ATENÇÃO: A reportagem abaixo mostra trechos explícitos de conteúdo misógino e racista. Optamos por não censurá-los porque achamos importante exemplificar como o debate é violento nas redes, como a violência política contra mulheres se espalha pelas redes e é sexista em suas formas, quais termos são frequentemente utilizados e como podemos identificá-la.
A violência política de gênero e os ataques às candidatas mulheres não acontecem apenas no mundo on-line. Nas redes sociais, o MonitorA, projeto da Revista AzMina e do InternetLab, já mostrou que candidatas chegam a receber mais de 40 xingamentos por dia. Mas essa é uma ponta da violência de política de gênero, que fora da internet ganha forma de atentados e ameaças físicas.
Em Belém, no Pará, a então candidata a vice-prefeita Patrícia Queiroz, do Partido Social Cristão (PSC), recebeu ataques nas redes sociais, mas também sofreu o mais grave tipo de violência: contra a sua vida e a de sua família. Na madrugada do dia 23 de outubro, sua casa foi alvo de pelo menos quatro tiros e um atingiu o quarto de seu filho de apenas cinco anos. Ninguém ficou ferido.
Patrícia afirmou que não havia sido ameaçada com essa gravidade anteriormente. “É minha primeira vez na política como candidata, então não imaginei que algo desse tipo pudesse ocorrer. Eu estava em casa com o meu filho, já passava da meia noite, ele estava dormindo. Foi quando eu ouvi uns barulhos que não identifiquei imediatamente porque não reconheço barulho de tiro. Meus vizinhos me alertaram que homens dentro de um carro haviam disparado tiros em direção a minha casa e ao meu carro. Quando eu percebi que havia atingido o quarto do meu filho, me desesperei”, relata Patrícia.
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Um ataque que, para a ex-candidata, tem a ver com o fato de ela ser mulher. Patrícia era vice na chapa do deputado federal José Priante. “Creio que foi uma violência contra mulher, uma maneira de me intimidar como mãe e como mulher, de tentar me fazer parar, de me fragilizar”, finaliza.
Seu caso não foi o único. Gizelle de Freitas, da Bancada Mulheres Amazônidas, candidata ao cargo de vereadora em Belém, também precisou registrar um boletim de ocorrência no dia 11 de novembro, após sofrer tentativa de uma agressão física por parte de um senhor de meia idade. O homem foi incitado a agredir o grupo de mulheres por um grupo de homens do partido opositor aos das candidatas. No vídeo divulgado no Twitter, é possível vê-los confrontando Gizelle. “Eles nos xingavam de vários nomes entres os quais ‘vagabundas de esquerda’, tentando nos desqualificar. Quando confrontei o senhor, perguntando por que ele estava fazendo aquilo, ele veio para me agredir, só não o fez porque as pessoas da rua o impediram”, conta a assistente social.
Em novembro, um estudo do Instituto Terra de Direitos e da Justiça Global mostrou que, entre 2016 e 2020, a região Norte do país contabilizou ao menos 18 assassinatos e atentados contra políticos. Onze deles aconteceram no Pará. Se ser candidato no Estado é perigoso, ser candidata pode ser ainda mais.
As agressões e o assédio começam nas campanhas de rua. “Ouvia as gracinhas, fatos que me reduziam, que iriam votar em mim pela minha aparência”, conta Lívia Noronha que foi a primeira mulher negra a candidatar-se à prefeitura de Ananindeua e a conseguir votos expressivos que lhe deram o segundo lugar na disputa eleitoral.
“Eu evitava fazer campanha em um espaço na rua em que só houvessem homens e muitas vezes fui tocada sem o meu consentimento”, aponta Vivi Reis (PSOL-PA), vereadora mais votada em Belém e suplente de Edmilson Rodrigues (PSOL-PA), eleito prefeito, na Câmara Federal.
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Violência dentro dos partidos
Lívia e Vivi também apontam a presença de racismo e machismo na disputa de poderes partidários dentro das próprias siglas. “Internamente eu sofri racismo e machismo porque precisava sempre me afirmar competente para a disputa em que estava me colocando. E quando eu percebia isso e reclamava, ouvi muitas vezes que estava ‘viajando’, ficando louca. O que a gente chama de gaslight, né? Essa tentativa de fazer com que a gente desacredite na nossa própria capacidade”, afirma. Lívia é mestra em Filosofia (UFPA), educadora popular há nove anos, coordenadora-geral do cursinho (R)Existência, mãe e empreendedora, feminista e pesquisadora de Filosofias Feministas, Africanas e Afrodiaspóricas.
