Branquitude é uma série de vantagens sociais, econômicas, materiais e simbólicas que as pessoas brancas têm em uma sociedade racista. Um exemplo de como isso acontece na prática é dado por Cida Bento, uma das principais pensadoras brasileiras sobre o assunto, que escreveu o livro “O Pacto da Branquitude”. Ela narra que, quando era executiva de recursos humanos de uma determinada empresa, foi incumbida de sugerir candidatas para um processo seletivo que iria contratar secretárias para trabalharem em um banco. Para a entrevista inicial com o chefe da instituição, ela indicou duas mulheres negras, mas foi repreendida duramente. Por telefone e aos berros, o gerente perguntou se não tinham contado a ela que não contratavam negras como secretárias. Não importava a qualificação, elas estavam fora.
Essa engrenagem que não só oprime um grupo por causa de sua raça, mas privilegia outro por causa de sua raça, é chamada de branquitude e, assim como o racismo, também é estrutural. “Não é que as pessoas acordam 5 horas da manhã para combinar, mas nas diferentes instituições você tem o mesmo tipo de perfil de pessoas liderando e (isso) significa tomar decisões que influenciam o país“, explica Cida Bento em entrevista para o Roda Viva. Não é possível combater o racismo, sem falar de branquitude – eles estão interligados.
Mulheres, pessoas pretas e pardas são os que mais sofrem com o desemprego no Brasil, conforme os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad). Nos três primeiros meses de 2023, o número de pessoas negras sem emprego era de 21,4%, e entre os brancos é de 6,8%. Não é um dado isolado. “A maior taxa de desocupação entre mulheres e entre pessoas de cores preta e parda é um padrão estrutural do Brasil. Essas populações também estão sobrerrepresentadas na informalidade, se comparadas aos homens e às pessoas de cor branca”, explica Alessandra Brito, pesquisadora do IBGE.
Cida Bento cunhou o termo “Pacto Narcísico da Branquitude” ao investigar a forma com que indivíduos brancos se protegem e fazem a manutenção desses lugares de poder, fazendo com que pessoas brancas sempre prefiram pessoas brancas. Um acordo não verbalizado de autopreservação que atende interesses de determinados grupos e perpetua o poder sempre entre essas mesmas pessoas.
Lista de privilégios
Em 1988 a ativista Peggy McIntosch fez uma lista com 46 privilégios de pessoas brancas. Alguns são:
- Se ver amplamente representada em programas e revistas;
- Consigo proteger os meus filhos na maior parte do tempo de pessoas que possam não gostar deles
- Fazer compras sem ser perseguida ou incomodada;
- Encontrar maquiagens no tom da sua pele com facilidade
- Ignorar a língua e os costumes de pessoas não brancas sem sentir culpa nenhuma;
- Falar palavrões ou se vestir com roupas de segunda mão sem que as pessoas atribuam essas escolhas à baixa moral, pobreza e analfabetismo;
- Não precisar se posicionar em nome de toda uma raça;
O silêncio histórico em torno dessas vantagens também é um efeito da branquitude.
“Quase nunca se fala na herança escravocrata e nos seus impactos positivos para as pessoas brancas”, argumenta Cida Bento em seu livro. Parte desse silenciamento tem a ver com a própria autopercepção racial dos indivíduos brancos que tendem a se ver como universal, neutro e padrão. A raça, partir dessa perspectiva, está sempre no outro: no negro, no indígena e no amarelo, que são constantemente chamados a oferecer saídas à opressão causada pela própria branquitude, que ocupa esse lugar, sem rever seus privilégios.
Se afastando do letramento racial, as pessoas brancas negam o próprio passado de violência, ao passo em que disseminam e tiram proveito de uma falsa ideia de superioridade racial. A partir dessa negação, surgem ideias como a da meritocracia, que desconsidera as desigualdades históricas fundadas no racismo, e coloca exclusivamente no indivíduo a responsabilidade e o mérito de diminuir desvantagens. Mas essas diferenças sociais só podem ser transformadas estruturalmente – e não individualmente.
Mesmo assim, a branquitude não favorece as pessoas brancas de forma igual. Raça, classe, religião, sexualidade, idade, identidade de gênero e outros marcadores vão interferir em como essas vantagens são vividas. AzMina se aprofundou nos efeitos da interseccionalidade neste vídeo. Em uma sociedade racista, machista e colonizada, o auge da branquitude ainda é o homem hétero, cis e branco.
Não basta não ser racista
O racismo facilita para pessoas brancas o acesso à educação, moradia, empregos e vida digna. Se você é branca, pode usar desse privilégio para diminuir a desigualdade, participando de ações coletivas e individuais, constantes e estruturais, que enfrentem a branquitude.
É importante também construir um repertório de profissionais negros e negras nas mais diferentes áreas e contratar os serviços e produtos dessas pessoas. Fazer circular o dinheiro entre pessoas não brancas é uma forma de gerar oportunidade e autonomia financeira. Seja responsável pelo seu letramento racial e se posicione quando assistir uma cena de racismo, denunciando, ficando ao lado da vítima e repreendendo a pessoa que cometeu o crime.
Outra atitude é apoiar políticas afirmativas que tem como objetivo diminuir a desigualdade, como a de cotas nas universidades. Leia autoras e autores negros, cobre para que as universidades disponibilizem livros dessas pessoas nas bibliotecas – negar outras narrativas é uma forma de manutenção da branquitude. Converse sobre o passado histórico de seu povo com os seus pares e provoque discussões sobre privilégios. São posturas simples, mas que tendem a ser mais eficientes do que só sentir culpa por ser branco, ou só dizer que não é racista.