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Microempreendedoras têm dificuldade para receber salário-maternidade

Mariana entrou com pedido para benefício em dezembro; sua filha está com 3 meses e ela ainda não teve resposta do INSS

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A filha de Mariana comemorou três meses de idade e até hoje a mãe ainda não teve acesso ao salário-maternidade (Arquivo pessoal)

No livro O Segundo Sexo, a filósofa Simone de Beauvoir diz que a maternidade tem importância variável. Isso porque se a mulher está submetida a um contexto que limita sua autonomia e liberdade sobre o procriar e a sociedade se esquiva do ocupar-se da gravidez e da criança, os encargos da maternidade serão muito pesados para as mulheres. A situação que a profissional de educação sexual e editoração Mariana Fernandes Vieira está enfrentando desde dezembro, quando se preparava para receber sua primeira filha, mostra o que é uma sociedade que se esquiva.

Desde 2013, Mariana é registrada como microempreendedora individual. O MEI é uma política pública do governo federal brasileiro lançada em 2008 com a intenção de inserir trabalhadores informais na economia formal, garantindo principalmente acesso a benefícios de previdência e seguridade social como aposentadoria e salário-maternidade, por meio de uma contribuição mensal.

Com todos seus pagamentos tributários em dia, Mariana fez a solicitação do benefício salário-maternidade ao INSS (Instituto Nacional de Seguro Social) no dia 20 de dezembro e foi informada que a resposta sobre a concessão chegaria em, no mínimo, 45 dias. Até hoje, nada.

Sua filha Liz já completou três meses de vida e Mariana viu seu planejamento financeiro para os meses de dedicação exclusiva à maternidade ficar insustentável diante da paralisia do INSS, que até agora não deu resposta sobre a liberação do benefício.

“Eu já dei entrada antes querendo me precaver, mas não tem prazo máximo para a análise, eu fico sem saber até quando vou precisar esperar por algo que é direito meu”, explica Mariana.

“Enquanto isso minhas contas estão atrasadas, estou pedindo dinheiro emprestado para minha família, porque o salário do meu marido não sustenta a nossa casa sozinho, realmente precisamos da minha parte”, conta.

Mariana começou a trabalhar como cuidadora de uma idosa, sem carteira assinada ou qualquer benefício, mas para onde pode levar sua filha sem ter de interromper a amamentação.

Queda dos benefícios concedidos para as mães

Os dados do INSS mostram, de fato, uma queda na concessão de salários maternidade. A média mensal de benefícios liberados caiu da faixa dos 53 mil por mês em 2017 para 50 mil em 2018, e os primeiros meses de 2019 indicam uma nova queda.

O dado mais recente do INSS, de março deste ano (até o dia 22), mostra que foram concedidos 25.729 benefícios naquele mês, uma queda de 57% em relação aos 59.506 benefícios concedidos durante todo o mês de março de 2018.

Procurado pela reportagem, o INSS informou que o tempo médio de análise registrado atualmente para este tipo de pedido é de 83 dias. Ou seja, em três meses o ‘envelope digital’ com o pedido de salário-maternidade de Mariana aparentemente nem chegou a ser aberto.

O órgão explicou que “tem um quadro limitado de servidores para atender as demandas dos segurados e por isso, outros procedimentos vêm sendo adotados para agilizar o atendimento, tais como a concessão automática de benefícios e a instituição de um programa de bonificação por análise de benefício que, por enquanto, aguarda autorização orçamentária para que possa ser executado”.

Segundo o órgão, os primeiros benefícios a serem analisados dentro do programa serão, inclusive, os de salário-maternidade. Além disso, o INSS diz que melhorou os canais para que as pessoas solicitem os benefícios e, com isso, os pedidos aumentaram e o tempo de espera também.

Informalidade e a violação do direito à maternidade

Para além do MEI, o caso de Mariana tem um contexto específico de pano de fundo: as novas relações de trabalho, que podem ser classificadas como “flexíveis”, “precárias” ou “inovadoras” de acordo com o ponto de vista.

Estamos falando não apenas das trabalhadoras autônomas que puderam se formalizar como pequenas empresárias com o MEI, e com isso criaram expectativa de inclusão social, mas também em regimes como teletrabalho ou home office, contratações de pessoas como pessoa jurídica e a categoria de trabalhadores intermitentes que surgiu após a reforma da legislação trabalhista em 2017. Além do trabalho informal, que não conta com nenhum tipo de registro.

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Na prática, a informalidade e a instabilidade sempre foram marcas do mercado trabalho brasileiro, lembra a pesquisadora Nanah Sanches Vieira, do programa de pós-graduação em Sociologia, Feminismo e Relações de Gênero e Raça da Universidade de Brasília (UNB).

“Esses novos regimes de trabalho são novos apenas do ponto de vista legal, porque eles já aconteciam; as mulheres já se dedicavam a atividades informais antes”, afirma a especialista.