“Eu fui percebendo que nós mulheres somos as que mais sofrem dentro dos partidos políticos, dentro da disputa institucional. Nós enquanto mulheres negras fazemos a disputa por dentro, porque também não dá para nos retirarmos dos partidos para deixarmos esses espaço no vácuo”, explica Vivi, que ao assumir o cargo de suplente em Brasília cederá espaço a outra mulher negra na câmara municipal, a Enfermeira Nazaré (PSOL). “O PSOL tem uma resolução nacional que destina um percentual de tempo de televisão e verba para pessoas negras, LBGTQI +, e exigimos que isso fosse cumprido aqui em Belém, mesmo assim a gente sabe que não é uma disputa acabada. Os homens brancos são naturalmente a prioridade dentro dos partidos.”
Um dos exemplos dessas disputas intrapartidárias aconteceu após o pleito municipal. Vivi e Bia Caminha (PT), que aos 21 anos tornou-se a mais jovem vereadora eleita na capital paraense, foram barradas e depois expulsas de participar da coletiva de imprensa do prefeito eleito no comitê do PSOL, na noite da eleição. A situação foi denunciada pela vereadora petista no Twitter.
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“Estavam barrando a minha entrada e da Bia na coletiva de imprensa. Conseguimos entrar juntas. Entretanto, tiraram a Bia de lá de dentro e quando eu vi que naquele espaço só estavam homens, eu fiquei indignada. Em solidariedade à Bia, me retirei do espaço”, conta Vivi.
Em nota oficial e através de suas redes sociais, o prefeito eleito repudiou o ocorrido e afirmou que recebeu a informação com indignação. Disse que nunca orienta quem trabalha com o Partido Socialista a agir desta forma, ainda que a coletiva de imprensa fosse reservada apenas para o prefeito Edmilson, o vice-prefeito, Edilson, e os partidos coligados e apoiadores.
Procurada, Bia não quis dar entrevista. Segundo sua assessoria, após o episódio com o comitê do PSOL-PA, a vereadora vem sendo atacada em suas redes sociais por pessoas que se declaram bolsonaristas e também pessoas da própria esquerda. Receber xingamentos e ofensas nas redes sociais durante o primeiro e segundo turno das eleições foi uma realidade para candidatas de todo o País, como mostrou o MonitorA.
O mesmo acontece com as mulheres trans. Renata Taylor, candidata a vereadora por Belém, recebeu mensagens ao longo da campanha que deslegitimavam a sua candidatura, dizendo que travestis não poderiam se candidatar. “Essas coisas machucam, sabia?”. Renata não foi eleita.
Para a advogada atuante na defesa dos direitos das mulheres Leila Paduano, o ambiente político é hostil às mulheres e é preciso enfrentá-lo. “Temos um quórum que tem que ser obedecido de 30% de um gênero para 70% do outro no máximo, mas sabemos que é muito difícil completar uma coligação com maioria de mulheres porque as mulheres não se sentem incentivadas, queridas nesses espaços”, afirma a especialista.
Para Natasha Vasconcelos, advogada e fundadora do Política Para Mulheres, outras regras eleitorais que pudessem corrigir essas desigualdades sociais no campo da política não foram criadas. “A gente tem que entender se a mulher não é bem quista dentro do espaço político, a mulher preta menos ainda. A Bia, a Vivi, a Lívia, elas conseguiram furar essa barreira. Não foi fácil e não será, certamente, mas elas contam com a gente.”
O MonitorA é um observatório de violência política contra candidata nas redes, um projeto da Revista AzMina e do InternetLab, com parceria do Instituto Update. A ferramenta de análise de dados foi desenvolvida pelo Volt Data Lab e os glossários de termos pesquisados foi desenvolvido pela pesquisadora em discurso de ódio Yasmin Curzi.
O MonitorA conta ainda com a parceria de veículos locais que produzem reportagens sobre violência política com o recorte de seus territórios. Esta matéria, sobre o cenário do Pará, foi produzida por Amazônia Real. Participam do MonitorA ainda o Marco Zero (BA), a Agência Mural de Jornalismo das Periferias (SP), o Portal Catarinas (SC) e o BHAZ (MG).
Pelo InternetLab, o MonitorA é uma das frentes do projeto Reconhecer, Resistir e Remediar, uma parceria com a organização indiana IT for Change, financiada pelo IDRC (International Development Research Center), para pesquisar manifestações e problemas no enfrentamento ao discurso de ódio online contra mulheres no Brasil e na Índia.