui, têm que obedecer a tia igual obedecem a mãe”.
Restou quase nada.
Eu já sabia que os Guarani dão muita importância e valor para as tias. E por “tias” se entende, basicamente, todas as mulheres de seu convívio que sejam da mesma geração que sua mãe. Eles as tratam com o mesmo respeito que a mãe e seus conselhos são tão importantes quanto.
Tá aí: eu queria mesmo era ser tia. Dessas que cuidam como se fossem mãe. Eu sonhava em montar uma vilazinha com todas as amigas que têm esse mesmo pensamento e fazer nossa própria rede de mães. E todo mundo se ajudar e ser tia dos filhos das outras.
Mas, afinal
Quais eram essas formas de organização das indígenas e negras antes do colonizador chegar? Eu quero saber! Será que esse outro imaginário de maternidade poderia me salvar? Será que o motivo para eu não querer ser mãe seria essa ideia que eu tenho de maternidade branca, urbana, machista?
Corta.
Volta para aquela sexta-feira à noite.
– Eu acho nada a ver essa coisa de algumas pessoas ficarem fantasiando ou mitificado a maternidade indígena. Maternidade é maternidade.
Daiara tinha passado a semana postando fotos e pedidos de ajuda para os Guarani Kaiowá que estavam sendo massacrados – de novo, ainda, sempre, que droga!, quando isso vai parar? – por fazendeiros no Mato Grosso do Sul. Ela me explica que não é possível falar de maternidade indígena porque existem mais de 300 povos indígenas – sim TREZENTOS. Mesmo que alguns tenham práticas e conhecimentos parecidos, cada um tem sua cultura, que é diferente da dos outros.
E mais: cada recorte vai mostrar uma maternidade diferente – diferente no status social e econômico da mulher dentro da sociedade, se vive na aldeia ou no meio urbano, se tem terras demarcadas ou não. “Eu não sou melhor que ninguém e ninguém é melhor que eu. Não somos diferentes, mas diversos”, me falou a Tukano. E especialmente: não dá pra comparar com a maternidade branca.
– Mas você acha que é possível fazer essa matéria de uma maneira que não seja preconceituosa?
– Acho que você pode mostrar quais as semelhanças. Porque na diferença nasce o preconceito.
7 coisas que aprendi com as indígenas sobre maternidade
A jornada iniciou-se na aldeia do Amaral, dos Guarani Mbya, em Biguaçu, Santa Catarina, onde conheci a erveira Sonia Moreira e sua família. Eu estava procurando sua mãe, Dona Rosa Poty Dja, que já havia viajado para um evento na Chapada dos Veadeiros e não voltaria até o próximo mês.O jeito era ir atrás dela no evento – a Aldeia Multiétnica, do Encontro de Culturas da Chapada dos Veadeiros. Lá, encontrei não apenas Rosa, mas mulheres de sete etnias, com quem convivi por sete dias em uma imersão que até hoje não consegui entender totalmente.
Além do medo e ansiedade para fazer um bom trabalho, o menos preconceituoso possível, encarei a descoberta da claustrofobia de dormir em uma barraca. Quer saber como é viver entre a vontade de fazer algo que adicione à luta de um povo e o medo de errar? Vou te contar o que eu aprendi até agora com as indígenas sobre maternidade:
As culturas são plurais e estão em movimento
Para começar, não é uma coisa só. São 305 povos e 276 línguas conhecidas no Brasil, segundo o IBGE. Cada povo vai ter uma visão sobre a maternidade, um jeito de ser mãe, uma maneira de lidar com as crianças. E mais: cada mulher vai ter o seu próprio jeito de ser mãe, dentro de recortes diferenciados – sua posição social naquela aldeia ou comunidade, sua idade, suas relações familiares, sua relação consigo mesma.
E essa cultura também vai mudar, porque é isso que acontece com as culturas com o passar do tempo. A cultura da Grécia Antiga mudou, a cultura da Roma Antiga mudou durante o Império, a cultura brasileira mudou desde o “descobrimento” até hoje. E tem lados positivos e negativos sobre isso. Todo ser humano é único e isso inclui todo mundo que é humano. Os indígenas e os não-indígenas.
Mãe não é tudo igual. E mãe indígena não é tudo igual.
