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Machismo nosso de cada crise política

A violência é a arma mais fácil daqueles que não sabem argumentar. O problema acontece dos dois lados.

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A estudante Isadora foi agredida por manifestantes ontem, na Paulista
A estudante Isadora foi agredida por manifestantes ontem, na Paulista

Ontem fui dormir com o coração sangrando por dentro. Depois de ouvir horas de gravações em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva solta uma variedade tão grande de expressões machistas que tive até que buscar o dicionário para entender o significado, encontrei o vídeo em que a estudante Isadora Schautte, 18, é agredida por uma multidão na Paulista e chora um choro desconsolável, sem entender o porquê da agressão. Ela tomou pontapés de manifestantes pró-impeachment quando passava pelo vão do MASP, ao responder às críticas ao governo do PT.

Como Isadora, eu também já havia chorado desde que a crise política começou, quando um de meus ex-professores da USP – que costumava ser meu ídolo, vale dizer – ao discordar de minhas posições políticas, me ofendeu publicamente no Facebook, criticou a maneira como eu fazia feminismo e me deletou sem me dar chances de me defender. Naturalmente, a violência que sofri nem se iguala à de Isadora, mas também doeu no peito.

Como doeu na jornalista da Istoé Débora Bergamasco que, em um grande furo de reportagem, adiantou as denúncias do senador Delcídio do Amaral (sem partido-MS) e teve sua vida sexual questionada e exposta em um artigo anônimo no Diário do Centro do Mundo. Ou na presidenta Dilma Rousseff que, durante os protestos, foi chamada de quenga e outras coisas de baixo calão que em nada têm a ver com sua capacidade de governar. Naturalmente, qualquer cidadão pode criticar a presidenta, mas que a critique por motivos outros que não sua conduta sexual.

Nas gravações divulgadas ontem, Lula, antes tão indignado com a violência doméstica sofrida pela esposa do procurador de Rondônia Douglas Kirchner, diz que entraram cinco homens no quarto de sua assessora, Clara Ant, e ela pensou que era “um presente de Deus”, mas eram os agentes da Polícia Federal. Mais tarde, Lula e Jacques Wagner celebram que Marta Suplicy tenha sido recebida com gritos de “puta” na Avenida Paulista. “Para ela aprender”, afirma Wagner.

E, nessas circunstâncias de violências inomináveis contra mulheres, ainda exigem que eu tome parte em um dos lados. Me recuso. Não me alio com quem acha que machismo é brincadeira e nem com aqueles “cidadãos de bem” que pensam que vale a pena espancar uma estudante para atingir seus objetivos.

Claro que não desejo que as ruas forcem um impeachment ilegal contra Dilma. Sou a favor de uma investigação e julgamento COMPLETOS e com provas SUBSTANCIOSAS para que, só então, pensemos em tirar a presidenta, democraticamente eleita, do cargo, seguindo todo o rito legal adequado e imparcial, como devia ser. Mas também apoio que todos que forem pegos com as mãos sujas – não importa de quais sejam os partidos, apesar de parecer que a Polícia Federal não pensa assim – sejam detidos. Inclusive se for ex-presidente ou atual.

Sou contra violências contra qualquer ser humano, mas falo especificamente da violência contra a mulher porque ela é a arma de quem ainda pensa que lugar de mulher não é política. Para aqueles que não aceitam que mulheres tenham uma opinião própria, que ousem se expressar ou, valha-me Deus!, governar.

O machismo é a arma mais fácil daqueles que não sabem argumentar. O é dos dois lados. E enquanto o brasileiro aprende a jogar o jogo democrático, que exige informação, leitura, pensamento crítico e debate lúcido, são as mulheres as que mais sofrem. Apelam ao machismo aqueles que têm preguiça de conhecer melhor a situação e pensar um pouquinho sobre o que o outro tem a dizer.

Tem muita gente em minha timeline que escolheu como foto de perfil uma bandeira do Brasil com a palavra LUTO. Me sinto assim hoje. Mas meu luto, para além do cenário político, é sobre as condições dos nossos corações e mentes neste momento de paixões acaloradas. É um luto contra o machismo borbulhando por aí. É um luto por um povo que não sabe discutir e – pior – não sabe pensar em coletivo.

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