Nossa sociedade ainda é baseada na crença de que homens dominam as mulheres – que devem se sujeitar à sua autoridade e vontade. Apesar do espaço conquistado por nós na vida pública nas últimas décadas, o machismo é reforçado o tempo todo na cultura brasileira pela própria sociedade. O Instituto de Pesquisa Econômica Avançada (IPEA), por exemplo, reconhece que a violência de gênero é um reflexo direto do machismo, que coloca a mulher como objeto de desejo e de propriedade do homem.
Mas não se desespere pois a lei tem avançado muito – e a seu favor! E devemos isso às mobilizações sociais que combateram e combatem a violência de gênero. Uma das maiores conquistas da última década foi a aprovação da Lei nº 11.340/2006 – a famosa Lei Maria da Penha –, que criou instrumentos de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. Deixando o juridiquês de lado, a Lei Maria da Penha, basicamente, protege as mulheres contra qualquer violência doméstica de gênero que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual, psicológico ou patrimonial e seja cometida por alguém que tenha um vínculo afetivo com ela.
Em 2014, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu mais um passo para que essa lei se tornasse ainda mais incrível: decidiu que, para que uma agressão contra a mulher seja considerada violência doméstica e familiar, basta que tenha acontecido em decorrência de uma relação amorosa. Ou seja, hoje em dia, se uma mulher for agredida por seu companheiro, não precisa mais comprovar que viviam sob o mesmo teto ou que ela estava em posição vulnerável. A Ministra Laurita Vaz, do STJ, concluiu que a mulher sempre está em posição de vulnerabilidade, no tocante a constrangimentos físicos, morais e psicológicos, já que o homem é, em geral, fisicamente mais forte. “É preciso que o Estado ofereça proteção especial para reequilibrar a desproporcionalidade existente (de forças entre homem e mulher)”, ela defendeu.
O que tudo isso significa na prática? Que a lei brasileira considera como violência doméstica algo que pode acontecer em qualquer relação íntima de afeto – vale marido, namorado, noivo, rolinho e todo o resto. E a expressão “violência doméstica” inclui não só a violência física, mas qualquer conduta que ofenda a integridade da mulher, cause dano emocional e diminuição da autoestima, prejudique e perturbe o seu pleno desenvolvimento ou diminua sua capacidade de controlar as próprias ações, comportamentos, crenças e decisões. A violência não vem sempre em forma de tapas, mas com ameaças, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração, limitação do direito de ir e vir e um monte de outras coisas.
E existe ainda a violência sexual. Sim, amiga, namorado e marido também estupram. Você tem direito de desistir de uma relação sexual em qualquer parte do processo, mesmo que a penetração já esteja acontecendo! Se seu parceiro te constranger a presenciar, manter ou participar de uma relação sexual não desejada, usando intimidação, ameaça, coação ou uso da força, isso é violência sexual. Se ele te forçar a vender a sua sexualidade, impedir que use qualquer método contraceptivo ou forçá-la ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, é violência sexual.
Existe ainda a violência patrimonial. Isso acontece quando o parceiro abusivo retém ou destrói, parcial ou totalmente, seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades. Por fim, a violência moral pode ser entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
Portanto, a violência doméstica e familiar contra a mulher – não se aplica à Lei Maria da Penha em favor do homem, isso é assunto pra outro artigo – abrange uma série de ações e omissões que atingem diariamente milhares de mulheres brasileiras, independente de classe social. Ao contrário do que muitos pensam, a violência não é apenas a agressão física. A violência psicológica é muito mais comum do que imaginamos e suas consequências perduram por anos, muitas vezes por toda a vida.
Se você já sofreu ou está sofrendo violência doméstica, há instrumentos legais que podem protegê-la (medidas protetivas de urgência que poderão ser aplicadas de imediato pelo juiz), tais como a determinação judicial para o afastamento do agressor do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida, a proibição de aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, sendo fixado o limite mínimo de distância, o pagamento de pensão, dentre outros.
O primeiro passo é procurar ajuda. Há uma Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180), criada pela Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, que funciona 24 horas por dia e recebe ligações de qualquer lugar do país. Eles recebem as denúncias e as encaminham aos órgãos competentes. A ligação é gratuita de telefone fixo ou celular. Você também pode ir até a delegacia da mulher mais próxima da sua casa (ou qualquer delegacia, caso não haja delegacia especializada da mulher), registrar um boletim de ocorrência narrando todos os fatos e pedir imediatamente todas as medidas protetivas de urgência necessárias, inclusive o seu acolhimento e o de seus dependentes em um abrigo de proteção.
É comum que as vítimas sintam medo e tentem negar a violência que estão sofrendo, muitas vezes em decorrência da própria manipulação do agressor. Seja forte e dê um basta. Procure o apoio de amigos e familiares. A violência pode começar com xingamentos, controle excessivo e desrespeito. Porém, está comprovado que, na maioria dos casos, ela evolui para atos cada vez mais graves. Não permita que isso aconteça. Você merece ser respeitada. Sem violência a vida pode ser maravilhosa!