Inserir algo fora de contexto no seu cotidiano pode dar muito errado
Algo que funciona em uma cultura nem sempre vai funcionar em outra. Aliás, não existe nenhuma regra para isso. Quando eu estava na Aldeia Multiétnica, haviam dois banheiros turcos para nosso uso. Pra quem não conhece, é daqueles em que o vaso é no chão e você precisa agachar para fazer suas necessidades. Eis que alguém me fala que não gostava de usar porque nunca sabia se a sujeira ao redor do vaso era cocô de alguém que não tinha boa mira ou terra de algum sapato que pisou ali. Tentar transportar apenas um pedacinho de uma cultura para o contexto da outra não deu muito certo para aquela pessoa. Apesar das indígenas terem alguns procedimentos que dão certo pra elas com as crianças, nem sempre eles vão funcionar na minha cultura e situação.
A responsabilidade aumenta e o suporte também
Quando as crianças são consideradas filhos de todos, a responsabilidade de cada um é maior. Mas é maior também o apoio. Confiar em outras pessoas é um conforto e uma segurança que me deixariam mais tranquila como mãe. Porque tem coisas que eu faço muito bem e coisas que eu não sei fazer de jeito nenhum. Ter mais gente pra preencher essa lacuna seria um alívio.
Ciúme x compromisso – um aprendizado pra vida
A primeira vez que soube dessa divisão de cuidados entre as mães de uma mesma casa eu lembrei de um colega dizendo: se alguém vai brigar com meu filho, esse alguém sou eu. Eu pensava como eu ia me sentir se alguém chamasse a atenção de um filho meu. Se amamentasse meu filho no meu lugar… “Não dá pra dizer que não existe ciúme da mãe. Mas ela sabe que é importante que o filho dela vá para o mato com a avó, que seja alimentado pela tia”, me explicou Joziléia. O seu ciúme não pode estar acima do bem estar das crianças. E o melhor: você ganha esses momentos multiplicados, porque também vai poder dar de mamar para outros bebês, aumentando seus laços de amor. E aí você estende esse aprendizado de criar laços sem precisar prender para todas as relações da sua vida. Tem coisa mais linda?
Para pintar a criança sem borrar é só esperar ela dormir
É basicamente isso. Porque as pinturas corporais são feitas com uma mistura de jenipapo, água e carvão. E aí você tem que esperar secar senão borra tudo e você fica parecendo uma mancha ambulante. Para que as crianças não “se sujem” e não borrem a pintura, não precisa brigar, não precisa prometer doce, não precisa se estressar: é só pintar elas enquanto estão dormindo. Uma super lição de paciência!
A vida é cíclica
A natureza é cíclica. Tem estações, chuva e sol, dia e noite. A menstruação é chamada de tempo da lua – sim, a menstruação tem as mesmas fases da lua e deveria ocorrer em um período regular de um ciclo lunar. As gerações também fazem parte dos ciclos. Representam ciclos da vida – o feto, a criança, o adulto, o idoso. O mundo, o ser humano, a vida – tudo é cíclico. E quando a gente não respeita os ciclos, a gente tem cólica menstrual, o fluxo de sangue não é saudável, tem dificuldade de engravidar e fazer brotar mais vida na Terra. Em todos os sentidos.
Pra ser mãe não precisa ter filho biológico
A menina Kayapó devia ter no máximo quatro anos de idade. Ela vinha carregando um bebê que deve ter pouco mais de um ano. Ela carrega a criança para todos os lados, igual as mulheres mais velhas fazem. Ela lhe dá de comer e brinca com ele.
Daniela me conta que há um caso em uma aldeia Tapayuna de uma mulher que tem apenas um filho. É pouco para a realidade do local. Mas ela exerce maternidade cuidando das outras crianças da aldeia. Obedecer as tias para os guaranis é tão importante quanto obedecer a mãe. E às vezes, pedir conselho para as tias é até melhor.
Em geral, as indígenas que vivem em áreas demarcadas, onde a segurança alimentar e política é mais estável, vão querer ter mais filhos. Adotar também é algo mais “corriqueiro”, “usual”.
Adotando ou não, é possível experimentar a maternidade sem ter filhos biológicos.
Do que aprendi nessa jornada, é isso que posso contar. Talvez outra pessoa menos preconceituosa aprendesse outras coisas. Talvez não houvesse reportagem se esta não tivesse partido de um preconceito. Então eu me despeço com a esperança de ter feito um bom trabalho e agradecendo a todas as indígenas e não-indígenas que fizeram parte da rede de suporte nesse aprendizado.
Porque a mãe dessa série não sou eu, somos NÓS.