A nutricionista Bella Falconi – estrela do Instagram (@bellafalconi) com quase 4 milhões de seguidores – movimentou a internet no fim do ano passado com seus depoimentos sobre a “maternidade real”. Em um deles, ela contava que, ao voltar a praticar corrida, depois do nascimento da segunda filha, sofria com incontinência urinária. “Cada trotada que eu dou é um esguicho que desce de xixi. A vida como ela é. Parto normal é lindo, mas a incontinência urinária que fica no final não tem nada de lindo”, desabafou.
Por mais “gente como a gente” que pareça, não é para isso acontecer – nem na gravidez, nem depois de um parto natural, nem na velhice. “Incontinência de qualquer tipo não é uma coisa normal. Tampouco ir ao banheiro toda hora. Menos ainda dor na relação sexual. É preciso procurar ajuda”, afirma a fisioterapeuta Maíra Santin Couto, especialista em saúde da mulher.
No consultório, Maíra cuida de uma área que é desconhecida da maioria das pessoas: o assoalho pélvico. Trata-se de um grupo muscular responsável pela sustentação das vísceras, pelo controle do xixi e do cocô, pelo trabalho de parto e, adivinhem só, pelo prazer sexual (em homens e mulheres). “Os músculos são os mesmos para nós e para eles, mas mulheres tendem a ter mais problemas, devido aos ciclos hormonais e à gravidez, que provoca uma sobrecarga na região”, explica a fisioterapeuta.
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Se é tão importante, devíamos ter muita informação sobre isso, certo? Mas não é o que acontece. Estimativas indicam que entre 30% e 40% das mulheres sequer sabem o que é o assoalho pélvico. E mesmo as que nunca tiveram filhos podem ter problemas. Pior que isso: muitas não têm noção de como usar esses músculos e podem até lesioná-los.
“É comum as pessoas ouvirem, na prática de exercícios, ‘contraia o assoalho pélvico’, mas, ao invés de contrair, fazem um movimento de força, algo que pode se tornar extremamente prejudicial, porque isso sobrecarrega os músculos”, alerta Marair Ferreira Sartori, da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).
Oi, prazer
Para quem lida com o tema, os ganhos de se fazer uma “musculação” no assoalho pélvico são inúmeros e vão muito além da incontinência urinária. “A gente passa a se conhecer melhor. Uma musculatura que contrai e relaxa bem, de forma coordenada, ajuda a aumentar a irrigação no clitóris e o contato do pênis com a vagina [em relações com penetração]”, conta Maíra.
Em alguns casos, a ajuda não apenas traz qualidade, mas é essencial para que o sexo funcione. Foi o que aconteceu com a designer Marcela*, 23 anos. “Durante as relações sexuais, eu sentia muita dor, do início ao fim. O ginecologista não identificou nada de anormal e me encaminhou para a fisioterapia. De início, achei estranho, pois não conhecia ninguém que havia feito fisioterapia para isso”, lembra.
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Marcela descobriu que o medo de sentir dor a fazia contrair mais e mais, criando um círculo “vicioso”, sem nenhum prazer. “Com os exercícios e massagens, aprendi a relaxar o períneo [sinônimo de assoalho pélvico]”, conta. Com a região livre de tensões, ela conseguiu voltar a aproveitar o sexo e ter prazer.
Isso não é trivial. Segundo uma pesquisa de 2016 da Universidade de São Paulo (USP), 56% das brasileiras não conseguem atingir o orgasmo. Além disso, 40% não se masturbam. “Ou seja, tem muita falta de informação em relação ao próprio corpo. Precisamos começar a falar desde de cedo para meninas e mulheres sobre educação sexual”, defende Laura Della Negra, fisioterapeuta pélvica que alimenta uma conta no Instagram (@assoalhopelvico) só com informações sobre a região (acompanhadas de ilustrações lindíssimas).
Ele está diretamente ligado à saúde
“Se você é mulher e vive na gravidade, deveria estar atenta a isso, pois pode querer não sofrer com incontinência, ter uma coluna saudável e móvel, melhorar a relação sexual e envelhecer bem”, afirma Laura. “As pessoas deveriam se preocupar com o assoalho pélvico do mesmo modo que se preocupam com o joelho”, acrescenta Maíra.
Mas por que quase ninguém se preocupa? Basicamente, por causa do machismo. “Existe muito tabu em relação à sexualidade feminina. Infelizmente, vivemos em um mundo muito machista, que, apesar de estar avançando em algumas coisas, retrocede em outras imensamente”, lamenta Laura.
O tabu em relação à sexualidade também atrapalha as mulheres na hora de ir ao banheiro – outra função do assoalho pélvico. Fazer cocô é um problema de três a cada cinco mulheres no mundo ocidental, de acordo com estimativas sobre prisão de ventre. “Os hábitos de higiene e a vivência da sexualidade, de modo geral, sempre foram mais rigorosos com as mulheres”, diz a psicanalista Beth Mori.
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Mesmo entre ginecologistas, que deveriam introduzir o assunto junto às pacientes, há muito silêncio. Entre as cinco mulheres consultadas nessa reportagem, apenas uma havia recebido a indicação de procurar a fisioterapia pélvica para uma avaliação – e isso porque ela própria provocou o tema. Com as outras quatro, houve até desconforto ao se falar sobre o assoalho pélvico.
Há casos, inclusive, em que a falta de encaminhamento adequado pode ser prejudicial à mulher. A advogada Gabriela Pontes, 28 anos, enfrentou dificuldades na hora de transar e foi orientada a usar um método que poderia ter sido desastroso. “Uma médica receitou uma espécie de bastão de alongamento [dilatador vaginal], para que eu ‘treinasse’ a região e tentasse melhorar o meu desconforto. Só que eu não sabia realmente como fazer o exercício. Não tinha muita consciência corporal”, lembra.”Acho que tem muito preconceito mesmo entre os próprios médicos.”
Após o episódio, ela foi diagnosticada com endometriose e aí sim encaminhada à fisioterapia pélvica para que os exercícios a auxiliassem no controle da dor. “Com o tempo, a doença foi tirando algumas percepções e funções do meu corpo. Por exemplo, ao invés de andar com o quadril para trás, eu o contraía para frente. Os alongamentos na pelve, com a fisioterapia, melhoraram muito a minha qualidade de vida”, conta.