E u sou feminista. Todo mundo que me conhece não duvida. Eu passo a maior parte do meu dia dedicada a esse movimento de corpo e alma. E, mesmo assim, eu tenho medo de fazer críticas à maneira como ele é organizado no Brasil. Isso porque avaliações negativas são super mal recebidas na internet e qualquer pessoa que as faça estará se colocando na posição de sofrer uma enxurrada de perseguições. Fiquei encucada com isso esses dias e resolvi botar isso pra fora. Afinal, movimentos que não aceitam críticas ou discordâncias tendem a minguar e morrer, em vez de evoluir.
Claro, divamos em 2015, a primavera das mulheres. Mas há tanto ainda em que precisamos evoluir para acolher a TODAS, não? Como são críticas construtivas, coloquei elas em formato de sonhos. E se eu pudesse idealizar um feminismo melhor em 2016, ele seria assim:
Nós, feministas, vamos aprender a discordar respeitosamente na internet. A internet se transformou em uma das maiores ferramentas disponíveis para o empoderamento feminino e não é à toda que 2015 foi apelidado de “Primavera das Mulheres” devido às dezenas de maravilhosas campanhas que tomaram força na rede neste ano. Contudo, o movimento sofre de um sintoma típico de doenças da internet: agressividade. Isso não é uma especificidade do feminismo, a humanidade inteira tende a ser estupidamente violenta na internet, como se do outro lado não houvesse um ser humano. Algumas feministas também têm feito isso umas com as outras, tratando qualquer pessoa que faz um questionamento como uma “traidora da causa que merece ser atacada”. Caras, feminismo não é religião e não tem dogmas. TUDO está aberto ao debate por qualquer pessoa.
Nós vamos parar de dar carteirada nas novatas. Se tem uma coisa que me irrita em grupos feministas é quando alguém vai lá e diz “Fulana, quanta ignorância, você precisa ler mais”. A frase não só é agressiva, sim, como é elitista. Presume que o feminismo é um tesouro só disponível às esclarecidas, alfabetizadas e, de preferência, iniciadas na academia ou na militância. Neste caso, eu afirmo: o feminismo mais verdadeiro acontece na rua e em casa, quando uma mulher que nunca sequer ouviu falar no nome do movimento enfrenta um parceiro abusador, sai de casa e vai enfrentar a vida e os machismos do mundo sozinha. Claro que leitura ajuda e não devemos desprezar o conhecimento, mas debater com uma pessoa como se ela fosse digna de seu tempo e sua cortesia é algo muito mais produtivo do que dizer “você está abaixo do meu nível e do meu repertório de leituras, voltamos a falar quando você me alcançar”.
Nós nunca mais teremos inveja das feministas que conquistam espaço nem as perseguiremos. Stephanie Ribeiro, uma feminista negra muito inteligente e sem medo de dizer verdades, publicou um ótimo artigo na Revista AzMina recentemente sobre amizades abusivas e inveja dentro do feminismo. Concordo com ela. E digo mais: eu mesma, como Stephanie, sou vítima de ataques por parte de diversas mulheres que se dizem feministas toda vez que dou uma entrevista na televisão ou em um grande jornal. Gente, qual o problema de ver uma mulher brilhando que não seja você? Cada mulher que galga caminhos, na verdade, abre mais espaço pra que você brilhe mais e mais!
Nós vamos continuar fazendo críticas, mas sem desrespeitar a religião alheia. Não estou dizendo aqui que todo mundo têm que concordar com as posturas conservadoras e machistas de grupos religiosos, mas debatê-las com respeito quando se fala com uma mulher adepta daquela fé é um ato de irmandade, sem falar em boa educação. As mulheres religiosas precisam entender que o feminismo é pra elas também e que não precisam escolher entre o inferno ou direitos na terra.
Mesmo quem odeia homens vai deixar em paz quem não os odeia. Não existe nenhuma regra no feminismo que determine que só quem odeia homens é bem-vinda ao clube. Claro que algumas mulheres sofreram traumas horríveis e querem ver os homens bem longe e isso deve ser totalmente respeitado, mas é preciso aceitar que isso não vale pra todo mundo e que se a fulana quer considerar o filho, o pai, o irmão e o namorado quando pensa em equidade ela tem todo o direito de falar e ser ouvida sem ser atacada com milhares de pedras como se fosse uma agente secreta do outro lado da força. Nós já superamos a ideia da guerra dos sexos depois da pré-escola, pessoal.
Continuaremos poderosas, espantando o mundo com nossa capacidade de criar hashtags viralizantes. Porque, vamos combinar, né? A gente já é foda como é, imagina se ficar melhor?
Que o nosso feminismo de internet vá mais para o mundo real. Que a gente tome atitude quando vir comportamentos machistas, ofereçamos sororidade para as outras mulheres no trabalho, na rua, em qualquer lugar, e não só no Facebook. Principalmente, que levemos para nossas decisões políticas todo esse nosso feminismo virtual nas próximas eleições.
Veja que este artigo não é veneno contra o feminismo. Eu faço críticas como uma de nós, de dentro, cheia de amor e com a certeza que podemos melhorar tudo isso. Cabe a nós fazer o feminismo mais atraente do que as mentiras de antifeministas e religiosos fundamentalistas. E nós não somos crianças – e devemos nos responsabilizar por nossos atos todas as vezes que afastamos, por grosseria ou falta de tato, uma outra mulher do empoderamento – e não se subestime, você tem o dom de destruir o dia de outra mulher com apenas um comentário mal criado na internet.