É cada vez mais difícil encontrar um homem que ainda tenha a coragem de defender que mulheres e homens sejam tratados de maneiras diferentes no trabalho. Mas é ainda mais raro encontrar uma mulher que não tenha sofrido com estereótipos e se sentido discriminada neste ambiente.
Estereótipos não são necessariamente negativos, mas uma ideia previamente concebida, positiva ou negativa, sobre um grupo, uma nação ou um gênero. No ambiente de trabalho, no entanto, inúmeros deles nos prejudicam a ponto de reduzir o número de mulheres em carreiras vistas como masculinas ou em posições de liderança.
Um estudo liderado pela pesquisadora Corinne Moss-Racusin comprovou isso. Os pesquisadores solicitaram que faculdades de ciência avaliassem currículos de diversos estudantes. A única diferença entre eles era o gênero dos supostos candidatos. Os homens foram classificados como “significativamente mais competentes”, além de receberem ofertas maiores de salários.
“O estereótipo do masculino está muito mais próximo do estereótipo do ‘ser um bom profissional’ do que o estereótipo do feminino. Você contrata alguém focado em resultados, prático, bom de números, disponível para o trabalho ou prefere uma pessoa, gentil, dedicada, modesta, disponível para a família?”, explica Renata Moraes, fundadora da Impulso Beta, uma start up para promoção da diversidade de gênero no mercado de trabalho. “Isso acontece porque o mundo do trabalho foi criado para homens seguindo padrões de uma masculinidade estereotipada, que está superada, inclusive, para boa parte dos homens.”
Assim, explica Renata, quando uma mulher quer crescer na carreira, ela muitas vezes se vê forçada a se alinhar ao estereótipo do masculino e passa a ser criticada como excessivamente dura ou “masculinizada”.
Os estudiosos deram a esse fenômeno o nome de “corda apertada”, e ele descreve situações em que uma mulher precisa escolher entre ser querida ou respeitada em seu trabalho.
“Esse cenário é de uma pressão emocional gigantesca para as mulheres”, afirma Renata.
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Os estudos também mostram que os estereótipos levam as mulheres a receberem mais elogios, porém menos recursos do que os homens. Nos Estados Unidos, onde há mais dados sobre o tema, os homens iniciam negociações pedindo aumentos salariais até quatro vezes mais que as mulheres – uma consequência do ambiente negativo e maior pressão que mulheres enfrentam no mercado de trabalho.
De acordo com uma pesquisa liderada por Rachel Godsil, em 2012, homens e mulheres tendem a evitar demonstrar excelência em atividades que são tipicamente associadas ao sexo oposto para evitar rejeição social. Assim, o medo da represália, além de evitar que indivíduos talentosos realizem seu potencial, perpetua preconceitos e exclusão em atividades que são vistas como exclusivas de um gênero.
Outro estereótipo muito comum no ambiente de trabalho são as guerras de gênero, quando, de maneira inconsciente, as mulheres de uma empresa, exatamente por sentirem que há lugar para poucas mulheres em cargos importantes e de liderança, começam a competir entre si.
Foi o que aconteceu com Ana*, estilista em uma grande varejista, ela se viu ridicularizada por colegas de trabalho e superiores simplesmente porque se recusava a alisar o cabelo, se maquiar e usar salto alto.
Ana rejeitava o padrão de feminilidade que lhe foi imposto e, apesar de quatro anos mostrando bons resultados em seus projetos, foi demitida assim que surgiu a primeira oportunidade.
“Todos os estereótipos amplamente difundidos na sociedade são absorvidos por homens e mulheres, fazendo com que as mulheres apliquem sobre si mesmas esse olhar limitante”, opina ela. “Vemos mulheres sendo mais duras consigo mesmas do que o necessário, na ânsia de sempre se provarem mais, abdicando de sonhos por acreditarem que tais aspirações não são para elas, exercendo habilidade que talvez nem sejam suas inclinações naturais por achar que isso é o que se espera dela por ser mulher”.
No caso de grupos duplamente estigmatizados, como mulheres negras, as consequências dos estereótipos são ainda mais desvastadoras, segundo o estudo “Os efeitos de gênero, viés implícito e estereótipo nas vidas de mulheres e meninas”, dos pesquisadores Rachel Godsil, Linda Tropp, Phillip Goff, John Powell e Jessica MacFarlane, de diversas universidades americanas.
“Mulheres latinas sem ensino superior experimentam muito mais intensamente os sintomas da ameaça de estereótipo, como interferência congnitiva e auto questionamento”.
Assim, concluem os pesquisadores, “na intersecção de raça e gênero, os estereótipos se intensificam”.
O mesmo aconteceria com a intersecção de gênero e sexualidade. Não é incomum mulheres sentirem medo de ficarem sozinhas com seus chefes, temendo assédio. No caso de Natalia*, publicitária e lésbica, esse medo se concretizou quando soube que superior direto contou a outra colega que tinha “uma fantasia” de um dia ver as duas se beijando. “Por um tempo fiquei com medo de ficar sozinha com ele”, conta Natalia.
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Além de apresentar os efeitos danosos dos estereótipos sobre a vida das mulheres e meninas, os pesquisadores também propõem soluções para reduzir seu impacto nas empresas.
A Impulso Beta costuma recomendar ações parecidas às empresas que procuram aumentar a diversidade no ambiente de trabalho. Segundo Renata, o primeiro passo é reconhecer que os processos de recursos humanos “não são isentos” de viés dos envolvidos, mesmo quando bem intencionados” e, assim criar, processos para combate-los.
* Os nomes das profissionais retratadas foram preservados.