No último dia 14, segunda-feira, o governador de Santa Catarina Carlos Moisés da Silva, eleito pelo mesmo partido do presidente Jair Bolsonaro (PSL), vetou o projeto aprovado pela Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina (Alesc) que autorizaria pessoas trans e travestis a usarem seu nome social em serviços públicos do estado. Conversamos com dois advogados, uma mulher cis e um homem trans, para entender o que significa esse veto e quais são suas possíveis consequências.
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Nome de registro e nome social
O nome de registro é aquele usado nos documentos. Em março de 2018 uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) permitiu que pessoas trans mudassem seus nomes de registro sem precisarem ter feito uma cirurgia de redesignação genital. Assim, em todo o Brasil, teoricamente, “já é possível mudar o registro em cartório sem passar pelo judiciário. Mas o preconceito acaba dificultando que essa resolução se cumpra”, explica Marina Ruzzi, advogada fundadora do escritório Braga & Ruzzi, especializado em casos de gênero.
Uma pessoa que ainda não fez esta mudança ou está com o processo em trâmite pode, em alguns estados ou municípios, utilizar seu nome social ao preencher formulários de serviços públicos – por exemplo, em atendimento no SUS. Nesse caso, há dois campos de preenchimento, um para nome de registro e outro para o nome social escolhido.
Isso já é possível desde abril de 2016 quando a então presidenta Dilma Rousseff assinou um decreto reconhecendo a identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais. O projeto aprovado pela Assembléia de Santa Catarina estenderia a prática aos serviços públicos do estado, não só os nacionais e fortaleceria campanhas contra preconceito, de informação.
O decreto procura diminuir casos de constrangimento – uma das muitas formas de violência contra as pessoas trans. O estudante de direito Marcelo de Melo, homem transgênero e membro da Rede Feminista de Juristas DeFEMde afirma: “O respeito ao nome social é de extrema e crucial importância para a vida da pessoa trans e travesti. Assegura que consigamos viver em sociedade, nos portar, viver e existir tendo nossa identidade real respeitada. Você já imaginou viver sendo chamado por um nome que não o seu? Por um gênero que não o seu?”
“O avanço no uso do nome social nas repartições públicas permitiu que nossa população pudesse sair das sombras da noite e conviver com o mínimo de dignidade em ambientes majoritariamente cisgêneros.”
“Trata-se de uma legislação que não está mudando as formas de registro, apenas replicando [a decisão nacional] no Estado”, explica Marcelo. “Ela persegue o interesse público na representação das pessoas transgêneras e travestis ao garantir que sua dignidade seja respeitada. O veto do governador é um ataque a nossa existência, ao nosso direito à igualdade e dignidade, garantidos constitucionalmente.”
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As instituições de Santa Catarina têm um histórico de posicionamentos conservadores. Em 2018, por exemplo, o promotor de justiça Henrique Limongi impugnou 69 habilitações de casamentos homoafetivos em Florianópolis alegando inconstitucionalidade e contradizendo o próprio julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconheceu a união homoafetiva, que deveria valer para todo o Brasil.
O que podemos esperar?
Os riscos da decisão do governador podem ir além de Santa Catarina e gerar novos retrocessos para a comunidade trans ao influenciar outros políticos conservadores em outros estados e cidades.
Um projeto de lei de autoria de Jean Wyllys (Psol) e Erika Kokay (PT), em trâmite desde 2013, propõe exigir a aceitação do uso do nome social, dentre outros direitos referentes à identidade de gênero.