Nadine Gasman, representante da ONU Mulheres no Brasil, revela o que os líderes mundiais planejaram para o futuro do planeta – e como pretendem virar o jogo a favor das mulheres. Diretamente da Assembleia Geral da ONU, com exclusividade para a Revista AzMina. Confira!
O ano de 2015 é um divisor de águas na agenda global. Há uma grande expectativa sobre o processo que se iniciará com a adoção de um acordo sobre a Agenda de Desenvolvimento 2030 pela Assembleia Geral da ONU. O documento, chamado “A transformação do nosso mundo: a Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável”, é um plano abrangente para as pessoas e o planeta que, pela primeira vez, reúne as três dimensões do desenvolvimento sustentável — econômica, social e ambiental — em um único e ambicioso texto. Nele, a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres e meninas figuram como fundamentais para os direitos humanos e o desenvolvimento sustentável.
Passaram-se vinte anos desde que 189 países adotaram a Declaração e a Plataforma de Ação de Pequim, durante a Quarta Conferência Mundial sobre as Mulheres. Esse documento trouxe uma visão extraordinária para a obtenção da igualdade de gênero e impulsionou grandes avanços, em vários níveis. Hoje, temos muito mais leis (e leis muito melhores) que visam à igualdade de gênero e ao empoderamento das mulheres. Os exemplos são muitos: testemunhamos o crescimento do número de meninas que estão na escola, percebemos maior participação de mulheres na política e na economia; e muitas mulheres, agora, têm maior acesso a direitos reprodutivos.
Mas o avanço ainda é lento, desigual e insuficiente. Até hoje, a igualdade de gênero não foi alcançada em nenhum país do mundo. E quando falamos de igualdade de gênero, estamos apenas reivindicando algo nada mais que justo: que homens e mulheres, meninos e meninas, tenham direitos iguais.
Há economias e sociedades que, contradizendo suas próprias leis, cronicamente desvalorizam as mulheres e meninas. Algumas práticas culturais enraizadas formam barreiras, que impedem os benefícios de muitas leis voltadas para a igualdade de gênero. Convenções e acordos internacionais acabam também sendo burlados por práticas locais. Por exemplo: embora exista uma lei de proteção às mulheres em situação de violência no Brasil (a lei Maria da Penha), os dados demonstram que ainda há grande tolerância em relação a comportamentos machistas e sexistas que levam à violência de gênero. Prova disso é que, ainda hoje, 50 mil mulheres são vítimas de estupro por ano e mais de 40 mil mulheres foram vítimas do feminicídio no Brasil na última década.
Todos esses problemas têm solução. Governantes podem aumentar a participação política das mulheres por meio de cotas, eliminar ou corrigir políticas discriminatórias, garantir a implementação de medidas benéficas às meninas e mulheres, aderir ao movimento global pela igualdade de gênero, entre outras muitas coisas. A sociedade civil e as empresas também devem persistir em exigir dos governos uma agenda equitativa. E os homens têm um papel essencial nessas transformações. Eles têm a responsabilidade de decidir não recorrer à violência, de recusar remuneração desigual e de combater qualquer tipo de discriminação baseada no gênero.
Somos a primeira geração a ter a chance de acabar com a pobreza e avançar, significativamente, na busca pela igualdade de gênero, com uma visão compartilhada de justiça social e direitos humanos. No último fim de semana, a Assembleia Geral da ONU adotou a Agenda de Desenvolvimento Pós-2015 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis. Desde o início de sua elaboração, a ONU procurou criar uma agenda verdadeiramente transformadora e, para tanto, universal e ancorada nos direitos humanos.
Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis e suas 169 metas visam a superar as barreiras sistêmicas ao desenvolvimento. Eles enfatizam fortemente a importância da igualdade de gênero e do empoderamento das mulheres como essenciais para o desenvolvimento sustentável. Por isso, celebramos não só o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável número 5, que especificamente aborda as barreiras estruturais para o empoderamento das mulheres, mas também as importantes metas de igualdade de gênero que estão refletidas nos outros objetivos. São metas baseados em tratados de direitos humanos, como o Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, e sustentadas pela Plataforma de Ação de Pequim.
Isso significa um passo importantíssimo para alcançar um planeta 50:50 em 2030 — o tão sonhado planeta onde homens e mulheres têm os mesmos direitos e oportunidades.
Os Estados-Membros da ONU fizeram um acordo histórico e reconheceram as importantes contribuições da sociedade civil organizada, especialmente das organizações de mulheres, que se posicionaram de modo claro e consistente, o que ajudou a garantir um texto forte sobre a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres e meninas.
Isso tudo significa que a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres finalmente deixaram de ser objetivos secundários e tornaram-se centrais à agenda do desenvolvimento. Sabemos que a prova de fogo será a profundidade e a velocidade da implementação desses objetivos a nível nacional, com foco nas mulheres e meninas que vivem em situações de maior vulnerabilidade. Isso vai requerer uma forte liderança dos governos, com uma plena participação de todos os setores da sociedade, incluindo as organizações de mulheres, movimentos sociais e indivíduos. Estamos todas e todos atrasados, mas contamos agora com uma agenda positiva e transformadora. Não há tempo a perder.
Objetivo 5 em detalhes
Para alcançar a igualdade de gênero até 2030 foram propostas uma série de metas como:
- Acabar com todas as formas de discriminação contra todas as mulheres e meninas em toda parte;
- Eliminar todas as formas de violência contra todas as mulheres e meninas nas esferas públicas e privadas, incluindo o tráfico e exploração sexual e de outros tipos;
- Eliminar todas as práticas nocivas, como os casamentos prematuros, forçados e de crianças e mutilações genitais femininas;
- Reconhecer e valorizar o trabalho de assistência e doméstico não remunerado, por meio da disponibilização de serviços públicos, infraestrutura e políticas de proteção social, bem como a promoção da responsabilidade compartilhada dentro do lar e da família, conforme os contextos nacionais;
- Garantir a participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, econômica e pública;
- Assegurar o acesso universal à saúde sexual e reprodutiva e os direitos reprodutivos, como acordado em conformidade com o Programa de Ação da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento e com a Plataforma de Ação de Pequim e os documentos resultantes de suas conferências de revisão;
- Realizar reformas para dar às mulheres direitos iguais aos recursos econômicos, bem como o acesso a propriedade e controle sobre a terra e outras formas de propriedade, serviços financeiros, herança e os recursos naturais, de acordo com as leis nacionais;
- Aumentar o uso de tecnologias de base, em particular as tecnologias de informação e comunicação, para promover o empoderamento das mulheres;
- Adotar e fortalecer políticas sólidas e legislação aplicável para a promoção da igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas em todos os níveis.