Quando, em 1889, Chiquinha Gonzaga compôs a primeira marchinha para o carnaval, o carnaval, a músicas e as ruas não eram ‘lugar de mulher’. Pioneira em uma época em que a presença de mulheres no mundo das artes era vista com preconceito, Chiquinha pagou um preço alto por nunca abandonar seus sonhos .
Ela foi compositora, pianista e maestrina e responsável por mais de duas mil canções populares. Entre elas, está a primeira marchinha composta para o carnaval: “Ô abre alas”, que hoje faz parte do imaginário brasileiro.
“Ela sempre desafiou a ‘moral e os bons costumes’ de seu tempo. Teve três casamentos, foi julgada pelos divórcios e por não ter tido condições de ficar com todos os seus filhos. Trabalhou como musicista e isso, naquela época, significava ‘boemia e vadiagem'”, resume Luísa Toller, autora da marchinha “Chiquinha Toca Uma” e colunista d’AzMina.
Embora seja considerada uma das festas mais democráticas do país, o protagonismo do carnaval quase sempre foi restrito aos homens. Às mulheres, especialmente às mulheres negras, era legado o papel da “musa”, objetificando-as. O reconhecimento a compositoras, organizadoras de blocos, donas de escola de samba e musicistas ainda é algo raro de se ver no Carnaval, mas esse cenário vem mudando.
No ano passado, a Globeleza apareceu na vinheta da TV Globo vestida com roupas típicas da cultura brasileira e representando os diversos ritmos do carnaval no país. A mudança veio depois de muita luta e da campanha “Nós, mulheres negras, queremos o fim da Globeleza”, apoiada pela Revista AzMina.
Se, antes, as músicas de carnaval eram predominantemente machistas ou racistas, agora, as mulheres ocupam esses espaços com marchinhas feministas e que lutam pela igualdade de gênero.
Chocava toda a sociedade
Com sua agilidade
Em dedilhar com maestria
Sempre que tinha vontade
Ui Ui Ui Ui Ai!
Chiquinha Gozava e o povo apontava
Chiquinha Gozava e o povo apontava
“Onde já se viu prazeres como tais?”
Deixa a mulher tocar em PAZ!
Os versos da canção “Chiquinha Toca Uma” são um exemplo disso. Composta pela musicista Luísa Toller e interpretada pelo grupo Vozeiral, a marchinha recebeu dois prêmios no concurso do Bloco Nóis Trupica Mais Não Cai. A música foi 1º lugar no voto popular e 3º lugar pela escolha do júri.
“As mulheres têm questionado o espaço para elas no carnaval, criando novas possibilidades”, diz Luísa.
No ano passado, Luísa levou três prêmios com a também feminista marchinha “Mulheres em Marcha”, que abordava trabalho doméstico, igualdade salarial, aborto e cultura do estupro.
O vozeiral é composto por: Val kimachi, Naima kimachi, Rita Maria Brandão, Marina Teles, Ana Luiza Caetano, Amabile Barel, Raíça augusto, Daniela Alarcon e Luisa Toller.
“Em vários lugares do Brasil, já existem blocos organizados por mulheres com intuito de formar mais ritmistas, pesquisar repertório composto por mulheres, falar sobre a questão do assédio e sobre homossexualidade. Os passos são de formiguinha, mas o carnaval é uma ótima chance de ocuparmos as ruas. E, daí, representatividade é tudo! Quanto mais nos vemos, mais nos sentimos encorajadas. No concurso do ano passado, eu era a única mulher compositora para as 12 marchinhas inscritas. Neste ano, foram duas. Quem sabe, no futuro, teremos muitas compositoras concorrendo?”, torce Luísa.