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“Fui formada e forjada pelo movimento de mulheres negras”, diz Emanuelle Góes

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Professora Doutora Emanuelle Góes

Ainda adolescente, arrumada na porta de casa pra ir à escola, em um bairro periférico de Salvador, ela era chamada de professora pela senhora que vendia pastéis. Uma profecia. Hoje doutora, Emanuelle Freitas Goes foi uma criança estudiosa, do tipo que começa a folhear os livros antes de o ano letivo começar. Mas esse ‘traço’ não foi sua porta de entrada para a ciência. 

Emanuelle é enfermeira e começou a carreira na atenção básica. Quando começou a trabalhar no Centro de Saúde da Mulher em Lauro de Freitas, região metropolitana de Salvador, mergulhou no convívio com os movimentos sociais e as mulheres negras. Motivada por esse diálogo com a comunidade, voltou aos estudos após cinco anos de formada. Na Universidade Federal da Bahia, se tornou mestra em enfermagem e doutora em saúde pública, já pesquisando aborto por uma abordagem interseccional. 

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Em nenhuma parte da conversa, Emanuelle Goes relatou o sonho ou desejo de ser cientista. Ser pesquisadora era uma necessidade; o entendimento de que pra mudar as coisas ela precisava fazer mais. Embora feliz como enfermeira, sua participação no movimento negro foi o que impulsionou sua formação. Era isso – a pesquisa e a ciência – que ela podia oferecer aos movimentos feministas e negros.

“Minha história é diferente. Vou aprendendo que eu preciso fazer pesquisa. Vou entendendo que eu preciso saber mais. Vou sendo formada pela militância, pelo movimento de mulheres negras, pelo movimento negro. Fui chamada pra essa função”, enfatiza a pesquisadora, hoje em estágio pós-doutoral na Fiocruz. Ela entende que, no campo da pesquisa, pode levantar evidências pelo olhar de uma mulher negra periférica, “novas perspectivas, narrativas, novas formas de cuidado e atenção, falar de racismo e desigualdade”. E reafirma: “eu fui formada e forjada pelo movimento de mulheres negras”. 

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Como se pode imaginar, sua carreira acadêmica passou por percalços. Ao chegar no doutorado, sua pesquisa sobre aborto foi questionada por professores. A justificativa: como o aborto é crime no Brasil, na opinião de alguns professores, não haveria necessidade de tratar do assunto como questão de saúde pública. “Eu tinha muita coisa na corrente contrária: a minha aparência, não só a minha cor, mas a minha identidade marcada na forma de me vestir, falar e posicionar, tudo isso vai gerando várias barreiras e questionamentos, e vai me deslegitimando desse lugar de cientista”. 

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Emanuelle teve que entender também o que significava estudar o aborto, afinal, ela era uma ativista, não estava ali apenas para ganhar um título. Seu trabalho contribuiu para o debate do aborto e racismo, e também da descriminalização do aborto, dentro e fora do movimento de mulheres negras. 

Pelo olhar da pesquisadora, não é possível separar as discussões sobre aborto e racismo, já que as mulheres negras são marcadas de modo muito específico pelas questões reprodutivas. Mais do que isso, ela defende debate sobre que as mulheres escolham o aborto por autonomia reprodutiva, e não por vulnerabilidade. “É sobre injustiça reprodutiva”, finaliza.

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