“E nesse contexto, a permanência no trabalho só é possível a muitas mulheres na violação do direito à maternidade.”

Empobrecimento durante o período de puerpério e amamentação, a impossibilidade de amamentar e acompanhar o bebê por causa de exigências profissionais e o próprio adiamento da gravidez almejada são exemplos de violação ao direito da maternidade.

Camila* viveu isso na pele. Aos 30 anos, a redatora web trabalha em regime de home office para uma empresa chinesa, sem contrato reconhecido pela legislação brasileira.  Em 2018 ela teve sua primeira filha e apenas 15 dias de licença maternidade.

“Eu avisei minha gestora que estava grávida; normalmente eles dão uma licença não remunerada de trinta dias, já que não se submetem à CLT. Assim, combinei quinze dias de licença e fui trabalhando normalmente até o parto. A volta foi mais complicada, porque eu tinha de lidar com interrupções a todo momento para dar conta de cuidar da bebê”, lembra.

Na informalidade, mulheres recebem 27% menos que homens

De acordo com dados de 2016 reunidos pelo Sebrae, 47% dos MEIs se declaram do sexo feminino, isso significa cerca de 3.125.450 milhões de mulheres em todo o país. O Ministério da Economia e o Sebrae não têm dados sobre quantas delas são mães. A renda média das pessoas registradas como MEI no Brasil é de R$ 3.976.

Sobre os números do mercado informal, segundo o IBGE, que considera os trabalhadores sem carteira assinada para fazer essa conta, cerca de 41% dos homens e 41% das mulheres brasileiras estão na informalidade. A diferença é que, pelos números de 2017, uma mulher trabalhando informalmente recebeu o equivalente a 73% da renda conseguida por um homem no mercado informal.    

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O caso das trabalhadoras intermitentes é mais complexo. Apesar de formalizadas, como podem legalmente receber menos do que um salário mínimo e não há regras claras sobre como devem completar as contribuições ao INSS até atingir a contribuição mínima necessária, elas não estão seguradas e não podem receber o salário-maternidade, assim como benefícios previdenciários e de seguridade.

Flexibilidade e precarização

Trabalhar em casa, com regime de horas reduzido e com flexibilidade de horários pode parecer uma vantagem na hora conciliar maternidade e vida profissional, mas um olhar mais atento pode indicar o contrário. “Essas mudanças não são mais amigáveis à maternidade e nem têm a pretensão de ser. Essas alterações objetivam diminuir os custos de reprodução de força de trabalho através da transferência dos riscos  da atividade para o trabalhador e a intensificação da autoexploração e supressão de direitos”, alerta a pesquisadora Nanah Vieira.

Ela afirma que algumas mulheres podem ter sucessos nesta lógica de trabalho, mas este modelo traz a necessidade da trabalhadora estar sempre buscando trabalho, precariza a saúde mental e financeira de mulheres e de seus filhos em consequência. “Hoje a gente usa muito mais o termo da flexibilização forçada”, afirma a pesquisadora.

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A história de empreendedorismo de Mariana Vieira é exemplo disso. “O fato de abrir um MEI, para ter um CNPJ, ter uma expectativa de aposentadoria futuramente, foi mais uma falta de opção, porque hoje o mercado para certas profissões está assim, não tem jeito, você tem de ser MEI ou ser uma pequena empresa, emitir nota fiscal e fazer sua prestação de serviço desta forma”, explica.

Se pudesse escolher, ela diz que preferiria ter um emprego formal, com carteira assinada. “Ser independente é muito mais difícil. Se você não tem clientes, você não ganha; e para ter clientes tem de suar a camisa, não é porque trabalho em casa que tenho mais regalias ou conforto, acho que é o dobro do trabalho”, avalia Mariana.

Metade das mães são demitidas em até dois anos depois da licença maternidade

Não que o mercado formal seja o paraíso para as mães. A professora de economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Cecília Machado, apresentou em 2017 uma pesquisa analisando os efeitos da licença-maternidade na empregabilidade de mulheres com base em informações da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) do governo brasileiro.

A pesquisa revelou que 24 meses após o começo da licença maternidade, quase metade das mulheres deixa o posto de trabalho, a maior parte demitida pelo empregador.  “A única diferença que encontramos foi quando a gente olha para mulheres que têm um nível educacional mais alto, então acaba que a política de licença maternidade funciona melhor para essas mulheres”, diz Cecília.

No caso do mercado formal há um nível de coparticipação do Estado e do empregador nos encargos da maternidade por causa dos direitos garantidos pela legislação.

Para Nanah Vieira, o caminho para melhorar a relação de trabalho e maternidade passa pela implementação de mais políticas públicas de cuidado, como ampliação de creches por ação do Estado e também nos ambientes de trabalho, além da licença parental, quando pai e mãe dentro de seus arranjos familiares decidem quem e por quanto tempo, dentro do permitido, vai se afastar do trabalho em função do cuidado com a criança. Temas que estão praticamente ausentes do debate público na sociedade brasileira.    

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