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27 de maio de 2016

Ministro da educação recebe estuprador confesso para opinar sobre educação brasileira

Em que mundo nós vivemos em que essa notícia pode ser dada sem gerar revolta social um dia após o estupro coletivo de uma adolescente por 33 homens?

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Segunda feira uma jovem de 16 anos foi estuprada por 33 homens no Rio de Janeiro, desacordada, a menina foi filmada pelos criminosos e divulgada nas redes sociais em tom de deboche. No dia seguinte, o ministro da educação Mendonça Filho recebeu Alexandre Frota e Marcello Reis (um dos dirigentes do “Revoltados Online”) para ouvir suas propostas para a educação brasileira entre as quais se inclui o combate àquilo que eles chamam de “ideologia de gênero”, contra a “educação comunista” e outros discursos de ódio que a direita brasileira vem tecendo contra qualquer pensamento libertário ou democrático no Brasil.

Alexandre Frota além de ser um célebre ator de filmes pornô em que mulheres são subjugadas, é um estuprador declarado: em programa da TV aberta contou, em tom de piada, como, certa vez, estuprou uma mulher desacordada. As duas notícias evidenciam a tragédia brasileira em relação à violência sexual e à violência de gênero: a educação sexual no brasil começa cedo através da mídia – que usa a objetificação e erotização dos corpos a serviço da propaganda, afinal, sexo vende muito mais que cerveja – mas nunca acontece em termos morais. Não uma educação sobre a ética do desejo.

Na semana anterior, outra notícia foi o ataque de um grupo de deputados contra o direito ao aborto legal para as vítimas de estupro. Afinal, na visão daqueles que acham que “ideologia de gênero é coisa de comunista”, a violência sexual é de responsabilidade das vítimas, e a mulher ,por produzir óvulos, é a única responsável por sua gravidez, independente de quem for o pai, ou de como for sua vida, suas condições familiares, financeiras ou suas ambições pessoais.

O direito daquele que ainda não nasceu (ou que sequer é ser humano ainda, a meu ver) é superior ao daquela que já nasceu, e se já nasceu só lhe resta aceitar a vida como ela é: violenta.

O projeto de educação para as mulheres no Brasil é que elas não tenham direito ao seu corpo, nem às suas vidas para que continuem a ser tratadas como objetos de prazer, de consumo e de serviço doméstico: insistem em reforçar o pior estereótipo de gênero para manter como privilégio o prazer cruel de violentar em todos os sentidos a dignidade humana das mulheres.

O Brasil é um dos países que mais odeia as mulheres: aqui se bate, se estupra, se humilha e se mata mais que em muitos países conhecidos como fundamentalistas, aqui a violência contra a mulher é diversão pública. Somos o quinto país no mundo que mais mata mulheres! O quinto!

Combatendo a tal “ideologia de gênero”, os reacionários querem silenciar uma violência que se recusa a ficar presa em nossas gargantas. Querem fechar seus olhos e seus ouvidos aos estupros, espancamentos e homicídios de mulheres, crianças, transexuais, travestis, gays e lésbicas, e manter essas violências reservadas ao espaço das “dúvidas”, “suposições” e “vida privada”: o lugar do tabu.

Essas violências lamentavelmente fazem parte de nosso cotidiano e todos nós conhecemos alguém que já passou por elas, caso você acredite que ainda não conheceu ninguém, eu compartilho tranquilamente minha experiência: fui estuprada quando ainda era virgem.

Me prenderam, me calaram, me chantagearam, me torturaram psicologicamente, essa foi minha iniciação sexual.

Depois de longo tempo de recuperação, criei coragem para ter minhas primeiras experiências afetivas, e em outros relacionamentos conheci outras formas de violência: já senti a dor e a revolta de levar um soco dentro de minha própria casa, conheci a violência física e psicológica de meu então companheiro. Conheci a violência obstétrica, já sofri assédio no trabalho, nas escola, na universidade e, incontáveis vezes, na rua.

Não sei quantas vezes quase enlouqueci de dor apenas pelo fato de ser mulher e ser violentada e agredida gratuitamente, já chorei e senti a dor em todo meu corpo e minha alma, por minhas experiências e por saber que milhões de mulheres compartilham da mesma dor desde o início da humanidade. Quando já estava anestesiada de chorar, olhei para o mundo e percebi que muitas de nós continuávamos em pé . Se existe alguma loucura em nós é a capacidade de acreditar num mundo melhor onde exista respeito e dignidade para todas a pessoas.

Sou feminista, minha ideologia é a dignidade humana, não me calarei diante da violência, acredito que podemos fazer melhor nos EDUCANDO a respeitar o outro, a reconhecer sua diferença, sua identidade, sua realidade e suas experiências e sua vida.

Não nos deixaremos cegar pela violência e, mesmo derramando lágrimas de sangue, continuamos a lutar por justiça.

* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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